Arquitetura Evolutiva

Certas formas de arte são mais passíveis de experimentos do que outras. Pense num quadro. O sujeito vai ao museu, olha a chocante aberração por uns dois minutos, acha que gostou e volta para casa. Com música é mais difícil; poucos se dispõem a aturar meia-hora que seja num concerto dodecafônico; na hora de encher as salas de concerto, são os barrocos, clássicos e românticos que salvam a orquestra.

Na arquitetura, por outro lado, pouco pensamos, embora ela interfira muito no nosso dia-a-dia e bem-estar. O suposto princípio da arquitetura moderna é a submissão da forma (aparência) à função. O problema é que a função pensada pelos arquitetos-artistas do século XX não era, muitas vezes, a vida normal e natural do ser humano, mas a vida que o homem por eles sonhado deveria ter.

Há uns dois anos foi disponibilizado no Google Video a série de documentários How Buildings Learn do escritor Stewart Brand cujo principal interesse não é com a fotografia do prédio na revista ou com as inovações da planta, e sim em como o prédio se adapta à vida humana e como, em consequência disso, ele muda ao longo dos anos.

“Na Bibliotèque Nationale, as notórias torres de vidro mostraram-se muito quentes para os livros lá dentro. Um dia de sol forte e eles assariam. Venezianas de madeira tiveram de ser adicionadas por todo o prédio, aumentando em muito os custos da construção.” No todo, a manutenção do prédio é tão cara que as autoridades tiveram que diminuir o orçamento da compra de livros.

A vida humana segue independente dos delírios grandiloqüentes de um Corbusier (ou de um Niemeyer); e se a tomarmos como critério, então as obras mais louvadas publicamente são também as menos úteis, as mais caras de se manter e as mais difíceis de se adaptar a novos usos e tecnologias. Prédios menos vistosos são frequentemente superiores; dê a eles alguns séculos, e uma obra-prima emerge das incontáveis alterações.

13 comentários em “Arquitetura Evolutiva

  1. Por falar em Niemeyer me lembrei de uma coisa engraçada. Outro dia estava folheando um livrinho chamado “Máximas de Tia Zulmira” de Stanislaw Ponte Preta e me deparei com a seguinte pérola:
    “Pra que andar espalhando que Brasília é obra do homem? Basta olhar para ver que Deus seria incapaz de semelhante temeridade.”

  2. Pingback: Tweets that mention Arquitetura Evolutiva | Dicta & Contradicta -- Topsy.com

  3. Ótimo Joel,
    Aqui em Recife somos vítimas da “genial” arquitetura do Sr. Niemeyer e de prefeitos ansiosos por obras megalomaníacas (é onde estão as polpudas comissões!). Havia um enorme terreno da Aeronáutica na Av. Beira Mar e nós moradores lutamos para que nele fosse construído um parque, do qual o bairro praiano era carente. O terreno foi cedido, mas ao invés de um parque a prefeitura construiu um enorme “monstrengo artístico” do Sr. Niemeyer. Basta de dizer que, apesar de situado na beira mar, onde a brisa é perene, o monstrengo não tem janelas, precisando de ar condicionado!!! Pode???
    É isso aí.

  4. E há os bens que vêm para mal: os tombamentos de edifícios considerados históricos também se aplicam à obra de arquitetos como Oscar Niemeyer (ou Dominique Perrault, o “jenho” que projetou a atual sede da Biblioteca Nacional da França). Isso impede seus prédios, já disfuncionais desde a inauguração, de “aprender” com as várias pequenas reformas que, sugeridas por seus usuários e realizadas ao longo dos séculos, poderiam atenuar sensivelmente seus problemas e ampliar consideravelmente o seu valor, ainda que às custas de pouca ou muita “descaracterização do projeto original”.

    Uma coisa é tombar um edifício de quatrocentos anos, já muito aperfeiçoado por sucessivas reformas e “canonizado” pelo consenso de gerações. Outra coisa é tombar um prédio recém-construído basicamente porque seus contemporâneos (ou uma parcela influente deles) consideram o seu arquiteto uma sumidade.

  5. Mas a arquitetura de Niemayer nem sempre tem essa “submissão da forma à função”

    Existe uma preocupação estética sempre presente. Com algums elementos participando apenas para “enfeitar”, apenas decorativo

    Nos prédios lá em brasília, os arcos fazem graciosas voltas por sobre a estrutura, como se o prédio “sorrise” para o espectador. Lindo

  6. Aliás, se há uma coisa que os arquitetos modernos realmente não conseguem fazer é cumprir o seu objetivo nominal de submeter a forma à função. Mencionou-se acima o fiasco que foi a sede de Tolbiac da Biblioteca Nacional da França, projetada por Dominique Perrault e inaugurada em 1996. Trata-se de um alto-forno que incineraria os livros ali armazenados (e talvez também cremasse os leitores) se não fossem as amplas e caras reformas. Perrault é discípulo de Niemeyer. Em 2006, o mestre retribuiria a homenagem ao discípulo: era inaugurada a Biblioteca Nacional de Brasília, que levou vários anos para poder abrigar livros. A primeira providência que os diretores da instituição tiveram que promover no prédio ainda virgem foram longas e dispendiosas reformas para permitir que os livros não fossem igualmente queimados ali:

    http://www.istoe.com.br/reportagens/554_O+NIEMEYER+QUE+DEU+ERRADO

    Perrault, Niemeyer e seus genéricos simplesmente não conseguem projetar uma biblioteca que sirva para armazenar livros. Disfuncionalidades semelhantes se observam em quase todas as suas outras obras: normalmente só à custa de muitas reformas (que, por sua vez, tendem a ser politicamente quase impossíveis — esses prédios já são tombados como “patrimônio histórico” praticamente ainda na prancheta) é que elas conseguem mal e mal atender o fim a que se destinam. Os mestres de obras analfabetos da Idade Média poderiam não entender os confusos manuais teóricos da arquitetura modernista, mas gargalhariam com essas demonstrações cabais de incompetência técnica. Em nosso tempo, os governos competem entre si pelo privilégio de patrocinar as maiores e mais caras obras desses gênios; mas há oitocentos anos eles não seriam admitidos na guilda de construtores da mais humilde vila europeia.

  7. acho que ele virou o prédio para o poente, como forma de aproveitar a luz natural, afinal é uma biblioteca, um lugar com função de leitura.
    Isso foi genial, ele demonstra mais uma vez que é o mago da arquitetura.

    Ser críticado por seus contemporâneos faz parte.

  8. Joel: “Anônimo” é um gozador; ele apenas quer tocar fogo no circo.
    Fileno e Zoroastro: vocês estão certíssimos. Só resta acrescentar que sendo o Niemeyer um legendário militante comunista (parece que até foi condecorado com a Ordem de Lênin), a antiga URSS ou qualquer outro país “socialista”, inclusive Cuba, jamais contrataram o “genial” arquiteto para projetar obras em seus territórios. Talvez o “plano sinistro” fosse deixá-lo incinerar as bibliotecas capitalistas e ainda ser regiamente pago pela milionária e deslumbrada “avant garde” burguesa!

  9. Ótima matéria!

    Acabo de ver um post em outro blog de uma casa em Londres feita por vários arquitetos onde uma pessoa pode pagar “só um pouquinho” para “viver o design de grandes artistas”.

    Ridículo, é impressionante como muitas vezes podem fazer da arquitetura algo tao fútil quanto a revista Caras.

    Parabéns pelo blog!
    Abraços!

  10. Pingback: Arquitetura Evolutiva* – Blog do Habitissimo

  11. Eu publiquei este artigo no blog do Habitissimo, colocando um link nao só para esta página, como para o site.

    Se houver algum problema, peço desculpas pelos inconvenientes e removo o artigo.

    Se quiserem ver o blog, o endereço é blog.habitissimo.com.br

    Obrigado!

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