A energia escura e o destino do Universo

por Mario Livio

A composição do nosso Universo parece ser assaz estranha. Apenas 5% de toda a sua energia é feita de matéria conhecida – aqueles tipos de partículas que formam estrelas, planetas e pessoas. Cerca de 23% é “matéria escura”, possivelmente um tipo de partícula subatômica que nós ainda não identificamos em laboratório, mas cuja força gravitacional mantém as galáxias juntas. Os 72% restantes são ainda mais misteriosos: um tipo de “energia escura” que faz a expansão do Universo se acelerar.

Mas o que é esta energia escura? Sabemos que a sua densidade é praticamente constante no tempo e no espaço, mas não sabemos o que é de fato, e entender a verdadeira natureza dessa energia talvez seja o maior desafio da Física hoje.

A expansão cósmica

Com centenas de bilhões de galáxias, o Universo observável é realmente grande, e vai ficando cada vez maior à medida que se expande. Mas nem todas as coisas do Universo estão em expansão: os átomos, as pessoas e mesmo as galáxias não estão. Com o passar do tempo, entretanto, o espaço entre galáxias distantes está cada vez maior.

A expectativa geral era de que a expansão cósmica diminuiria gradualmente, visto que as galáxias exercem a sua força gravitacional umas nas outras. Houve, portanto, uma imensa surpresa em 1998, quando duas equipes de astrônomos trabalhando independentemente anunciaram que a expansão estava na realidade ficando mais rápida. Ambas as equipes valeram-se da explosão das supernovas de tipo IA (ver figura 1). Essas explosões são tão brilhantes que podem ser vistas a uma distância de bilhões de anos-luz. A luz de um objeto que esteja, por exemplo, a cinco bilhões de anos-luz leva cinco bilhões de anos para chegar até nós; noutras palavras, observamos o Universo tal como ele era há cinco bilhões de anos. As supernovas foram encontradas mais longe do que se esperava para um Universo movido apenas pela inércia – o que indicava um sinal de aceleração.

A melhor explicação atual para a inesperada aceleração do Universo é a energia escura, uma forma de energia cuja densidade é praticamente ou talvez exatamente a mesma em toda a parte e sempre. Sua persistência proporcionaria uma força repulsiva constante ao Universo, acelerando assim a sua expansão.

Energia do vácuo?

A explicação mais aceita sobre a natureza da energia escura é a de que ela seria a energia do vácuo, uma energia perfeitamente uniforme presente nos espaços vazios em qualquer lugar do Universo. A autoria dessa idéia remonta a Einstein, que introduziu a “constante cosmológica” na sua Teoria da Relatividade Geral em 1917. Na época, os astrônomos pensaram que o Universo não estava nem em expansão nem em desaceleração, e ele então utilizou a constante cosmológica para compensar a atração gravitacional da matéria. Quando Edwin Hubble descobriu a expansão cósmica em 1929, Einstein percebeu que a constante cosmológica não era necessária e descartou o conceito, que viria depois a chamar (segundo o físico George Gamow) de “o seu mais crasso erro científico”.

A energia do vácuo não é um gás, um fluido ou qualquer outro tipo de substância; está mais para uma propriedade do espaço-tempo em si. É simplesmente a quantidade mínima de energia presente em qualquer região do espaço, a energia que permanece quando removemos todo o tipo de “tralha” daquela região. Na relatividade geral, essa quantidade pode ser positiva ou negativa, sem qualquer razão especial para ser zero.

O mundo microscópico obedece as leis da mecânica quântica, que proclamam que o nosso entendimento do estado de qualquer sistema envolve uma inevitável incerteza (o famoso princípio da incerteza de Werner Heisenberg). Os campos de energia, portanto, flutuarão mesmo no espaço vazio, uma vez que não podemos determinar que o espaço vazio possui zero de energia. Nessas “flutuações do vácuo”, partículas virtuais aparecem e desaparecem em frações de segundo. Tais partículas contribuem para a energia do vácuo, mas não são a sua única causa, uma vez que a relatividade geral permite-nos assumir uma energia do vácuo arbitrária sem levar em conta essas flutuações. Einstein com certeza não estava pensando em partículas virtuais quando concebeu a constante cosmológica.

Se a energia escura observada for realmente energia do vácuo, então será muito pouca: a quantidade dela dentro do volume da Terra não é maior que a média anual de consumo de eletricidade no Brasil. De fato, a energia escura observada está mais de cento e vinte ordens de grandeza abaixo das mais ingênuas estimativas para o seu valor.

Seria a quintessência?

Uma vez que a energia do vácuo parece ser diminuta, seria mais fácil inventar uma teoria que a considere nula do que uma que a reduz ao valor exato observado. Uma suposição é a de que a energia escura observada não é a energia do vácuo, mas alguma outra forma sutil que evolui lentamente.

Vários candidatos foram apresentados, mas nenhum parece ser completamente natural. Um dos favoritos é a quintessência, um campo invisível (similar aos campos eletromagnético e gravitacional) que muda lentamente à medida que o Universo se expande. Imagino que quando Universo tinha apenas frações de segundo de existência, talvez um tipo de campo similar à quintessência o tenha inflado, só que com muito mais energia. A energia que desencadeou a expansão acabou por tornar-se matéria e radiação, também em frações de segundo após o Big Bang.

Uma dos principais objetivos da cosmologia contemporânea é determinar se a energia escura é dinâmica como a quintessência ou algo estritamente constante como a energia do vácuo. A evolução da energia escura afetam diretamente a expansão cósmica, de modo que os cosmólogos vêm empenhando-se para mapear a história da expansão com o maior cuidado possível. Os limites da evolução da energia escura são freqüentemente postos em termos do “parâmetro de equação de estado”, simbolizados por w, que é a pressão da energia escura dividida pela densidade da sua energia. Se a energia escura é pura energia do vácuo invariável, a medida de w será exatamente igual a –1.

Um método óbvio para a mensuração do valor de w é continuar com a observação de supernovas tipo IA, só que com mais precisão e usando números de maior grandeza. Medidas futuras da radiação cósmica de fundo e das oscilações acústicas dos bárions – flutuações na distribuição comum da matéria que se manifestam no modelo em larga escala do Universo – também ajudarão a compreender a natureza da energia escura.

Os cosmólogos também esperam usar a quantidade e a evolução dos conglomerados de galáxias como pontas de prova da expansão cósmica (ver figura 2). A história da expansão determina quantos conglomerados podem ser formados e quão grandes eles podem ser. Há gás quente nos conglomerados, e os astrônomos podem estudá-los diretamente por meio da emissão de raio-X do material. A temperatura do gás está intimamente relacionada com a massa do conglomerado. Conglomerados com muita massa podem reter gás muito quente, ao passo que o gás escapa dos conglomerados menores como vapor de uma chaleira. Com todos esses métodos diferentes, e talvez futuras missões espaciais, podemos esperar para os próximos anos uma maior riqueza de dados acerca da expansão cósmica.

O destino do Universo

Sabemos desde 1998 que Universo está se expandindo aceleradamente. Mas será que essa aceleração continuará para sempre? Em caso afirmativo, qual será o destino dos conglomerados de galáxias, das galáxias e das estrelas? A resposta a essas questões depende de um intrincado equilíbrio entre a geometria do Universo e as propriedades dessa forma sutil de energia, apelidada “Energia escura”, que permeia todo o espaço.

O papel da geometria

Num cosmo sem energia escura, a relatividade geral enuncia que o destino último do Universo é total e inequivocadamente determinado pela sua geometria (fig. 3). Um Universo com curvatura positiva, como a superfície de uma esfera, acabará por implodir (tal Universo é dito fechado). Um Universo geometricamente plano (euclidiano) ou com curvatura negativa, como a superfície de uma sela, expande-se indefinidamente (trata-se de um Universo aberto).

A existência da energia escura complica consideravelmente a situação. Se ela é de fato a energia associada com o vácuo – uma possibilidade que se mostra consistente diante das últimas observações das supernovas, dos conglomerados de galáxias e da radiação cósmica de fundo –, então a sua densidade de energia permanece constante, ao passo que as densidades de energia tanto da matéria e a da radiação diminuem continuamente na medida em que o Universo se expande. Isso quer dizer que a energia escura começa a preponderar quando o Universo se torna suficientemente extenso. Para um parâmetro de equação de estado w = –1, caracterizando o vácuo, dá-se a dominância da energia escura independentemente do sinal da curvatura geométrica. Uma vez que a energia escura produz uma força repulsiva à gravidade, a expansão cósmica começa a se acelerar, tal como observamos hoje no nosso Universo.

Se a expansão do nosso Universo é regida pela energia do vácuo, então continuará a se acelerar, resultando eventualmente num desvio para o vermelho: todas as galáxias que estiverem mais distantes do que as duas dúzias que formam, aproximadamente, o nosso Grupo Local irão tão longe que não se poderá mais detectá-las. Noutras palavras, os astrônomos vivendo na Via Láctea daqui a 100 bilhões de anos não serão capazes de observar nenhuma galáxia fora do nosso Grupo Local. De fato, tais astrônomos (supondo que existam então) sequer serão capazes de observar a radiação cósmica de fundo, porque também ela sofrerá um desvio para o vermelho.

Tamanho isolamento cósmico e a morte final num “grande resfriamento” não é o pior dos possíveis destinos do Universo.

O “big rip” e outros destinos possíveis

Se a energia escura não for a energia do vácuo, mas em vez disso estiver associada a algum tipo de campo de quintessência, sendo caracterizada por um parâmetro de equação de estado w menor (mais negativo) que –1, então a densidade de energia da energia escura crescerá com o tempo. Nesse caso, quando a densidade da energia escura exceder a dos conglomerados de galáxias, estes desintegrar-se-ão. O mesmo destino terão as estrelas, os planetas, as pessoas, os átomos e mesmo os núcleos atômicos. Nenhuma estrutura sobreviverá à crescente densidade da energia escura. O Universo acabará naquilo que foi batizado de big rip (“o grande rasgo”).

Há possibilidades menos extremas relacionadas com a energia escura na forma de um campo escalar quando w é maior (menos negativo) que –1. Geralmente espera-se do campo escalar que diminua a sua energia potencial assim como uma bola de gude diminuiria a sua energia rolando pelas laterais de uma tigela, acabando por repousar quanto atingisse a sua energia potencial mínima. Nesse caso, o destino do Universo depende do valor desse mínimo de energia potencial. Num Universo como o nosso, onde apenas a matéria não é suficiente para torná-lo geometricamente plano, qualquer valor positivo causaria uma expansão acelerada, e o mesmo desvio para o vermelho ocasionado pela energia do vácuo aconteceria. Uma energia potencial mínima que é exatamente igual a zero asseguraria um novo domínio da matéria em algum ponto do futuro, e o Universo começaria a se desacelerar. Nesse caso, o destino será determinado pela geometria do Universo, como no caso de um Universo sem energia escura. Por fim, se a energia potencial mínima for negativa, acabará por ocorrer a implosão do Universo, não importando a sua geometria.

As complicações trazidas pela presença da energia escura são tamanhas que é essencialmente impossível determinar o destino do Universo a partir apenas de observações. Imaginemos, por exemplo, que no nosso Universo a densidade da energia escura fosse de apenas um trilionésimo da densidade da matéria – muitas ordens de grandeza abaixo de qualquer detecção. Ainda assim, após ele ter se expandido por um outro fator de dez mil, a energia escura transformar-se-ia na forma de energia dominante – aquela que selaria o  seu destino. Por conseguinte, não seremos capazes de conhecer o destino do nosso Universo com certeza até sermos capazes de complementar as observações com uma teoria confiável que nos permita entender a própria natureza e as propriedades específicas da energia escura.

Há ainda outro ponto digno de nota. A composição do Universo, com os seus 5% de matéria normal (bariônica), 23% de matéria escura e 72% de energia escura, parece ser bastante arbitrária. Assim, há físicos que pensam estarmos completamente equivocados. Talvez a energia escura não exista realmente; talvez as nossas teorias da gravidade e da relatividade geral não dêem conta das escalas cosmológicas. Algumas teorias alternativas da gravidade foram aventadas partindo-se dessa linha. Boa parte delas envolve dimensões extras, além das nossas três dimensões de espaço e uma de tempo. Até agora, não houve rachaduras experimentais ou observacionais na relatividade geral. Mas a experiência passada ensina-nos a sempre esperar o inesperado.

Mario Livio é astrônomo sênior e chefe do departamento de relações públicas do Space Telescope Science Institute, entidade responsável pelo programa do telescópio espacial Hubble. Publicou mais de 400 artigos científicos acerca de uma grande variedade de temas de Astrofísica, bem como quatro livros de divulgação, dos quais dois (Razão Áurea: a história de fi e A equação que ninguém conseguia resolver) já foram publicados no Brasil pela editora Record. O seu livro Is God a Mathematician? está prestes a ser publicado aqui pela mesma casa.

Tradução de Cristian Clemente.

Mas o que é esta energia escura? Sabemos que a sua densidade é praticamente constante no tempo e no espaço, mas não sabemos o que é de fato, e entender a verdadeira natureza dessa energia talvez seja o maior de- safio da Física hoje.

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