A Revolução das Roupas

Theodore Dalrymple revela sua melhor forma, na minha opinião, ao fazer o comentário sobre costumes contemporâneos salpicados de dados anedóticos, tirados em geral de sua própria experiência, e alusões literárias. Desnecessário dizer que sempre vêm acompanhados de motivos, e bons motivos, para mostrar que os costumes atuais são inferiores aos que vieram antes. É o que ele faz em seu artigo mais recente para a New English Review, examinando a mudança realmente notável no vestuário de homens e mulheres ao longo do último século e a mudança de valores que a troca de guarda-roupas revela.

Dalrymple parece ter um prazer especial em defender o ponto polêmico; quanto mais aparentemente retrógrado e detestável na opinião dos “bem-pensantes”, melhor. Seus leitores agradecem a perspicácia da crítica. Neste caso, ele defende que é perfeitamente possível e válido julgar o livro pela capa: o que a pessoa veste, como ela se apresenta ao mundo, diz muito (sempre, é claro, com alguma possibilidade de erro) sobre como ela é.

Ele é acurado ao apontar: o que décadas atrás era o modo “boêmio” de se vestir, hoje é o modo normal. A estética boêmia venceu, e a estética burguesa encontra-se em franca retirada, restrita aos setores mais conservadores do mundo profissional: escritórios de advocacia, distritos financeiros, etc. Tempos atrás, era impensável ir trabalhar sem gravata; hoje em dia, para muitas pessoas (para este que escreve inclusive) é impensável trabalhar com ela.

Não posso deixar, contudo, de oferecer uma interpretação diferente e mais benévola das mudanças de vestuário em curso. O traje clássico burguês – terno e gravata (e colete entre os mais antiquados) – representa certos valores: profissionalismo, eficiência e impessoalidade (o único possível elemento de expressão pessoal é a escolha da gravata). A estética boêmia (camisas coloridas para fora das calças, sapatos casuais ou mesmo tênis sociais) reflete novos valores: relações menos frias, mais pessoais; um trabalho talvez um pouco menos eficiente, mas também mais humano, caloroso e criativo; um ambiente profissional mais acolhedor e menos implacável, e que dá mais espaço para a expressão da individualidade de cada um, e exige menos rigor e disciplina na apresentação pessoal (uma leve barba por fazer, por exemplo, é aceitável).

Entendo os pontos positivos de ambos os arranjos, mas sinceramente me agrada viver num mundo menos impessoal e formal nas relações humanas que outrora. Isso não exclui o juízo de Dalrymple, de que as novas gerações (e os membros da velha que pegaram o bonde) são mais egoístas e preguiçosas, e que muitos de seus membros caem num verdadeiro solipsismo, que se reflete, por exemplo, em universitários vestidos como mendigos (faltou, contudo, examinar os vícios das gerações passadas, que eram outros, mas não menos reais). Só ressalta que essa mudança social e cultural também tem seu lado bom. Se houve decadência cultura nesse quesito, ela não é tão clara quanto parece à primeira vista; as aparências revelam, mas também enganam.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>