Astrologia Criminal

Uma nota boba, mas que tem implicações interessantes. A polícia de Chatham-Kent, uma unidade administrativa em Ontario, Canadá, publicou os signos do zodíaco de todos aqueles presos no ano de 2011. E deu “vitória” ariana. Em último lugar deu sagitário, que ou seriam os mais pacíficos ou, na opinião de um astrólogo consultado pelo jornal, mais hábeis em escapar das forças de lei e ordem.

Bom, em primeiro lugar note-se que não houve nenhum esforço de calcular se a diferença entre os signos é significante (a amostra, afinal, não é das maiores: 1986 pessoas foram presas na região ao longo do ano). Independentemente disso, a ideia por trás da pesquisa é boa. Se os signos fazem diferença no caráter dos indivíduos, essas diferenças devem se traduzir em ações. Um signo, digamos, mais impetuoso, terá, em média, mais indivíduos que agem impetuosamente do que outro signo, digamos, mais meditativo.

Portanto, é possível testar empiricamente as afirmações da astrologia. Muitos astrólogos vêem com apreensão esses exercícios; o signo solar sozinho não diz muita coisa, diz um dos consultados pelo jornal. Mas por acaso dizem algo, por menor que seja? Se sim, então será possível medir seu efeito nos grandes números.

O grande problema da previsão astrológica acerca do indivíduo é que ela dá apenas tendências e estruturas básicas de comportamento, que podem inclusive ser contrabalanceadas por tendências contrárias ou pela decisão pontual do agente. É, portanto, impossível testá-la no caso particular, posto que as condições da vida humana não são as de um experimento controlado. Mas nas grandes populações as particularidades dos casos individuais se cancelam e prevalecem as tendências.

Dado que a astrologia tem se colocado como ciência, ou seja, não como um saber arcano e esotérico, os astrólogos deveriam ser os primeiros a querer testar suas previsões. As informações das quais ela tira conclusões são, ademais, perfeitamente observáveis e de fácil acesso (o mapa astral de cada um é função da data, hora e local de nascimento; todos eles presentes nos registros públicos de todo cidadão), não há nenhum empecilho a se realizar testes empíricos.

O bom de estudos estatísticos é que eles prescindem de explicar o porquê. Pode parecer uma deficiência, e é de fato quando queremos descobrir a causalidade que liga dois fenômenos correlacionados. Mas para estabelecer se existe correlação é um método muito apropriado. Seriam as características do signo explicadas pelo efeito gravitacional dos planetas e estrelas? Talvez por alguma outra energia natural não conhecida ou pouco estudada? Quem sabe se trata de algo verdadeiramente sobrenatural? Não importa. Para começar a especular sobre isso é preciso antes saber se existe de fato alguma relação observável entre a configuração celeste no momento do nascimento e o caráter do indivíduo que está nascendo. E isso a estatística nos permite avaliar plenamente.

Um estudo como esse da prisão canadense pode ser refinado: considerar apenas os criminosos violentos, por exemplo, e levar em conta não apenas o signo mas o signo junto do ascendente (ou quantas outras sutilezas astrológicas se quiser). É possível também testar as teses particulares que os astrólogos sustentam. Se Marte é um planeta que induz à violência, então é de se esperar que, tudo o mais constante, as pessoas que têm Marte como planeta relevante em seu mapa astral (confesso minha ignorância ao falar do tema) apresentem, em média, mais comportamentos violentos; algo facilmente testável. Testes semelhantes podem ser feitos para vários outros comportamentos e variáveis, como o desempenho profissional.

A grande questão, contudo, permanece: estarão os astrólogos dispostos a encarar os possíveis resultados negativos de estudos desse tipo? Ou reverterão a uma versão não-científica da astrologia, que depende de intuições e leituras pessoais do próprio astrólogo, e cujas previsões acerca do temperamento e caráter do indivíduo são, na prática, impossíveis de se testar? E, por outro lado, se os resultados forem consistentemente positivos, estará a comunidade científica pronta a aceitar mais uma ciência?

 

9 comentários em “Astrologia Criminal

  1. Já houve uma pesquisa assim, relacionando astros e profissões, ou temperamentos, feita por Michel Gauquelin, estatístico frances.

  2. O problema da astrologia passa pela impossibilidade de ter seus resultados falseados. Assim como bem escreveu o autor, ela fica apenas nas tendências e não suportaria a evidência de um estudo randomizado duplo-cego, por exemplo. A filosofia da ciência, que é um campo muito interessante e que teve importantes contribuições como a de Karl Popper nos ajudou a sair do aristotelismo científico. Desta forma, para se fazer ciência uma não se prova o que é, e sim faz-se uma hipótese e em ela resistir a provas, experimentos, etc, poder-se-á dizer que existe uma grande probabilidade que ela esteja correta.

  3. Prezados senhores! Fui astróloga durante 7 anos, há 7 anos atrás. Sempre me fascinei por temas psiquiátricos e as análises precisas vêm só dos livros importados.Psiquiatras pediam para eu traçar perfil de ,clientes e dêles próprios.Descobri psiquiatra misógino e pedófilo, psicopatas.2 garotinhas filhas de conhecidas com esquizofrenis, só pela análise do asteróide Lilith na décima segunda casa. Os sintomas foram aumentando..No Brasil se esconde a informação, pesquisa e conhecimento:pavor da concorrência.ISTO É UMA VERGONHA,não publicam mto que se preste, só folclore, com honrosas exceções que não preenchem a lacuna da qual jung se envergonharia.O charlatanismo abunda.

  4. Passei meus últimos 3 minutos lendo esta galhofa… pura perda de tempo.
    Mas vou passar meus próximos 5 escrevendo uma curta reflexão…
    1) A região celeste das constelações não dura exatamente 1 ano, portanto aquelas datas de nascimento calculadas há 100 anos, por exemplo, perderam um pouco da precisão. Além disso, se a posição das constelações com relação à Terra muda, qual a credibilidade desta análise?
    2) Dizer que “deu vitória ariana” leva a outra pergunta: qual o percentual de arianos no total da população de Ontario? Sim, pois nem todos os signos têm a mesma quantidade de nascidos sob o seu período, então a amostra deve ser matematicamente equivalente à população total em questão.
    3) Por último e mais importante: não há qualquer espécie de comprovação que o local de nascimento, data e hora terá implicação alguma na vida do indivíduo, muito menos no comportamento. Afinal, nascem milhares de crianças todo dia na maternidade de São Paulo, por exemplo… todas as crianças nascidas no mesmo dia terão características psicológicas semelhantes? Ora, nem os gêmeos os têm!

  5. O assunto é incontornável para quem se interessa por literatura antiga e medieval, no sentido mais amplo. A noção de “astrologia” antes da revolução copernicana inscreve-se em um modelo de cosmos e de conhecimento completamente distinto do nosso – e adquirir umas tinturas desse modelo ajuda enormemente a entender melhor de Aristóteles até coisas do período renascentista/barroco, sei lá, Calderón de la Barca ou os Lusíadas ou as peças do Shakespeare.

    Há toda uma biblioteca de reflexões a respeito da transição daquele modelo para o nosso – inegavelmente aliás muito melhor que o antigo para verdadeiramente explicar e compreender tanta coisa, mas que por outro lado encontra suas aporias.

    Três referências clássicas e “everyman compliant” do século XX em inglês são os livros do Lewis (“The Discarded Image”), do Koyré (“From the Closed World to the Infinite Universe”) e do Lovejoy (“The Great Chain of Being”).

    Resquícios interessantes do universo “antigo e medieval” são os sentidos que damos hoje em línguas neolatinas às palavras “desastre” (des-astre) e “influência”, por exemplo. Sobre a segunda, Lewis nota que retivemos o que para nossos antecessores era uma metáfora – a realidade claramente percebida sendo para eles a influência celeste…

    Independente das questões suscitadas por nossos métodos, estatísticas, charlatanices e galhofas, difícil enfim discordar do amigo do Tolkien quando observava que há um valor simbólico permanente naquilo que a astronomia/astrologia medieval associava aos planetas.

    E estético. Para acompanhar apenas Camões (e sim, Drummond), basta lembrar aquelas famosas estâncias do canto X dos Lusíadas, Tétis mostrando ao Gama a partir da 80 a”grande Máquina do Mundo, etérea e elemental”, onde o firmamento

    “se veste e faz ornado
    co largo Cinto d’ Ouro, que estelantes
    animais doze traz afigurados,
    aposentos de Febo limitados.”

    Anotações aqui:
    http://www.historia.com.pt/lusiadas/m%E1quina.htm

  6. Difícil fazer um astrólogo de qualquer espécie entender o poder da estatística. Uma coisa exclui a outra, ou ele crê na astrologia ou ele compreende os alcances e limites da estatística. O astrólogo não sabe o que significa estatística, por definição. A história do pensamento humano a respeito do cosmo é bela e se funde com a história da astrologia, de onde nasceu a astronomia, a verdadeira ciência, diga-se de passagem. O uso da astrologia como método de previsão dos fenômenos mundanos em pleno século XXI é ridículo, o que mostra que ainda temos muito que caminhar. Acabamos de descer das arvores….

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