Dicta na Flip 5 – Considerações finais: Por uma Flip menos ordinária

Por Fabio S. Cardoso

Na quinta-feira, o cineasta e escritor Claude Lanzmann já tinha “mostrado os dentes” na coletiva de imprensa. Antes de começar o encontro, ele, solenemente, perguntou aos jornalistas: “Quem aqui leu meu livro?” Apenas um levantou a mão, ao que o convidado mais polêmico desta nona edição da Flip replicou, em tom de provocação: “Pois só responderei perguntas dele!”. No dia seguinte, durante a mesa “A ética da representação”, o autor de “A lebre da Patagonia” não poupou o mediador, o professor Marcio Selligmann-Silva, não apenas rejeitando algumas perguntas sobre o filme “Shoah” (“vim aqui para falar do meu livro”); como também disparando abertamente contra o fato de Selligmann não perguntar com objetividade. Para piorar, o mediador, sempre que atacado, tentava reagir olimpicamente, batendo palmas para o “gênio indomável” que é Lanzmann.

Toda essa história ganharia nota de pé de página, ou mesmo seria esquecida, não fosse a declaração do curador Manuel da Costa Pinto sobre Lanzmann. Embora esgarçado pela pós-modernidade, o termo “nazista” ainda causa forte repercussão – sobretudo em tempos de correção política. É por esse motivo que, no pós-Flip, o comentário saudoso deu lugar para as especulações sobre o futuro de Manuel da Costa Pinto como curador do evento. E o que seria uma Flip bastante ordinária, tornou-se extraordinária pelos motivos errados. Em tempo: é curioso notar que, no ano em que o homenageado foi um frasista e polemista de grande verve, o evento tenha terminado com uma declaração tão bombástica quanto os petardos verbais de Oswald de Andrade.

De qualquer modo, muito embora o nome do próximo homenageado já tenha sido escolhido (Carlos Drummond de Andrade), alguns desafios se impõem à próxima Flip. A começar pela origem de todos os males desta edição: o papel de mediador. Em um país de bacharéis e doutores tão preparados nas humanidades, era de se esperar que não haveria problema em encontrar gente para ladear nomes como Claude Lanzmann e Antônio Cândido, para citar dois casos exemplares. De fato, não há por que duvidar do talento e da seriedade do trabalho de José Miguel Wisnik e do já citado Marcio Selligmann-Silva. Todavia, ambos falaram mais do que se esperava, e a discussão se tornou por demais enfadonha aos que estavam presentes (aqui, é preciso dizer que o jornalista do Financial Times, Angel Gurria-Quintana, soube conduzir com talento e seriedade suas mesas, assim como Rodrigo Lacerda quando esteve ao lado de João Ubaldo Ribeiro).

Outro dilema correlato se relaciona às mesas: de um lado, existe uma tentativa de dar um viés mais acadêmico e letrado às homenagens – como é o caso de Marcia Camargos e Gonzalo Aguiar, sem mencionar o já citado Antônio Cândido. Acontece que o público parece ficar descolado de boa parte dessas leituras seja porque a análise é por demais específica, seja porque o perfil da audiência está mais próxima do leitor comum, não necessariamente o leitor que compareceria a uma conferência ou a uma reunião de um grupo de estudos. Por outro lado, também é correto afirmar que mesas como a de David Byrne, por mais interessante que seja, parece pertencer à outra dinâmica de discussão – não cabe, essencialmente, num encontro sobre literatura, cujo homenageado é um modernista brasileiro.

 Além disso, depois de nove edições, quais serão os próximos convidados? Em outras palavras, quem ainda não veio até aqui, como é o caso dos sempre desejados Philip Roth ou Cormac McCarthy, é recusa quase certa para os próximos anos (não dão entrevistas porque odiam fazer parte do belle monde literário). A saída: talvez seja preciso reciclar alguns nomes, de maneira a conceber sob outra perspectiva os encontros e os debates. Mas quem? Por parte dos escritores brasileiros, trata-se de algo que já aconteceu: Chico Buarque foi convidado em duas ocasiões, o que nem de longe desagradou ao público – e a geração que surge nas estantes mais descoladas não parece ter o peso da qualidade ou do risco que, por exemplo, um João Ubaldo ousou criar. A pergunta é: Será que isto faz bem à Flip?

A questão é importante exatamente porque, depois das considerações acima, alguém pode imaginar que esta foi uma Flip ruim. Nada disso. Foi, para o bem e para o mal, ordinária. Houve aplauso, riso, lágrimas e, no final, até um pouco de raiva. Como se viu nas mesas de João Ubaldo Ribeiro e James Ellroy (as duas grandes apostas que deram certo na FLIP 2011), escritores com uma obra portentosa, o que o público espera é uma Festa menos previsível e ordinária. Nós, os críticos, que, como bem disse Sergio Rodrigues, temos o dever de usarmos um léxico mais amplo para defender nossos colegas e expressar nossas indignações, esperamos outra: que ela continue sem recorrer às banalidades do vocabulário midiático ou do rancor.

Fabio S. Cardoso é jornalista e professor universitário.

Um comentário em “Dicta na Flip 5 – Considerações finais: Por uma Flip menos ordinária

  1. Caro Fabio, caros todos,
    parabéns, gostei da cobertura da FLIP. Salvou o pouco que restou de um evento que, na verdade, não é nada. É apenas… desimportante. A FLIP pode ir em frente como for – não importará nem fará diferença para quem quer se ocupe com questões culturais no país, pois as discussões são simplesmente descoladas da realidade. Em outras palavras: não importam.
    Abraços
    Juliana

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