por Julio Lemos
Se é verdade que Andrei Tarkovsky era considerado por Bergman como o maior de todos os diretores de cinema – por ter criado, segundo ele, uma “nova linguagem, fiel à natureza do cinema, por capturar a vida como um reflexo, como um sonho” –, também é certo que ele continua pouco discutido, pouco lembrado, ao menos como deveria, entre os apreciadores do cinema. A maioria dos críticos sequer entenderia as implicações de uma “arte como sacrifício” em oposição a uma mera self-expression – uma das idéias centrais de Tarkovsky. Seu nome parece causar, em qualquer ambiente, uma reação semelhante à que provocaria alguém que, num baile funk, convencesse o DJ a tocar a Overture da Suíte Orquestral n. 3 de Bach (o leitor faça a experiência). Penso, contudo, que o treinamento por assim dizer ascético necessário para apreciar Tarkovsky trará uma recompensa valiosa.
Da minha parte, assisti a Stalker (1979) há mais de dez anos, e posso dizer que meu imaginário, mesmo fora do cinema, nunca mais foi o mesmo. Mais tarde vim a assistir ao restante dos seus filmes; e freqüentemente, para minha surpresa, suas imagens passaram a me aparecer em sonhos – estivesse eu acordado ou dormindo. E era esse o escopo do diretor: transformar sutilmente os seus espectadores. Não queria especialistas e críticos de cinema, mas pessoas que simplesmente contemplassem seus filmes e se deixassem envolver. Embora buscasse a aprovação dos seus mestres, seu público era o homem comum. Percebemo-lo numa carta enviada a ele por um operário de Leningrado: “Minha razão para lhe escrever é O espelho [um dos filmes mais importantes de Tarkovsky], um filme sobre o qual mal posso falar, já que o estou vivendo”. Semelhante epístola não podia vir de um crítico…