Entrevista comigo mesmo

por Peter Panter

Peter Panter (sim, “Pedro Pantera”; pronuncia-se Pêeter Pánter mesmo, não Píder Pénder) é um dos diversos pseudônimos de Kurt Tucholski (1890-1935; pronuncia-se aproximadamente Tu-hól-ski ou, como querem agora, Tu-rról-ski).

Como o leitor já se terá perdido no meio de tantos parênteses e instruções de pronúncia, comecemos de novo: Peter Panter é um dos diversos pseudônimos de Kurt Tucholski, jornalista político, crítico literário, cronista satírico, autor de canções de cabaré, romancista, poeta… Em tudo isso, punha a marca de um dos maiores estilistas da língua alemã e – como o descrevia o romancista Erich Kästner – do “berlinense gorducho e baixote que tentava deter a catástrofe [do nazismo] com uma máquina de escrever”.

De origem judaica, Tucholski foi sucessivamente comunista, luterano, ateu, socialista, anticlerical, democrata, agnóstico e pacifista. Durante quinze anos, derramou um genuíno amor pelo seu país em palavras que gritavam, berravam, ululavam, gemiam, rosnavam, mordiam, escoiceavam, sangravam, esquartejavam e ao fim e ao cabo… até previam os rumos futuros, para depois, em 1930, retirar-se para Göteborg, na Suécia, amargurado com a inanidade dos seus esforços: “Nada mais tenho a ver com essa nação cuja língua evito falar tanto quanto posso”, escrevia numa carta. “Que pereça – para mim, chega!” E a sua vida matrimonial não foi menos passional nem menos atribulada; no final, escrevia à esposa Mary Gerold, falando de si em terceira pessoa: “Teve uma pepita de ouro na mão, e abaixou-se por uns trocados. Não compreendeu e fez tolices; […] traiu, mas sobretudo não compreendeu”.

Essa personalidade contraditória transparece com força no texto a seguir, em que o jornalista volta a sua veia irônica contra si mesmo. Não esperemos uma sátira mansa, simples e unilateral. Na biografia de Tucholski, como na de tantos de nós – ou por acaso serão todos? –, convivem lado a lado os dois Peter Panter que veremos; mas a lucidez dolorida e dolorosa, a sinceridade rasgada e a capacidade de rir de si mesmo redimem-no em ampla medida das suas incongruências. Poderemos dizer o mesmo das nossas?

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>