Na Sala Virgínia

por Arlo Bates

Nascido no Estado do Maine, Nova Inglaterra, Arlo Bates (1850-1918) mudou-se para Boston onde trabalhou como editor do Sunday Courier e posteriormente como professor de inglês no MIT – Massachusetts Institute of Technology. Publicou diversos ensaios literários, além de poemas, romances e coletâneas de contos, entre as quais The Intoxicated Ghost and Other Stories (1908), onde se encontram as páginas de “In the Virginia Room”.

O tom eloqüente e o gestual dramático com que se narra esse encontro entre um jovem Ianque e uma viúva sulista em pleno memorial dos Confederados poderiam sugerir uma certa afetação, mas sentimos que há sinceridade na comoção de Bates, o que revela como a dor de um conflito das proporções da Guerra Civil americana pode, mesmo a meio século de distância, calar fundo na alma de seus cidadãos. Se a história de uma nação, como a nossa pessoal, é muitas vezes lapidada à custa de conflitos de gerações, arbitrariedade, injustiça e mesmo de uma violência atroz e incompreensível, Bates mostra que sua grandeza se faz, não apesar dessas memórias, mas através delas: não pelo esquecimento, mas pelo perdão.

“Sem filhos”, murmurava ela em seu coração ao entrar no prédio que certa feita fora a Mansão Presidencial de Jefferson Davis, atualmente o Museu da Confederação. O motivo pelo qual fora atingida por uma lembrança de sua filha distante, no momento em que vinha honrar a memória do seu marido morto há tempos, é coisa que a Sra. Desborough não saberia dizer; mas sua tristeza era tão esmagadora, que mal podia conjecturar se essa recordação amarga teria tirado vantagem do seu momento de fraqueza para insinuar-se em seu coração. Ela apertou os lábios e com determinação pôs de lado a lembrança. Não podia pensar na filha, perdida para ela. Aqui e agora, não deveria consentir a nenhum pensamento que não fosse de homenagem amorosa e dor apaixonada pelo herói cujo nome ela carregava.

Ela se dirigiu imediatamente à Sala Virgínia, acenando ligeira mas gentilmente ao guarda do museu, e quando abriu a porta daquele lugar tão triste, julgou estar sozinha. A pesada chuva de abril que lá fora castigava Richmond desencorajava os visitantes, e por isso o prédio estava quase deserto. Em suas visitas anuais ao lugar – como que peregrinações a um templo –, certa vez tivera a Sala Virgínia só para si, sem ser perturbada pela presença de estranhos; e agora, com uma instantânea sensação de alívio, ela percebia quão grande era o conforto daquela solidão. Para uma natureza sensível como a sua era difícil ficar ali diante dos memoriais dos seus mortos sabendo que olhos estranhos, curiosos, ainda que simpáticos, poderiam ler em seu rosto todas as emoções que trazia na alma. Preservar a calma necessária diante do público sempre lhe parecera como que uma infidelidade à memória daqueles que viera consagrar; e hoje, foi com um largo suspiro de alívio que afastou seu véu de viúva com um movimento livre, orgulhoso, característico das mulheres de sua raça e seu tempo – as mulheres criadas no Sul antes da guerra. Era uma mulher envelhecida, embora não tivesse passado muito dos sessenta, pois a dor pode pesar mais sobre a idade do que o tempo. O aspecto bem-nascido, entretanto, permaneceria enquanto ela vivesse, e seu auto-controle era admirável. Por diversas vezes sentira lágrimas não derramadas queimando-lhe os olhos como chamas vivas, mas sempre tivera a certeza de que nenhum estranho teria razão para olhá-la como mais do que uma visitante ordinária do museu; agora, porém, experimentar a possibilidade de que sua dor ganhasse livre-curso lhe parecia quase uma alegria. Sentiu que as lágrimas começavam a correr rapidamente tão logo lhe ocorreu o pensamento. A vida não lhe deixara bênção maior do que essa liberdade de chorar em segredo diante dos memoriais dos seus mortos.

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