A redescoberta da filosofia no Brasil II – Mário Ferreira dos Santos

Por Felipe Cherubin

Mário Ferreira dos Santos nasceu em Tietê, São Paulo. Formado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de Porto Alegre, muda-se para São Paulo e funda as Editoras Logos e a Matese com o objetivo de publicar e divulgar sua obra. Foi um pensador incrivelmente fecundo que legou uma obra monumental com mais de 90 títulos publicados, alguns inéditos e outros inacabados.

Em menos de 15 anos publica a “Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais”, que abrange cerca de 50 volumes, parte de caráter teorético e parte histórico-crítico. Sua obra vai além das exposições de temas filosóficos e se encontram romances, dicionários, cursos de oratória e traduções comentadas. Seguindo tradição pitagórico-platônica, a obra de Mário explora com originalidade os caminhos da Metafísica.

Em 1957, publicou “Filosofia Concreta”, que estabelece o seu modo de filosofar. Mário Ferreira dos Santos considera a Filosofia como ciência rigorosa, aceitando o que é demonstrado e não o problemático e provável. Para ele, a Filosofia possui o genuíno valor de ciência, seja na investigação e na sistematização, seja na análise e na síntese de temas expositivos e polêmicos. Em 1959, a edição de “Métodos Lógicos e Dialéticos” expõe uma nova metodologia para guiar com segurança o estudioso no campo do saber.

A década de 1960 foi o período em que suas obras tiveram maior difusão em todo o território nacional.

***

Luís Mauro Sá Martino, professor da Fundação Cásper Líbero e estudioso da obra de Mário Ferreira dos Santos, fala a seguir em entrevista exclusiva concedida à Dicta.com, sobre o filósofo.

Quem foi Mário Ferreira dos Santos?

Mário Ferreira dos Santos foi um filósofo brasileiro que desenvolveu um pensamento bastante original na segunda metade do século 20, dialogando com filosofias aparentemente dispares como, por exemplo, a escolástica medieval, Nietzsche e Sartre, trabalhando também com descobertas e pesquisas recentes para sua época .Foi um dos primeiros leitores de Piaget no Brasil, por exemplo. Dedicou a vida à filosofia, daquele preceito de Schopenhauer que se deve viver para a filosofia e não da filosofia. Mário conseguiu uma síntese original: vivia para filosofia e ao mesmo tempo vivia da filosofia sem nenhuma incongruência entre as duas.

Como foi seu primeiro contato com a obra do Mário Ferreira dos Santos e a partir de que ponto você começou a se dedicar a um estudo sistemático de sua obra?

Meu contato foi acidental, por meio dos sebos. De tanto ver os livros dele um dia acabei me interessando e à medida que eu ia lendo percebi que tinha alguma coisa muito boa embora na época eu não soubesse exatamente o que; me faltava ainda como sempre vai faltar, mas faltava mais ainda naquela época bagagem para entender o que ele estava querendo dizer, com quem estava dialogando e a partir daí que eu comecei a estudar sistematicamente a obra dele, fora do circuito acadêmico – como um desafio pessoal.

A obra do Mário é imensa, mais de uma centena de livros publicados, inéditos e alguns inacabados. A sua produção também é variada: romances, enciclopédias, dicionários, diálogos, cursos e traduções. É possível identificar uma unidade ou mesmo uma divisão didática dentro dessa avalanche de escritos?

Sim, mas essa afirmação tem que ser levada com todo cuidado.
Toda divisão da obra do Mário vai esbarrar com problemas e ela só funciona vista no plano geral. Então, essa divisão além de arbitrária é também bastante fluida e eu preciso deixar claro que isso não é uma classificação fechada, mas apenas para efeito didático: Em termos de gênero, Mário cultivou alguns gêneros dentro de sua obra. O primeiro desses gêneros foi a literatura: escreveu contos , livros e prosa filosófica.Há um livro dele, por exemplo, que reúne alguns desses contos e crônicas chamado Páginas Várias – um livro literário com teor filosófico que bem que poderia ser incluído na área da literatura. Outro gênero que desenvolvidofoi o livro filosófico no sentido mais estrito: exposição de um problema, argumentos, contra-argumentos, conclusão e síntese. Um terceiro gênero foi o ensaio: alguns livros deles são claramente ensaísticos, lidando até mesmo com problemas cotidianos. Fora isso, os inéditos e dispersos :são artigos, palestras, exposições, aulas (ele também era professor em boa parte do dia), cursos livres, o curso de oratória e retórica e apostilas de aula. Em termos de fases é mais complicado porque ao longo de sua obra Mário reelabora o que havia escrito anteriormente. Daria para separar da seguinte forma: as primeiras obras que ele escreve ainda sem saber que estava escrevendo a enciclopédia( só depois da Filosofia Concreta ele irá perceber a extensão de sua obra, embora há indícios, por exemplo, uma carta onde ele propõe uma coleção de filosofia para o povo; nela, ele propõe ao Ministro da Cultura, pede um subsidio que lhe é negado mas ali já expõe o projeto de uma obra ampla, mas ainda não caracterizada como a enciclopédia). Dentro dessa produção aparentemente desorganizada há um senso de unidade do próprio Mário que eu poderia dizer que é a Lógica Dialética – num primeiro momento. Essa lógica dialética desemboca no ápice da filosofia dele que é a filosofia concreta e em seguida para outra fase que é a aplicação da lógica dialética e da filosofia concreta a vários problemas: metafísicos, históricos, sociais. Finalmente, numa última fase : começa a tratar diretamente de Metafísica, ele vai para os campos da metafísica pura que é fase da “Sabedoria das leis Eternas”, “Esquematologia”, “Tratado Geral das Tensões” aonde ele se volta para a mente humana em relação com o objeto, reestruturando a relação sujeito/objeto com base numa tensão de consciência intersubjetiva.

O Mário muitas vezes é considerado um dos maiores filósofos do século 20 ao mesmo tempo em que foi a figura mais solitária da história intelectual brasileira. Não obstante foi muito lido e muito ativo em seus cursos particulares e palestras (alguns de seus livros foram o que hoje chamaríamos de um best-seller). Qual a razão desse isolamento e por que seus escritos caíram em esquecimento logo após sua morte?

Bom, as duas coisas estão interrelacionadas. Mario prezava muito a própria independência e ele acreditava que se fosse lecionar na universidade, em qualquer universidade teria que cumprir prazos, programas e se submeter a constrangimentos acadêmicos de seguir este ou aquele; então, radicalmente opta por não ficar na universidade, foi um outsider por vontade própria. Com isso teve uma vantagem grande que foi poder escrever o que ele quisesse, na hora que quisesse do jeito que bem entendesse, mas teve uma desvantagem: ele não forma discípulos, alunos organizados que vão reconhecendo a obra dele por meio de títulos de pós-graduação, etc. Portanto, ao se afastar do campo acadêmico ele também fecha o campo acadêmico para si, por isso que após sua morte em poucos anos sua obra é completamente esquecida. Ele não formou uma escola de pensadores – gente que vai discutir sua obra – daí esse isolamento resultando numa solidão muito grande como pensador e no esquecimento da obra após sua morte.

Além de tudo, Mario tinha um grande tino comercial, tendo sido proprietário das editoras que publicaram suas obras, como era esse outro lado do filósofo?

As experiências institucionais do Mário foram todas ruins. Seja como profissional, seja como estudante. Ele era um anarquista e a anarquia dele não era militância política e externa, era princípio. Então, ele simplesmente fugia dos ambientes institucionais. Situação essa que o levou a caminhos próprios. O que ele tinha era um tino comercial fenomenal: quando percebeu que ninguém editaria seus livros começou a editar, partindo de um principio: se os livros estiverem à venda, as pessoas comprarão, principio simples e que deu resultado. Então, ele vendia livro de porta em porta, depois teve uma equipe de vendedores que ia vender livro de porta em porta e funcionava – as pessoas achavam a encadernação bonita, compravam; outras achavam o conteúdo ótimo, compravam; o fato é que a julgar pelas notas de faturamento das empresas dele e hoje pela quantidade dos livros dele em sebos,vendeu que nem água.

Mário sempre se preocupou com a questão da acessibilidade da filosofia e a educação da juventude, a função da filosofia no sentido de humanizar a civilização sempre esteve presente no seu filosofar. Como o Mário via a questão da barbárie, da modernidade e da civilização?

Mário foi um critico radical da modernidade. Ele entendia que o excesso de racionalização, o controle de pontos e entradas e saídas e fluxos, esses controles todos embruteciam o homem porque tiravam a dimensão simbólica, a dimensão afetiva, a dimensão espiritual, a dimensão religiosa, a dimensão lúdica e transformavam o homem numa máquina racional , uma máquina programada para trabalhar e essa programação incluía o ensino universitário; daí uma das críticas dele, de que a universidade estava programada para trabalhar e que até na hora de se divertir seria levado a se divertir pelas mesmas instituições que o obrigavam a trabalhar. Mario faz essa critica radical chegando a conclusão do por que do esvaziamento do homem moderno, o por que da crise, o por que dos problemas psíquicos da solidão e da angustia: porque nós perdemos a relação humana; a modernidade destruiu no ser humano o que havia de bonito, o que havia de simbólico e o que havia de transcendente e não estou falando de transcendência religiosa, mas sim da transcendência da relação com o outro. Tudo é organizado, tudo é matematicamente certo, portanto ,não há espaço para a subjetividade e nem para a intersubjetividade.

O Mário foi um pensador cristão, ele tem um interessante livro sobre o Cristianismo, mas na parte filosófica ele sempre usa a noção de transcendência como parte da ontologia, não entra a questão religiosa dentro deste contexto, é isso?

É.

Mário era cristão, mas se dizia avesso a qualquer denominação religiosa, em uma de suasele fala com todas as letras “Não professo nenhuma religião”. Ou seja, ele não era católico, não era protestante, mas era cristão e a abordagem dele do cristianismo era uma abordagem em primeiro lugar filosófica, ele entendia que o cristianismo era a melhor doutrina ética que alguém poderia ter e chegou a essa conclusão, por ironia, lendo Nietzsche.

O pensamento do Mário é um pensamento marcado pela positividade (no sentido de uma filosofia da afirmação), conseguindo abarcar em seu sistema os mais diferentes matizes intelectuais:pitagorismo, a filosofia de Nietzsche, Cristianismo, Anarquismo e a Escolástica. Como isso foi possível?

É tentador responder: porque ele era um gênio.

Mas há uma razão filosófica para isso. Mário entendia que a filosofia era algo para ser vivida e ele não fazia filosofia, vivia filosofia. Isso significava extrair das outras filosofias e de qualquer sistema de pensamento, de qualquer ideia boa o que havia de bom para contribuir com a compreensão de qualquer problema; são poucos os espaços na obra dele onde identificamos a crítica, ou seja, o pensamento negativo. Ele trabalhava dentro de um pensamento de afirmação aonde ele irá procurar em cada filosofia o que há de melhor. Se Nietzsche tem alguma coisa a dizer sobre um problema e sobre o problema seguinte quem tem algo a dizer é Kant e no outro Suarez, não tem problema porque ele não está confrontando, está aplicando, está desenvolvendo.

Quais foram os pensadores que mais contribuíram para a formação da atitude filosófica do Mário? E qual sua relação com a Filosofia Portuguesa?

Para fazer uma lista minúscula: Pitágoras, Santo Tómas de Aquino e Nietzsche. Curiosamente, um pagão, um cristão e um anticristão. Ele tem também algumas ressonâncias kantianas – e alguma coisa de Hegel, mas bem residual. Em relação à filosofia portuguesa ele irá trabalhar um pouco com a escolástica, sobretudo com Suarez. Não vai desenvolver um trabalho sistemático com a filosofia portuguesa, mas irá resgatar a filosofia de Suarez.

O Mário apresenta a decadialética e a filosofia concreta como suas contribuições pessoais á Filosofia, ele está sempre buscado o ideal pitagórico da Mathesis Magiste , que marcará a tônica dos seus últimos escritos. Qual o significado de tudo isso?

A procura do conhecimento final : da Mathesis Magiste. O conhecimento último que é a chave de todos os outros conhecimentos e que ele procurará a vida toda. Eu não sei se ele encontrou porque deve estar em algum manuscrito, minha frustração pessoal é não ter tempo para mergulhar nos manuscritos finais dos últimos anos dele, são cerca de 5.000 páginas. Nesse caminho enorme que ele faz ele vai procurar sempre subir, a filosofia dele vai alçando em planos diferentes até chegar nesse conhecimento supremo. O que é esse conhecimento supremo? A rigor, seria a definição inicial a partir da qual os outros conhecimentos podem ser derivados. Por que não dá pra dizer o que é? Porque está na obra dele depois da Metafísica. Então, isso começa na “Filosofia e Cosmovisão” onde tem uma preocupação didática muito forte de explicar o que é filosofia. Vai progredindo num segundo livro “Lógica e Dialética”, no qual ele já especifica a lógica, a dialética e a decadialética em dez princípios que permitem a inclusão. A dialética dele é uma dialética da inclusividade – não é uma dialética do “ou” é uma dialética do “e”- Eu não vou escolher entre A ou B, eu vou dialeticamente, num processo concreto- afirmativo- sintetizar A e B não para chegar numa síntese hegeliana, mas para continuar o meu percurso dentro da Filosofia. O primeiro grande ponto é a decadialética, porque a partir daí ele elimina a contradição, vai contornar o princípio da contradição que está lá no Organon de Aristóteles.Esse é o primeiro grande salto dado. Continua nos livros seguintes: Noologia Geral, Filosofia da Crise até chegar ao primeiro grande planalto metafísico da obra dele que é a Filosofia Concreta – Por que é um grande planalto metafísico? Porque é aonde ele vai voltar para a estaca zero, reconstruindo o conhecimento humano. Vai voltar e falar “olha, isso aqui não está legal” vamos voltar à certeza, mas a uma certeza completamente apodítica, que não possa ser refutada e chega a seguinte afirmação: tese número 1 da Filosofia Concreta – “Alguma coisa há” e a partir desse ponto deriva todos os outros conhecimentos. Pode-se imaginar que o conhecimento final ou Mathesis Magiste seja algo mais ou menos assim: a uma afirmação simples, talvez uma proposição, talvez até mesmo um símbolo(porque ele trabalha com a simbólica o tempo todo) que permita decifrar os outros elementos do conhecimento.

Uma marca das traduções realizadas pelo Mário são os comentários e as interpretações simbólicas. Você poderia comentar essa característica do Mário tradutor?

Mário falava várias línguas – inglês, francês, espanhol, latim, rudimentos de grego e alemão. Começou sua carreira como tradutor ainda em Porto Alegre; nasceu em São Paulo e foi pequeno para Porto Alegre retornando para São Paulo depois de adulto já casado começando então a traduzir Nietzsche e outras tantas obras. O Mário tradutor respeita muito o estilo do autor e vai decifrando comentários. Vai lendo o livro que ele está traduzindo e os resultados dessa leitura são anexados, publicadoscom os livros. Ele faz isso no “Vontade de Potência” – aliás por qual ele escreve um prefácio imenso e muito bom “O Homem que foi um Campo de Batalha”, analisando Nietzsche já sob essa perspectiva da modernidade; no caso do Zarathustra ele faz uma análise simbólica da simbologia de Nietzsche e do uso que Nietzsche faz de várias simbologia dentro do Zarathustra . Com Pitágoras, traduz os “Versos Áureos” e um comentário aos Versos Áureos e faz um comentário aos comentários. Traduziu também o Isagoge de Porfírio comentando sentença por sentença do primeiro livro, não tendo conseguido terminar todos. Traduziu e comentou o “Parmênides” de Platão e “Da Geração e Corrupção das Coisas Visíveis de Aristóteles”. Qual é o método de leitura dele? É um método de explicação escolástico, a leitura e a explicação do texto; não faz analise estrutural, não vai procurar outras referências na filosofia, diz o que o texto quer dizer a partir de outros referenciais da própria filosofia do autor – neste ponto, Mário é um comentarista como Averroes, Santo Tomás e São Alberto Magno foram.

Por que ler Mário Ferreira dos Santos hoje? Qual a originalidade e a contribuição deste filósofo para a história da filosofia?

Porque Mário tem um pensamento que permite a você abstrair de outros sistemas de pensamento e de outras filosofias e outras ideias aquilo que há de melhor numa síntese original e que não é caótica, então, por que ler Mário hoje? Porque ensina você a pensar.

Como era Mário Ferreira no cotidiano da vida privada?

Olha, arriscando uma imagem: um dia normal do Mário começaria muito cedo, ele acordava muito cedo, coisa de 6:30, 6:00 horas da manhã em seguida tomava café com a família, sempre com a família – a mulher Yolanda e as duas filhas Nadiejda e Yolanda e em seguida ia trabalhar na editora Logos aonde cuidava das edições de suas obras , cuidava das traduções, cuidava de tudo e se vinha alguma boa ideia escrevia. O filósofo conseguia transitar muito rapidamente do mundo intelectual para o mundo cotidiano. Dava aulas, algumas tardes ou noites os alunos iam àsua casa e tinham aulas de temas filosóficos variados. Várias dessas aulas foram gravadas e hoje nós temos um acervo enorme. Almoçava com a família sempre que possível, às vezes não dava, porque trabalhava com a editora, mas jantava com a família e às vezes durante o jantar ou durante o almoço, pedia pra que alguma das filhas lesse algum trecho de filosofia, às vezes em latim e pedia para filha traduzir logo em seguida. Suas filhas achavam isso muito divertido, ao contrário do que a gente pode imaginar. Mário não era aquele filósofo sério, compenetrado 24hrs por dia. Não: ele gostava de carnaval, tinha um bloco que se chama “fica aí pra ir dizendo”, torcia pro São Paulo, assistia jogos de futebol e torcia mesmo, não era assim, só nominal, gostava de assistir televisão em especial programas de pergunta e resposta. Ele tinha uma vida que, exceto pelo fato de ele ter escrito mais ou menos 10.000 páginas no total, seria uma vida normal.

Outro filósofo contemporâneo de grande força e originalidade foi Vicente Ferreira da Silva, contemporâneo de Mário, que chegou a visitá-lo e nutria forte admiração por seu trabalho; no entanto, os dois não chegaram a estabelecer um vinculo de amizade e esse diálogo acabou ficando para a imaginação da posterioridade. O pensamento dos dois, em geral, é muito diferente, contudo há também semelhanças. Como você entende a comparação entre os pensamentos de Mário e Vicente?

Os sistemas de ambos são muitos diferentes. Se levarmos em conta que a validade de uma proposição filosófica é tanto maior quanto mais ela esteja integrada dentro do sistema onde ela é formulada, seria um ato temerário comparar essas duas filosofias uma vez que elas não têm muita coisa em comum. Então, o máximo que eu posso traçar são alguns paralelos, vamos dizer assim, mais numa afinidade do que propriamente numa comparação. Quanto aos temas em comum :primeiro, existe uma transcendência que percorre a obra de ambos, um desejo do sair do real, sair do real não para o plano da ideia, mas sair do real para algo que possa transcender o real e se voltar sobre esse próprio real. Segundo, existe nos dois uma vertente simbólica que no caso do Vicente me parece um pouco mais desenvolvida pelos seus estudos de lógica matemática e que em Mário está representado pelo Tratado de Simbólica; um dia – talvez – alguém possa fazer esse trabalho de comparação entre o simbolismo de Vicente e a simbólica de Mário. Terceiro, os dois chegam num momento também do indizível, por caminhos bem diferentes, mas chega uma hora que Vicente precisa se expressar nesse simbolismo que é onde o Mário vai encontrar sua transcendência na Filosofia Concreta e no Tratado de Simbólica. Os dois eram homens, vamos dizer assim, de família que prezavam muito algo que na época era estranha: a capacidade da mulher de filosofar, porque a poetiza Dora Ferreira da Silva fez um ótimo trabalho na área de Filosofia e Mário também estimulava as filhas a filosofar; falando isso hoje é obvio, mas pense em 1960, antes da liberação da mulher, do feminismo e de tudo isso, era um pensamento bastante avançado que me parece ambos também compartilhavam.

Luis Mauro Sá Martino é professor de comunicação na Faculdade Casper Líberto e autor do livro “Mídia e Poder Simbólico”.

O desenho acima foi criado por Cido Gonçalves, caricaturista, ilustrador e infografista. Iniciou a carreira no jornal Folha de S. Paulo no inicio da década dos anos 90,  passando depois pelas redações do jornal O Estado de S. Paulo e revista Veja. Blog do Cido: ciddogonn.blog.uol.com.br

Felipe Cherubin é jornalista, formado em Direito e estudou Filosofia na Harvard Extension School.

Para mais informações sobre Mario Ferreira dos Santos, leia o ensaio de Olavo de Carvalho publicado na Dicta&Contradicta 3.

12 comentários em “A redescoberta da filosofia no Brasil II – Mário Ferreira dos Santos

  1. Parabéns Felipe e Martim. Ótima entrevista com o Prof. Sá Martino. A Dicta & Contradicta faz juz ao nome ao trazer para o centro do debate a Filosofia, assim, maíuscula.

  2. Depois dessa entrevista catastrófica, com direito até a uma introdução subsidiada por enxerto de orelha de livro, ficou-nos vedado o direito de reclamar daqueles que se recusem a ler o Mário pelos próximos 50 anos. Até o coitado do Suárez, hispânico da alta estirpe dos Toledo, saiu a capengar com sua natividade reportada a terras portuguesas; o que não se estranha na falta de uma “transcendência da relação com o outro”, percebo.

  3. Parabens pela entrevista gostaria de ressatar que criticas sendo elas positivas ou negativas so nos fazem melhorar como pessoa. Para finalizar como meu pai sempre dizia ninguen chuta cachorro morto. Continue nos orgulhando.

  4. Francisco Suárez não era português, mas passou os últimos vinte anos de sua vida em Portugal, dos quais dezoito como professor em Coimbra. Nessa cidade se publicaram vários de seus livros. Seus dois últimos anos de vida passaram-se em Lisboa, cidade onde morreu e foi enterrado. Será tão absurdo assim reconhecer à sua obra um lugar na história da filosofia portuguesa?

  5. Ainda sobre o lugar do espanhol Suárez na filosofia portuguesa, vale anotar que é o próprio Mário Ferreira que se refere a ele como representante da filosofia praticada em Portugal nos séculos XVI e XVII. (É o que se ouve numa daquelas gravações feitas por seus alunos que alcançou a internet.)

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  7. Ótima iniciativa esta de se relembrar a memóira de alguns de nossos melhores filósofos. Defendi monografia sobre Mario Santos com base em filosofia conteporânea (como Olavode de Carvalho e Pierre Levy) e creio que existe sim muita fonte a ser alimentada para restaurar a boa filosofia sem perder conexao com o que há de mais atual, inclusive com os sistemas de informação:basta lembrar que o termo “ontologia” é parte de um conceito frequente nos mais avançados mecanismos de buscas da Google. O que nos falta são homens aplicados e sinceros como Mario Santos para sintetizar o que há de valorozo e separar o joio (visão reducionista) do trigo (visão holistica, etc.), fonte das verdadeiras ontologias que remetem a dignidade da Pessoa.

  8. Descobri Mário Ferreira dos Santos estes dias e por acaso. Ainda não li nada dele mas me interessei por seu legado. Ótima matéria. Parabéns.

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