Albert Jay Nock, a massa e o “remanescente”

Albert Jay Nock era o que podemos chamar de membro da velha direita americana, um tipo de pensamento quase inexistente hoje em dia, quando falar em direita significa falar de neo-conservadores, militaristas e populistas, com um certo pendor anti-intelectual.

Nock pertenceu a outro mundo: erudito, cosmopolita, crítico ferrenho do poder estatal (inclusive das guerras supostamente patrióticas) e, é preciso admitir, elitista; mas elitista do espírito! Elitista no sentido de não botar grandes esperanças na massa, isto é, na maioria da população, composta de pessoas incapazes de extrair conclusões de princípios abstratos ou, o que talvez seja até mais comum, de tornar essas conclusões algo real em suas vidas. Há, contudo, em toda e qualquer sociedade, uma minoria, um “remanescente”, um grupo de indivíduos diferenciados, totalmente desorganizado e espalhado por todos os grupos sociais (pobres, ricos, homens, mulheres, intelectuais e profissionais; a maioria de todos esses são membros da massa; um ou outro pertence ao “remanescente”), capazes de pensar seriamente e dispostos a viver de acordo com o que pensam. É o trabalho desses que sustenta espiritualmente qualquer sociedade e que lhe garante a possibilidade da permanência.

Neste artigo, de 1936, tomando inspiração no profeta Isaías, em Platão e Marco Aurélio, Nock fala da escolha que se coloca para todo intelectual ou profissional: trabalhar para a massa ou para o “remanescente”. Apelar ao mínimo denominador comum ou produzir algo de valor real; dar à massa o que ela quer ou oferecer algo que, embora acessível a todos, será querido por poucos: a excelência. É um dilema entre aparência e substância, entre fama no presente e um legado duradouro (embora talvez anônimo). Quanto à massa, quanto mais se conhece, menos esperança se tem; sobre o “remanescente”, nada se sabe fora dois fatos: 1) ele existe; 2) ele te encontrará.

Talvez seja minha formação moderna e democrática, mas tenho dificuldade em enxergar com tão maus olhos o grosso dos seres humanos. Ainda assim, o artigo tem seu poder inspirador e toca em verdades que nós, de tempos mais igualitários, temos medo de aceitar.

Versão traduzida indicada pelo leitor: http://www.aristoi.com.br/node/42

14 comentários em “Albert Jay Nock, a massa e o “remanescente”

  1. Obrigado Joel. Até um completo ignorante como eu já teve uma certa percepção intuitiva que as massas querem continuar apenas na sua feliz estupidez. As obras de e para o espírito são para “remanescentes” mesmo.

    Obrigado, de novo, por me colocar em contato com o brilhantismo de Jay Nock.

  2. Parece-me falta de amor “direcionar” obras de espírito para os “remanescentes”…

    Afinal de contas, a massa é feita de indivíduos. Todos dotados de mente e meios para entender a praticar a Verdade.

    Graças a Deus Ele não escolheu ninguém que pensasse assim. Senão o Cristianismo não teria chegado a mim.

    Lembra que Paulo disse “fiz-me de grego para ganhar os gregos…”

  3. Então, mas o que o Nock propõe é exatamente escrever para poucos no sentido de que não se apelará ao mínimo denominador comum; tentar-se-á sempre atingir a excelência e apelar para o que há de melhor no homem. O resultado do trabalho é oferecido a todos, mas já se sabe muito bem que serão poucos os que o darão valor.

    A situação do profeta Isaías, segundo o texto, era exatamente essa. Pregava abertamente, sabendo que a grande maioria dos israelitas não lhe daria ouvidos. Mesmo assim, a pregação tinha seu valor, pois o remanescente faria bom uso dela.

    Sócrates tinha uma atitude parecida.

    A lição é não tentar escolher, restringir, a audiência. Não temos a menor idéia de quem é o remanescente. Assim, devemos falar para todos, mas sem a esperança vã de que todos ouvirão e sem a intenção distorcida de rebaixar a mensagem para se adequar ao gosto da massa.

    Ainda assim concordo com você que, potencialmente, qualquer “membro da massa” pode despertar e tornar-se “remanescente” (para usar as categorias do texto). De fato, o mais natural é que entre as duas categorias existam infinitos graus, nos quais transitam pessoas em ambos os sentidos.

    E sim, um grande valor do Cristianismo é ter estendido a esperança inclusive para a “massa”.

    Levando a sério o ponto do artigo que diz que não temos a menor idéia de quem é massa e de quem é remanescente (o que evita a formação de grupelhos iluminados e maçonarias de escolhidos), acho a lição válida.

  4. O que tiver ouvidos de ouvir, ouça. O texto é obvio quanto a levar a mensagem a todos, mesmo sabendo que poucos a acolherão. O milagre cristão é que a esperança é para todos, mas a compreensão se dá em muitas gradações.

  5. “Mas como podemos observar por todos os lados, na realização destes vários desejos, a mensagem profética é tão pesadamente adulterada com trivialidades em todos os níveis, que seu efeito sobre as massas é simplesmente fortalecê-las em seus pecados.”

    “com todas as obsessões desse tipo completamente fora do caminho, ele estava apto a fazer o seu melhor, sem medo ou concessões, e respondendo apenas ao seu augusto Chefe.”

    “Eu não me importo em lhe dizer que há sete mil deles lá em Israel, dos quais pelo visto você não tem notícia, mas pode acreditar em Minha palavra de que lá eles estão.”

  6. “Talvez seja minha formação moderna e democrática, mas tenho dificuldade em enxergar com tão maus olhos o grosso dos seres humanos. ”

    E acho que se pode considerar feliz por isso. Sinceramente não vejo mérito nesse tipo de esnobismo que alguns pensadores, parece que Nock entre eles, alimentam. Digo “esnobismo” mesmo, pois não creio que se deva enfeitar ou enobrecer o que, na realidade, é um defeito moral — por mais que venha empacotado em um estilo atraente e erudito.

    É verdade que nem todos vão dar valor a algumas coisas preciosas — mas isso não significa que não se possa traduzir para eles pelo menos um pouco delas, à medida de sua compreensão. Isso é educação básica. Querer nivelar por cima e “cada um que se vire” é só cretinice — para não dizer egoísmo. Se Cristo e outros grandes luminares fizessem isso, estaríamos perdidos.

    Um abraço,
    Rodrigo

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