Catulo no Banco dos Réus

A essa altura, todos provavelmente já ficaram sabendo da história do milionário inglês processado por mandar a certa funcionária um verso de Catulo lá não muito casto.  Perguntado por ela qual seria uma boa tradução para diligite inimicos vestros, ele respondeu de bate-pronto com o primeiro e também último verso do Poema 16: pedicabo ego vos et irrumabo.

Deixo a tradução de lado – não sei se há crianças na sala – para pensar em um aspecto secundário, mas que sei deixará ao menos o Júlio Lemos vingado, diante das tantas vezes em que teve de explicar sua opção por um doutorado em Direito Romano.

Aparentemente, a defesa do sujeito limitou-se a alegar que o verso de mais de 2.000 anos era apenas witty, sem maiores extensões. Este texto do Times mostra a verdadeira interpretação do Poema 16: a de que não se pode julgar a vida de um poeta por suas obras (para inverter um pouquinho as últimas polêmicas aqui no site). Catulo era acusado por seus inimigos de ser efeminado – por conta de alguns versos lá não muito másculos -, de maneira que fez o Poema 16 começar e terminar com uma obscenidade, justamente para demonstrar a irracionalidade de se tomar todo e qualquer verso como autobiográfico. Ou seja, levou às últimas consequências um argumento para demonstrar a sua impropriedade.

Se os advogados de Mike Lowe soubessem disso, talvez ele tivesse maiores chances no tribunal. De modo que até os pragmáticos de sempre terão de dar o braço a torcer: o motivo é incontestável para que os alunos do curso de Direito tenham uma formação clássica e, sim, leiam Catulo.

BTW, ótima oportunidade para ler de novo este texto do Érico Nogueira sobre o poeta.

2 comentários em “Catulo no Banco dos Réus

  1. Muito boa pincelada, Rodrigo. Muito boa oportunidade para falar, de passagem, da “irracionalidade de se tomar todo e qualquer verso como autobiográfico”. Bons links também.

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