A autoconsciência do terror

Don DeLillo

Em primeiro lugar, vamos ler o que Martin Amis, o enfant terrible da literatura inglesa, disse do novo livro de Don DeLillo – um volume de contos chamado The Angel Esmeralda, algo supreendente para um escritor que só se dedicou às narrativas longas, muitas vezes longuíssimas (caso de Submundo):

When we say that we love a writer’s work, we are always stretching the truth: what we really mean is that we love about half of it. Sometimes rather more than half, sometimes rather less. The vast presence of Joyce relies pretty well entirely on “Ulysses,” with a little help from “Dubliners.” You could jettison Kafka’s three attempts at full-length fiction (unfinished by him, and unfinished by us) without muffling the impact of his seismic originality. George Eliot gave us one readable book, which turned out to be the central Anglophone novel. Every page of Dickens contains a paragraph to warm to and a paragraph to veer back from. Coleridge wrote a total of two major poems (and collaborated on a third). Milton consists of “Paradise Lost.” Even my favorite writer, William Shakespeare, who usually eludes all mortal limitations, succumbs to this law. Run your eye down the contents page and feel the slackness of your urge to reread the comedies (“As You Like It” is not as we like it); and who would voluntarily curl up with “King John” or “Henry VI, Part III”?

 
***

São dois artistas, enfim, que merecem ser lidos e ouvidos, não apenas porque captaram o zeitgeist, mas porque possuem coração, porque mantiveram seus sentimentos, apesar de tudo que conspira contra isso, apesar da ironia sobrepujante e da horrorosa autoconsciência. Parece uma opinião brega, e talvez seja. Foster Wallace disse, no ensaio E Unibus Pluram, que os próximos rebeldes literários serão antirrebeldes: os que arriscarão ser tachados de melodramáticos e sentimentaloides. James Murphy não apenas repete isso, mas também executa algo similar em “Dance yrself clean”, canção que abre o seu disco de despedida do mundo da música, na qual aumenta o volume e pede para o ouvinte se lavar dançando, como se a dança fosse uma espécie de exorcismo que pudesse nos salvar de tudo, inclusive de nós mesmos.

Tudo bem, o primeiro trecho não fala diretamente da obra de DeLillo e sim das impressões introdutórias de Amis, este mestre da digressão, sobre o que ele ama e o que não ama no corpus de qualquer escritor. Na verdade, só copiei o trecho acima para que o leitor tenha interesse de ler o texto inteiro e, de brinde, saiba o que é uma verdadeira resenha.

Se lermos os dois textos com atenção, ambos discorrem sobre um tema que o próprio Foster Wallace – outro mestre da digressão – tinha plena noção: as conexões que existem entre a percepção exagerada do que seria (ou poderia ser) a realidade e o terror que surge disso. Segundo Amis, um escritor que sempre quis fazer o que DeLillo já fazia há tempo, o autor de Submundo e Homem em Queda, romances que, respectivamente, anteciparam e meditaram sobre os eventos da primeira década de 2000 (em especial, o terrorismo e o 11 de setembro), se tornou um profeta que soube expressar em uma linguagem cuidadosamente elaborada os dilemas da consciência estilhaçada dos nossos tempos.

Para Xerxenesky, DFW – que será tema de um ensaio fantástico de Júlio Lemos na próxima Dicta&Contradicta – eleva esta linguagem aos píncaros da insanidade – com a diferença de que há uma busca pela transcendência que, se compararmos os casos, DeLillo é muito mais bem sucedido do que o seu jovem contemporâneo (com quem, alías, trocou uma extensa correspondência).

A meu ver, esta autoconsciência do terror – marca registrada não só dos romances de DeLillo, DFW e Martin Amis, como também está presente em As benevolentes, de Jonanthan Littell, Às cegas, de Cláudio Magris e, em menor grau, Liberdade, de Jonathan Franzen – é uma encruzilhada que pode intoxicar a visão do escritor e envenená-lo com o mal que queria diagnosticar.

Por um lado, obriga-o a ver a realidade como é, em toda a sua terrível ambigüidade; por outro lado, pode fazer o escritor sucumbir à sua pressão e fazer a opção preferencial pelo desastre que é o niilismo.

David Foster Wallace ficou nessa encruzilhada e deu no que deu: depressão e suicídio. DeLillo já é um senhor de idade que decidiu se tornar o Beckett provecto da literatura americana, com seus livros esparsos, enigmáticos e quase impenetráveis.

Mas as questões que esses dois críticos e esses dois romancistas lançam são aquelas que todo escritor deve fazer antes de empunhar a caneta e começar a escrever qualquer linha.

E o que o LCD Soundsystem tem a ver com tudo isso?

Bem, não sei, mas antes de tudo ouçam essa canção e tenham um bom final de semana.

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