Um passeio noturno

Fazia muito tempo que o seu pai não o chamava para passear, principalmente para os dois observarem a cidade à luz do crepúsculo e, portanto, quando ouviu a voz dele perguntando se queria dar uma volta, sequer titubeou. Abandonou o videogame que jogava compulsivamente no computador há quase duas semanas e foi todo feliz rumo…

O Desabamento

Entraram no bar por volta das cinco da tarde, pediram duas canecas de chope, acenderam cada um os seus cigarros e depois de três ou quatro goles, um fez a seguinte pergunta ao outro: – Você sabe por que eu quis vir aqui? – Não. – Não sabe mesmo? – Nem desconfio. O outro respondeu…

A afeição dos estranhos

Foi o gole extra de café que tomei na lanchonete. Certeza absoluta. Foram apenas cinco ou seis ou até mesmo dois segundos a mais em uma rotina construída para me proteger do ataque do acaso, mas foram os segundos que mudaram a minha vida. Sei que acabei de escrever uma banalidade. No entanto, não sou…

Os grãos

Em uma anotação feita em seu diário (publicado em parte pela revista piauí neste mês de fevereiro), o escritor americano John Cheever, uma alma que se deleitava no seu próprio tormento, define precisamente como começa aquele bichinho manhoso chamado auto-destruição: 1952_Quando a autodestruição brota no coração, parece ser menor do que um grão de areia. É…

“Eu escrevo para o Leo Strauss…”

CRÍTICA AUTOBIOGRAFIA Hitchens costura memórias com honestidade brutal Em estilo que ecoa Orwell e Bellow, jornalista expõe contradições de sua carreira MARTIM VASQUES DA CUNHA ESPECIAL PARA A FOLHA Enquanto divulgava “Hitch-22″, seu livro de memórias, Christopher Hitchens foi diagnosticado com câncer no esôfago. “Quando isso acontece conosco, as pessoas se perguntam: por que eu?”, escreveu…

O demônio pasteurizado

Dizem que me preocupo demais com demônios. Como recentemente escrevi dois textos que relacionavam a literatura brasileira atual com exorcismo, engraçadinhos acharam que, em breve, eu iria começar a falar dos gibis do Alan Moore – um autor que, aliás, estimo muito. Também reclamaram de que eu não saberia explicar onde se encontrava na geração atual…

Da brevidade e outros demônios

Dizem que o formato do conto é o mais difícil porque exige do escritor uma disciplina e uma concentração de meios. Suspeito que a definição é incompleta. Além do conto, temos também a poesia, que, se não incorpora o drama narrativo de forma explícita, também possui uma lógica narrativa própria e que nos faz perceber que o seu…

A literatura do trauma

W.H. Auden dizia que qualquer ser humano precisava de um trauma. Segundo ele, o trauma era uma espécie de cicatriz, de vácuo, que a vida deixava preencher e só então a pessoa podia levá-la a sério, justamente porque o sujeito tinha de encontrar algum sentido. O trauma é o leitmotiv obsessivo que estrutura dois belos…