Elogio de quem?

Valor Econômico - 17/07/2009 - Eu&FimdeSemana
Valor Econômico - 17/07/2009 - Eu&FimdeSemana
 

O elogio do ensaio

 

“Dicta & Contradicta” e “serrote”, duas revistas culturais em formato de livro, exploram novo nicho do mercado editorial brasileiro.
Por João Villaverde, de São Paulo

 

Quando Guilherme, Martim, Rodrigo, Renato e Henrique decidiram formar um grupo de estudos para pesquisar a filosofia de Platão, com reuniões aos sábados na casa de um deles, os planos não iam muito além da conclusão de seus cursos de graduação e de mestrado. A preocupação imediata era arranjar um emprego, cada um no seu setor, e os estudos da filosofia clássica não passavam de uma curiosidade motivada pelo interesse em novos conhecimentos, distintos daqueles essenciais às carreiras de cada um.

 Três anos depois, quando os sábados filosóficos já reuniam o triplo de participantes, o mais recente integrante do grupo, Rodolfo, sugeriu que eles formassem um instituto, para formalizar as pesquisas e não perder o ímpeto dos estudos. A ideia não agradou. Guilherme, que se formava em engenharia naval, julgava que era preciso “ao menos dez anos” para que obtivessem massa crítica suficiente para “bancar um instituto de estudos acadêmicos”. Como saída, concordaram com a ideia de começar com a publicação de uma revista cultural.

 Nascia ali o Instituto de Formação e Educação (IFE), projeto que, em junho de 2008, desembocaria na “Dicta & Contradicta”, revista de ensaios sobre a cultura clássica ocidental. O IFE foi criado pelo núcleo dos rapazes que tocava o grupo de estudos – Guilherme Malzoni Rabello, Henrique Elfes, Joel Pinheiro da Fonseca, Júlio Lemos, Luiz Felipe Estanislau do Amaral, Marcelo Consentino, Marcello Nébias Pilar, Martim Vasques da Cunha, Renato José de Moraes, Rodolfo Britto e Rodrigo Duarte Garcia. São jovens de áreas profissionais distintas – direito, engenharia naval, economia e jornalismo – e com idades que variam entre 23 e 33 anos. A exceção é o editor Henrique Elfes, com 50 anos.

 “Foram oito meses discutindo as bases que forjariam nosso instituto e, claro, nossa revista”, diz Cunha, jornalista responsável e coeditor da revista ao lado de Fonseca e Garcia. Os planos eram diretos: a “Dicta & Contradicta” foi criada para pensar e disseminar conhecimento nos campos das humanidades, artes e filosofia em longo prazo, algo que, para os criadores do IFE, não ocorre no Brasil. “Não se pensa cultura no longo prazo e não se pensa em termos econômicos e administrativos. O debate cultural no Brasil é muito preso à agenda, não foge disso”, diz Rabello, presidente do IFE.

 Diante da situação brasileira, o grande modelo para os rapazes estava no campo externo. A inspiração maior era a revista “New Criterion” – que, no site, se autointitula “a melhor revista cultural do mundo” — fundada nos anos 1980 por Hilton Kramer, crítico de artes do “New York Times”. “Todos conheciam e invejavam a revista e entendiam que não havia nada parecido com aquilo no Brasil”, afirma Cunha. “Teria de haver uma revista que mostrasse um ‘outro mundo’, uma maneira diferente de pensar a cultura.”

 Ainda que não escondam certa influência das coleções “Dicta et Contradicta”, do satirista e polemista alemão Karl Kraus, o nome da revista foi escolhido “porque ela é inclassificável”, advoga Cunha. Malzoni explica: “Não há uma linha ideológica ou filosófica na nossa revista, basta que o ensaio ou artigo esteja bem escrito e argumentado para ser publicado”.

 Ao fugir da linguagem acadêmica, a meta dos jovens editores é alcançar todo tipo de leitor interessado em ensaios e resenhas culturais. O estilo da revista, segundo Rogério Ortega (que colabora, com o codinome de Ruy Goiaba, na seção cômica que encerra a “Dicta”), está “entre a boa conversa e a filosofia”. Para ele, é difícil definir qual é o público da revista: “Tendo a achar que é gente interessada em temas que estão fora do cardápio de outras revistas, assuntos às vezes difíceis, mas tratados com leveza, sem a solenidade e os jargões da academia”.

 Para levantar e fazer funcionar revista e site, havia a necessidade de encontrar patrocínio. Primeiro, no início do ano passado, fecharam contrato com o Banco Fator, com o qual membros do IFE tinham contato.O Fator permaneceu nas duas primeiras edições, mas rescindiu no começo deste ano, diante das turbulências no mercado financeiro. A edição mais recente, lançada no mês passado, foi patrocinada pela Cetenco Engenharia.

 O modelo de negócios da “Dicta & Contradicta” prescinde das vendas para se sustentar, ainda que elas sejam importantes por determinar o êxito – ou não – do material produzido. Como o IFE é uma associação sem fins lucrativos, os recursos oriundos do patrocínio entram para cobrir os custos de produção e edição. Isto é, serve para remunerar o editor executivo – Érico Nogueira, colega de alguns dos membros do IFE, contratado a partir da segunda edição -, os colaboradores (brasileiros e estrangeiros), a gráfica (que fica em Curitiba), o contador e o site.

 Segundo Malzoni, os custos, até agora, são de R$ 40 mil por edição.Não háestrutura física, à exceção de um pequeno escritório no centro de São Paulo, o que ajuda a baratear o projeto (edições semestrais) e o preço da revista, que parece um livro – tiragem de 3 mil exemplares, ISBN, mais de 200 páginas por edição etc.

 A “Dicta & Contradicta” não está sozinha no mercado. Em março foi lançado o primeiro número da revista “serrote”, projeto do Instituto Moreira Salles (IMS) voltado para publicação trimestral de “ensaios, ideias e literatura”, com semelhante aspecto de livro. A comissão editorial da revista é formada por Flavio Pinheiro, Matinas Suzuki Jr. (também jornalista responsável), Rodrigo Lacerda, Samuel Titan e o diretor de arte, Daniel Trench, nomes experientes do mercado editorial, jornalístico e acadêmico. A ideia de criar uma revista de ensaios surgiu durante a reformulação pela qual passou o IMS entre maio e junho de 2008, quando uma nova equipe foi montada, tendo Pinheiro como superintendente executivo, com a incumbência de dar mais visibilidade às obras do enorme acervo constituído ao longo dos 18 anos do IMS. 

O título foi sugerido por Suzuki, tendo como inspiração o livro “A Idade do Serrote”, de Murilo Mendes. Segundo Pinheiro, não há um significado, “trata-se apenas de um nome simpático”. Os modelos de inspiração para a revista são publicações como “The Paris View”, “Virginia Quarterly Review”, “Boston Review” e “Granta”, que editam ensaios acompanhados de ilustrações e fotografias.

 Editorial do número mais recente da “Dicta &Contradicta” faz menção à revista do IMS: “É uma alegria ver que pouco a pouco atingimos o nosso ideal de estimular o debate de idéias no país… ainda que seja à custa de certo grau de imitação”. Rabello, do IFE, diz que adora “ter uma concorrente como a ‘serrote’, que tem o IMS por trás. Ela tem uma estrutura que nós não temos e, por isso, conseguem coisas que não conseguimos”. Para Cunha, “a prova de que estamos fazendo o trabalho direito é que a ‘serrote’ veio logo depois da ‘Dicta'”.

 Pinheiro, do IMS e membro da comissão editorial da “serrote”, adota discurso mais contemporizador: “A ‘Dicta & Contradicta’ enriquece o cenário, que passa a ter uma revista comprometida com um tipo de pensamento que precisava ser mais conhecido, no entanto, nada na ‘serrote’ busca inspiração nela”. Para ele, o leitor das revistas é distinto. “Acho que a ‘Dicta’ não fala com o mesmo público da ‘Serrote”, ou fala tangencialmente, porque não temos compromisso ideológico, ou com um gênero de pensamento. Eventualmente os leitores se tocam, porque ambos buscam reflexão, mas no geral somos revistas diferentes.”

11 comentários em “Elogio de quem?

  1. Conclui-se pois – confome o dito pelo tal Pinheiro – que a Dicta & Contradicta tem compromisso ideológico. A mim me parece que o tipo fala com a polidez do refalsado calhorda, que diz cheio de ódio entre dentes o contrário do que sente.

    Não há amabilidades para gentes que tais. É hora do confronto cultural – ou então lançar mais uns numerosinhos e perder-se para sempre no limbo das revistas culturais. Bem, é assim que sinto o que há. Abraços e vida longa.

  2. Penso que “confronto cultural” se faz com polidez e, nesse sentido, o termo “calhorda” impossibilita qualquer diálogo não-ideológico.

  3. Ao João Carlos – caro João, eu não pensava em diálogo algum, mas sim confronto. É dizer à festiva que existe vida inteligente para além do cânon marxista e seus derivados; é mister vencê-los pela excelência da cultura superior. Já basta de perder a vida por delicadeza.

    Ao Adriano – você tem irmã?

  4. Abstenho-me do confronto de ideias com aqueles que preferem confrontar as pessoas, sem prezar a honra alheia, a delicadeza e a caridade.

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