E agora, José?

Time that with this strange excuse

Pardoned Kipling and his views,

And will pardon Paul Claudel,

Pardons him for writing well.

W.H. Auden, In memory of W.B. Yeats.

Nada como voltar à programação normal com uma notícia dessas: morreu José Saramago. Dizem que não devemos falar mal dos mortos, que não pega bem, que você vai para o Inferno por causa disso, mas antes encontrar com Belzebu do que ser um hipócrita.

Contudo, temos de ser justos: Saramago escreveu três grandes livros – Memorial do Convento, O ano da morte de Ricardo Reis e História do Cerco de Lisboa. O resto é lixo adulado pela grande mídia. São nesses três grandes romances que o seu estilo de frases longas, enredos elaborados e ironias deliciosamente digressivas, marcou uma época e uma geração. Todos queriam escrever só com o ponto e só com a vírgula; todos queriam ter um sotaque castiço para emitir alguma obviedade como se fosse a maior pérola de sabedoria já dita.

Pois foi o que aconteceu com Saramago. Ele passou a acreditar muito mais em sua persona midiática do que propriamente em seu ofício de escritor. E a grande mídia aceitou isso de muito bom grado, inflando ainda mais o seu ego. Como se não bastasse, o Nobel resolveu premiá-lo como se fosse o nosso oráculo de Delfos quando, na língua portuguesa, quem ocupa esse lugar é seguramente Agustina Bessa Luís ou a já falecida Sophia de Mello Breyner Andersen.

Dessa forma, passou a dizer besteiras e, o pior, a escrever besteiras. Criticá-lo por ser ateu ou por ser comunista é fácil. Mas devemos criticá-lo pela influência nociva que provocou na própria língua portuguesa. Exceto os três livros mencionados, o estilo de Saramago tornou-se um cacoete que, na falta de uma comparação melhor, é muito parecido com o de um Boletim de Ocorrência Policial feito em algum DP da vida. E a consequência disso é que todos resolveram imitá-lo – e assim demoliram o que sobrou da língua portuguesa, este “túmulo do pensamento”, como diria Carpeaux.

Agora, que partiu para o Parnaso (gostaria de ver a cara dele quando encontrar a evidência empírica de que há uma vida além desta marmita…), é de se esperar o pó do esquecimento sobre o restante da sua obra. O que sobram são três livros magníficos; mas, oras bolas, como diria W.H. Auden, quem disse que escrever bons livros salva alguém de ser redimido?

26 comentários em “E agora, José?

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  2. olha, eu acrescentaria um quarto título às obras-primas de saramago – “todos os nomes”. e ele tb fez poemas bem bons no começo da carreira. gosto deste em especial:

    Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
    manhãs e madrugadas em que não precisamos de
    morrer.
    Então sabemos tudo do que foi e será.
    O mundo aparece explicado definitivamente e entra
    em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
    palavras que a significam.
    Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
    mãos.
    Com doçura.
    Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
    vontade e os limites.
    Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
    sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
    mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
    ossos dela.
    Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
    como a água, a pedra e a raiz.
    Cada um de nós é por enquanto a vida.
    Isso nos baste.

  3. Duas perguntas: Quem são os “todos” que resolveram imitar Saramago? e quais os grandes livros de Agustina Bessa-Luís? Não conheço nenhum. (Imitador dele, nem livro dela.)

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  5. Deixa ver se entendi….. Saramago em 63 dos 87 anos de sua vida teve livros publicados e aponta só 03 livros de toda esta imensa produção como “grandes livros” e reduziu todo o restante como meramente resultado de “lixo adulado pela mídea” e ainda colocou a obra dele como “influência nociva” para Literatura de língua portuguesa?

    Tem certeza que não cometeu nenhum exagero? :)

  6. Já foi tarde. Agora, deve estar no paraíso dos comunistas junto com Lenim, Stalin e cia.

    Acredito que a razão de um canalha destes viver tanto deve ser a de não ter desculpa de ter virado uma pessoa decente, quando chegar no inferno…

  7. “e assim demoliram o que sobrou da língua portuguesa”? É risível. Não há “sobras” porque não há fim. Ninguém tem o poder de demolir uma língua. De mudá-la, todos temos, todos os falantes; o que não quer dizer que tais mudanças sobreviverão ao tempo. Se não mudasse, ainda falaríamos galego-português ou latim ou sei lá que língua ancestral.

  8. Está aí, gostaria que você me dissesse dois ou três livros dessas duas autoras que você citou. Uma, a Agustina, já tinha ouvido falar (não tão bem) sem saber quais livros dela ler, e a outra (é uma poetisa?) nunca ouvi falar. E pô, nem sou assim tão “desatualizado” em matéria de literatura portuguesa…

  9. Caro Guilherme:
    Boa parte dos escritores nacionais imitaram a postura de Saramago, em especial ao dizerem besteiras como se fossem pérolas sapienciais. O primeiro deles, sem dúvida, é Chico Buarque. Em termos de estilo literário, fica mais difuso porque o cacoete de Saramago precisa de uma certa exigência técnica que os brasileiros perderam há muito tempo. Mas talvez posso dizer que Bernardo Carvalho, em seus primeiros livros, misturava Saramago com Thomas Bernhard, e André Sant´anna tentou imitar a verve saramaguiana, mas deu com os burros n´àgua.
    Aliás, é interessante perceber que, em Portugal, a obra de Saramago é vista com suspeita. Os leitores preferem um Lobo Antunes ou um José Cardoso Pires.
    Sobre os livros de Agustina, é bom começar por A Sibila, Contemplação silenciosa da angústia e Vila Abrão.
    Abraços
    Martim

  10. Não exagerei não. E isto é ainda um elogio para quem fez tanta besteira. Afinal, quem consegue escrever três grandes romances em uma única vida? Existem pessoas que não conseguem nem um comentário corretamente.

  11. Rísivel para vc, que ainda não percebeu que a língua portuguesa, seja em Portugal, seja no Brasil, sempre foi corrompida por nuances ideológicos. Se vc quer uma prova, venha dar uma passeada por aqui, neste Bananão, ou então ouça como os políticos portugueses deformam a realidade.
    Saramago ajudou a ocultar ainda mais a língua portuguesa, especialmente em seus piores livros, que são os mais lidos pelos jovens (Os bons estão esquecidos mesmo: lembro-me que ninguém conseguia terminar o Memorial do Convento quando este foi indicado para o vestibular). Uma língua não é somente uma construção gramatical; é também a base de uma visão de mundo. Como a “cosmologia” de Saramago é utópica por princípio, repare que TODAS as suas tramas tem como ponto de partida alguma modificação factual na História do Mundo que, por algum motivo, sempre deixou o autor desconfortável. Portanto, sob a embalagem de realismo fantástico, Saramago criava romances que apresentavam realidades alternativas para que ele pudesse manobrar a sua revolta contra a Criação à vontade.
    Se isso não for corrupção da língua, e se vc não consegue ver além do sujeito, do predicado e do verbo, então não sei o que é.
    E no more soup for you!

  12. Que falta faz um Northrop Frye hoje em dia… Boa parte das pessoas nao consegue entender qual a funcao da crítica e comeca a endeusar determinados autores, achando que qualquer contrariedade ao autor/obra é recalque, falta de talento, etc, etc…

    O pior mesmo é o que eu ouvi ontem: “criticar o Saramago é anti-patriótico, visto que é único Nobel lusófono”.

    No mais, Martim, eu colocaria os primeiros 2/3 d’ As intermitências da Morte também entre as obras que merecem ser lidas.

  13. Guardo boa memória de “Levantado do Chão”, um dos primeiros, sobre lutas sociais no Alentejo. Ali naquela franja onde católicos e comunistas ainda fazem caminho, com larga dose de tolerância porque há mais coisas etc do que o nosso vão utilitarismo. E tem lá seu encanto se você pensa no ofício; o homem sabia português. No mais, parece-me que o comentário 11, do próprio Martim, vai ao ponto. Hoje em dia, sinceramente, acho que não voltaria a Saramago. Mais o que fazer. RIP.

  14. “Sobre os livros de Agustina, é bom começar por A Sibila, Contemplação silenciosa da angústia e Vila Abrão.”

    vila abrão até que se pode considerar o expoente da autora, mas não da literatura portuguesa. pelo amor de deus, falamos de uma língua que abrange mario cesariny, fernando namora, espanca, garrett, quental!

  15. Olá, Martim! Claramente abalado, como eu, pela morte de Saramago, você acabou escrevendo Sophia de Mello Breisen, quando o nome é, na verdade, Sophia de Mello Breyner Andresen.
    Único reparo a fazer num texto realmente elogioso, que até me despertou a vontade de ler o Saramago. Se um dia eu escrever três grandes romances, com Nobel ou sem Nobel, não botando minha mãe no meio, podem falar de mim o que quiserem!

  16. Acho que – era o Wilson Martins que dizia isso? – Saramago fazia uma “boa imitação de literatura”.

    Qual o problema de falarmos sinceramente? Os livros dele são chatíssimos e, no fim da vida, decidiu escancarar a verve ideológica mais chimfrim?

    Se ele escrevesse bem, seria algo como um Gide; boa técnica para falar deveras bobagens. Mas, em verdade, ele tinha uma prosa monótona para, como Gide, tratar de parvoíces.

  17. Penso que fui um dos primeiro a ler o texto. Volto alguns dia depois e há uma horda de fãs que confundem seu (mau) gosto estético com honestidade intelectual. Mas como diz minha velha tia, “quem não tem cão caça com gato”. Assim, literatos e intelectuais são Chicos e Caetanos e Saramagos…

    PS: Meu caro Martim, palpitei sobre o dito lá no meu blog. Veja lá.

  18. Martim, você devia pensar mais antes de escrever. Sua fama de palpiteiro profissional ainda vai acabar manchando a imagem da Dicta. Uma opinião que afirma que Ensaio sobre a Cegueira é lixo adulado pela mídia, vindo de alguém que escreve contos tão horrorosos, definitivamente não pode ser levada a sério.

  19. Caro Eduardo:

    Puxa, pelo menos vc leu o meu conto! Parabéns por tê-lo achado horroroso. Era exatamente esta a minha intenção. Agora, sobre a minha fama de palpiteiro profissional, se é para afastar leitores como vc, prefiro continuá-la, pois se lê o que escrevo, realmente é melhor não ter leitor algum.

    M.

  20. Não sei o que é mais irritante. Se a teimosia ideológica obtusa que Saramago ostentava ou a pseudocrítica right-wing católica que esta publicação despeja sobre tudo que pretende desmerecer.
    Bem que poderiam mudar o nome da revista para “Caros Amigos Católicos”.

  21. Ricardo:

    Vc é um sujeito muito inventivo para batizar revistas. Já pensou em fazer algo seu em vez de resmungar em comentários dos outros?

    M.

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