Um método de estudo

por Hyppolite Taine

O ensaio que se vai ler foi escrito por Hyppolite Taine (1828-93) como prefácio aos seus Essais de critique et d’histoire de 1858. Nele o filósofo, crítico e historiador francês se impõe a tarefa de responder aos seus críticos e explicar, com seu didatismo característico, os princípios de seu método de investigação do fenômeno humano. E, claro, como todo método é moldado conforme os contornos de seu objeto, o que temos aqui é também um extrato de sua visão do mundo e do homem.

Taine foi severamente criticado por sua convicção fundamental de que entre o mundo natural e o mundo humano há relações e dependências insuperáveis, de forma que é impossível compreender este último sem identificar todas as suas raízes no primeiro. Foi acusado de “determinista”, “naturalista”, “racista”, quando tudo o que tentou fazer foi levar a sério e investigar a fundo a noção tradicional do homem como “animal racional”, com todas as suas conseqüências. Há quem em teoria aceite de bom grado a definição de Aristóteles, mas na prática ainda se escandalize com a mais mínima sugestão de que sob a película de inteligência que nos envolve tumultua-se o magma brutal, obscuro e selvagem de nossos instintos e paixões, o macaco em nós. No outro extremo, há os que chegam ao ponto de reduzir toda a moral, a arte, a religião e as demais conquistas do espírito a um jogo cego de enzimas e descargas elétricas. Taine, por sua vez, perseguia a idéia mestra de que se não quisermos, tanto em nossa vida individual quanto social, ser determinados por forças irracionais devemos determiná-las: não podemos ignorá-las, numa farsa inútil que só aumentaria a sua potência, nem tampouco aniquilá-las, o que levaria à nossa atrofia e no limite à nossa própria aniquilação, mas sim conhecê-las e dominá-las a fim de dirigir sua energia a um bom termo.

Mais de um século e meio depois, após a aplicação em massa das experiências de Pavlov, a bomba atômica, a câmara de gás, a eugenia e o genocídio em escala continental, já não podemos nem queremos nos confiar à ciência com o mesmo entusiasmo juvenil e irrestrito de Taine. Mas sua obra ainda é uma contribuição valiosa àquela que é uma das tarefas mais urgentes do pensamento contemporâneo: encontrar a zona de contato e colaboração entre as ciências naturais e humanas, e orientá-las aos seus fins morais, como instrumentos de afirmação da vida e da justiça.

Muitos críticos deram-me a honra de ora combater, ora aprovar aquilo que denominam meu sistema. Não tenho tanta pretensão a ponto de ter um sistema; tento antes de mais nada seguir um método. Um sistema é uma explicação de conjunto, e indica uma obra acabada; um método é uma maneira de se trabalhar e indica uma obra a ser feita. Tudo o que quis foi trabalhar numa certa direção e de um certo modo, nada mais. A questão é saber se esse modo é bom. Para tanto é preciso pô-lo em prática; se o leitor quiser fazer a experiência, poderá julgar. Em lugar de refutar refutações, vou esboçar o procedimento que está em causa; aqueles que o repetirem saberão por si mesmos se ele conduz a verdades.

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