Em que prova-se que Ayn Rand é uma estúpida

Pelo menos segundo Whittaker Chambers, o Cabo Anselmo dos EUA (pela sua coragem moral e pela sua conversão em encarar a realidade como ela é, diga-se de passagem), em sua resenha devastadora sobre aquele tomo intragável chamado Atlas Shrugged. Ele vai ao ponto no seguinte trecho, além de ter um título que é a suprema ironia cortante: Big Sister is Watching You.

“(…) Atlas Shrugged can be called a novel only by devaluing the term. It is a massive tract for the times. Its story merely serves Miss Rand to get the customers inside the tent, and as a soapbox for delivering her Message. The Message is the thing. It is, in sum, a forthright philosophic materialism. Upperclassmen might incline to sniff and say that the author has, with vast effort, contrived a simple materialist system, one, intellectually, at about the stage of the oxcart, though without mastering the principle of the wheel. Like any consistent materialism, this one begins by rejecting God, religion, original sin, etc., etc. (This book’s aggressive atheism and rather unbuttoned “higher morality,” which chiefly outrage some readers, are, in fact, secondary ripples, and result inevitably from its underpinning premises.) Thus, Randian Man, like Marxian Man, is made the center of a godless world.

At that point, in any materialism, the main possibilities open up to Man. 1) His tragic fate becomes, without God, more tragic and much lonelier. In general, the tragedy deepens according to the degree of pessimism or stoicism with which he conducts his “hopeless encounter between human questioning and the silent universe.” Or, 2) Man’s fate ceases to be tragic at all. Tragedy is bypassed by the pursuit of happiness. Tragedy is henceforth pointless. Henceforth man’s fate, without God, is up to him, and to him alone. His happiness, in strict materialist terms, lies with his own workaday hands and ingenious brain. His happiness becomes, in Miss Rand’s words, “the moral purpose of his fife.”

Here occurs a little rub whose effects are just as observable in a free-enterprise system, which is in practice materialist (whatever else it claims or supposes itself to be), as they would be under an atheist socialism, if one were ever to deliver that material abundance that all promise. The rub is that the pursuit of happiness, as an end in itself, tends automatically, and widely, to be replaced by the pursuit of pleasure, with a consequent general softening of the fibers of will, intelligence, spirit. No doubt, Miss Rand has brooded upon that little rub. Hence in part, I presume, her insistence on man as a heroic being” With productive achievement as his noblest activity.” For, if Man’s heroism” (some will prefer to say: human dignity”) no longer derives from God, or is not a function of that godless integrity which was a root of Nietzsche’s anguish, then Man becomes merely the most consuming of animals, with glut as the condition of his happiness and its replenishment his foremost activity. So Randian Man, at least in his ruling caste, has to be held “heroic” in order not to be beastly. And this, of course, suits the author’s economics and the politics that must arise from them. For politics, of course, arise, though the author of Atlas Shrugged stares stonily past them, as if this book were not what, in fact, it is, essentially — a political book. And here begins mischief. Systems of philosophic materialism, so long as they merely circle outside this world’s atmosphere, matter little to most of us. The trouble is that they keep coming down to earth. It is when a system of materialist ideas presumes to give positive answers to real problems of our real life that mischief starts. In an age like ours, in which a highly complex technological society is everywhere in a high state of instability, such answers, however philosophic, translate quickly into political realities. And in the degree to which problems of complexity and instability are most bewildering to masses of men, a temptation sets in to let some species of Big Brother solve and supervise them.

One Big Brother is, of course, a socializing elite (as we know, several cut-rate brands are on the shelves). Miss Rand, as the enemy of any socializing force, calls in a Big Brother of her own contriving to do battle with the other. In the name of free enterprise, therefore, she plumps for a technocratic elite (I find no more inclusive word than technocratic to bracket the industrial-financial-engineering caste she seems to have in mind). When she calls “productive achievement” man’s noblest activity,” she means, almost exclusively, technological achievement, supervised by such a managerial political bureau. She might object that she means much, much more; and we can freely entertain her objections. But, in sum, that is just what she means. For that is what, in reality, it works out to. And in reality, too, by contrast with fiction, this can only head into a dictatorship, however benign, living and acting beyond good and evil, a law unto itself (as Miss Rand believes it should be), and feeling any restraint on itself as, in practice, criminal, and, in morals, vicious (as Miss Rand clearly feels it to be). Of course, Miss Rand nowhere calls for a dictatorship. I take her to be calling for an aristocracy of talents. We cannot labor here why, in the modern world, the pre-conditions for aristocracy, an organic growth, no longer exist, so that the impulse toward aristocracy always emerges now in the form of dictatorship”.

Detalhe de bastidores: quando este texto foi publicado na National Review, então sob a direção do próprio Chambers e de William F. Buckley, Rand dizia-se muito amiga do último. Depois deste evento, Rand simplesmente passou a ignorar Buckley em ocasiões públicas e fazia questão de falar mal de sua pessoa pelas costas. Segundo conhecidos, ela não suportou o fato do amigo ter autorizado uma resenha tão virulenta contra o seu livro.

Isso sim que é tolerância e liberalismo, hem?

Ah, sim, para quem não sabe quem é Whittaker Chambers (eu também não sabia; foi uma indicação do nosso colaborador Túlio Borges), aí vai mais um texto de Daniel P. Mahoney que explica tudo direitinho e mostra que, na comparação, o que Ayn Rand queria mesmo era criar a sua própria ditadura – sonho que, aliás, muitos liberais e libertários soi disant também querem implantar nessas plagas, algo tão idiota quanto um totalitarismo de esquerda.

(Observação aos incautos e maliciosos: eu respeito ainda mais o meu amigo Joel Pinheiro pela provocação acima. Portanto, sem comentários ao estilo Contigo, ok?)

15 comentários em “Em que prova-se que Ayn Rand é uma estúpida

  1. Hahah, a provocação é muito bem-vinda! Tem que provocar mesmo!

    Conheço essa resenha. Mas saibam que existem contra-resenhas, respostas (que não serão postadas aqui para que a Dicta não vire filial do questionável Ayn Rand Institute). Acho que o sujeito não leu muito atentamente o livro. Ateísmo radical, por exemplo, não é parte do livro, embora ela fosse, de fato, atéia. Ela também não é materialista, e nem cultua a busca do prazer. O prazer (inclusive em seu nível mais alto) é conseqüência de se buscar e alcançar os bens mais elevados para o ser humano. Não há hedonismo aqui.

    Quanto a ela propor a ditadura de uma elite tecnocrática, acho que não dá para levar a sério. Em The Fountainhead, o heróio é um arquiteto (e o livro é, na minha opinião, melhor do que Atlas Shrugged).

    Minha opinião do Atlas Shrugged? Olha, não acho que seja ótima literatura. Mas eu não consegui parar de ler. Achei Fountainhead e We The Living melhores, como literatura.
    As descrições dos personagens maus, de suas reuniões, jantares, etc é ótima. Mas a descrição dos personagens bons costuma ser chata, além de que todos são basicamente iguais.

    O pensamento da Ayn Rand é uma grande mistura de coisas ótimas e péssimas. Eu fui, por alguns anos, um daqueles muitos que, sem nunca ter lido algo dela, a detestava (vejam as críticas de Murray Rothbard a ela). Um dia, por acaso, peguei um livro dela na livraria (Philosophy: Who Needs It) e vi que meus preconceitos estavam errados. Tendo lido já bastante coisa dela, posso dizer que há coisas ali profundamente erradas sim, mas há também coisas bastante certas. E no que diz respeito à ética, ou pelo menos às bases da ética (discordo radicalmente de algumas aplicações particulares que ela faz), está em larga medida correta.

  2. Chega a ser engraçada essa pinimba agressiva dos crentes com a Ayn Rand.

    O que tem a ver, aliás, o fato dela ter parado de falar com Sicrano com a defesa que ela fazia do liberalismo?

    E que papo é esse de que ela queria criar uma “ditadura própria”? Aonde que tem isso nos escritos dela?

    Eu, hein.

  3. “Martim, ao fazer a defesa da superioridade da Doutrina Social da Igreja deseja afirmar – implicitamente – que cristãos católicos são melhores que outras pessoas. Martim não chega a afirmar que deseja isso, mas se levarmos o seu pensamento ao extremo… ”

    O que o Chamber fez aí é desonestidade argumentativa. Aliás, isso pode ser feito com quase qualquer coisa.

    Mesmo não sendo um fã, não consigo vislumbrar qualquer conseuquencia autoritária na filosofia/literatura da Ayn Rand.

    Sobre a ausência de Deus, bom aí o papo é bem mais embaixo. Mas, que fique claro, a idéia de um sistema filosófico sem deus(es) é plenamente possível e coerente.

  4. Creio que voce pode, e milhoes de pessoas assim o fazem realmente, levar uma vida sem se perguntar/decidir/tirar consequencias sobre Deus.

    Mas um sistema filosofico coerente nao me parece possivel de ser realizado sem enfrentar essa questao, tendo em vista que o “Deus dos filosofos” decorre simplesmente do axioma “ex nihilo, nihil” (nao APENAS desse axioma, obviamente). Para um filosofo nao aceitar esse postulado ele tem de fugir para um irracionalismo, pragmatismo, etc, o que ainda que seja psicologicamente atraente nao sao de modo algum posicoes coerentes.

    Quanto a Ayn Rand, nada sei sobre sua obra, a nao ser citacoes do Embaixador Meira Penna. Meu exemplar de “Quem e John Galt?” ta empoeirado na estante esperando sua vez…

    Abracos e parabens pelo site e pela revista, cada vez melhor!

  5. “Mas, que fique claro, a idéia de um sistema filosófico sem deus(es) é plenamente possível e coerente.”

    Nada mas longe da verdade, pal.

    Mas deixemos esse assunto para outra hora…

  6. Renan, porque um sistema filosófico sem deus(es) não é possível? Não deixemos esse assunto para outra hora. Explique-nos agora, por favor. Não vejo hora mais apropriada.

  7. Tá bom, serei breve.

    Lionheart, você tem alguma noção de Metafísica e Ontologia?

    Se sim, pode me explicar como seria possível o conhecimento e sequer a existência sem o Ser, sem aquilo que “é em absoluto”?

    Se o Ser é contingente, e não absoluto, houve um tempo em que NADA “houve”, o nada absoluto. Mas do Nada nada pode vir, “nada não é”, como diria Parmênides. Logo, é necessário que o Ser, aquilo que É, seja absoluto.

    Sem esse Ser que tudo permeia, é impossível qualquer coisa ser, mesmo o sujeito que duvida ou hipotetiza sobre o real.

    Mais, se esse Ser não fosse infinito, não só ele não seria absoluto, como haveria um outro Ser que não ele, e isso é uma impossibilidade metafísica.

    Você pode chamar esse Ser simplesmente de Ser, de Um, de O Infinito, de Fulano, de Energia Suprema, whatever, mas nas tradições esse é o tão famoso DEUS.

    Como elaborar um sistema filosófico sem tal base? Mesmo o princípio da identidade seria impossível.

    Get it?

  8. Acima, um elegante joguinho de palavras de um crente pra justificar e racionalizar a fé de um crente.

    A filosofia deve se assentar na razão, na capacidade que o homem tem de compreender a realidade que o cerca e agir respeitando o direito (vida, liberdade e propriedade) dos demais.

  9. Acima, um torpe a quem sobra o disparate e falta a noçao mais fundamental da realidade.

    Desmonte o “joguinho de palavras”, Sol.

    De onde vem a sua razão? E de onde vem essa realidade que o seu sujeito capta? Como você é capaz de identificar as coisas? Mais: como existe o sujeito?

    Uma filosofia que não vai ao âmago do que concebe é não só incompleta como esquizofrênica.

  10. Renan, por essas e outras que tentei, insuficientemente, ressaltar que se pode ter OPINIOES , principalmente politicas, baseando-se simplesmente no “bom senso”, que e certamente o que o SOL entende por “assentar na razao”.

    O problema e que mais dia menos dia chega alguem e comeca a esbravejar que as conclusoes de sua razao sao determinadas por interesses escusos, pelo meio ambiente, ou que nao conseguimos captar nada da realidade, que nao existe o bem, que a realidade e criada por nossa mente e outras maluquices. Para nao ficar so no jogo de quem fala mais alto, ou de quem consegue persuadir mais pessoas de que sua ideia e mais util, mais razoavel, mais cientifica etc, para vc chegar nas suas proprias conclusoes, vc tera de descer aos fundamentos do conhecimento humano, da realidade, das origens mais remotas…

    Acho que so quem sentiu a angustia de se ver obrigado por sua consciencia a ser “racional ao extremo” e que tem condicoes de compreender por alto o que e filosofia e perceber que um “sistema filosofico coerente” requer muito mais do que uma coerencia de opinioes sobre determinado assunto.

    Por sua vez, muitas e muitas vezes os postulados do bom senso coincidem com as conclusoes retiradas com maior rigor filosofico: que maravilha! Juntamos o util ao verdadeiro! Ou, ainda, o obvio com o provado!

    Agora, e uma pena que libertarios inteligentissimos, apenas por nao se sentirem atraidos por campos do saber, ou por um saber humanamente integral, a primeira vista menos “praticos”, saiam por ai desmerecendo o que nao conhecem, infirmando a seriedade e a honestidade intelectual de quem nada sabem… em suma: utilizam-se dos mesmos meios dos esquerdistas mais extremados, so mudando a nomenclatura – ao inves de “burgueses” falam “crentes”; ao inves de apelar para o irracionalismo ou ideologismo invocam Kant e o positivismo (sem sequer imaginarem que estao atirando no proprio pe – vide Acao Humana, primeira parte, e o excelente ensaio sobre Von Mises na ultima
    “Dicta”); por fim, ao inves de imputar interesses de classe, a exploracao do proletariado por meio da manutencao da propriedade dos meios de producao, como o fundamento de, para os esquerdistas, toda a pseuda-argumentacao apresentada pelos “burgueses”, simplesmente consideram, aqueles libertarios, que qualquer argumentacao “metafisica” – como podem acreditar nessa palavra feia depois do brilhante Kant minha gente!!! – e so uma obstinada luta cega pela preservacao de uma coisa tola chamada fe…

    SOL, sei bem que muitas vezes “crentes” tambem se comportam de forma errada na defesa de suas posicoes, mas uma coisa e uma coisa e… Cada um que faca a sua parte quando for avaliar uma ideia e se preocupe em ser ele proprio justo e honesto. Nada de invocar a desidia alheia como alibe de seus atos…

    Desculpe-me todos pela extensao do comentario e por todos os erros ortograficos que consegui condensar aqui, mas realmente nao tinha a intencao de apresentar uma tese e meu PC e tempo nao ajudaram muito.
    Desculpe-me tambem o pessoal da “dicta” pelo abuso de seu espaco.

    abracos.

  11. Não consigo achar coerência no texto. O autor do texto afirma que toda a filosofia de Rand não passa de puro materialismo. Me parece aquela famosa negação incondicional quando não temos mais argumentos e nos recusamos a enxergar a verdade a nossa frente, por mais que ela vá contra tudo aquilo que sempre nos ensinaram e que acreditamos durante toda a vida. Objetivismo não prega materialismo. Objetivismo prega a satisfação pessoal (satisfação: sentimento – abstrato) acima de tudo. Se o que deixa uma pessoa como Rearden (personagem do livro) satisfeita é trabalhar, produzir e criar novas tecnologias, a recompensa material é consequência, não causa. Creio que muitas pessoas interpretam ERRADO a filosofia de Rand nesse aspecto da recompensa material. Algumas pessoas tendem a interpretar que, para ser “objetivista”, é preciso ter sucesso nos negócios ou ganhar muito dinheiro e, consequentemente, ter muitos bens materiais. Não é verdade. Ela não prega isso. Não existe nada de errado em se satisfazer com menos (inclusive, no livro a Revolta de Atlas, existem personagens bem menos sofisticados mas que estão dentro dos padrões e valores do objetivismo). O grande X da questão é: Não espere o imerecido. Se um indivíduo prefere se satisfazer trabalhando em um emprego das 9:00h as 18:00hs e indo para praia nos fins de semana ou viajando, não tem nada de errado nisso. Só não pode esperar / querer ficar rico dessa forma. Por outro lado, uma pessoa que encontra sua satisfação / paixão no trabalho, não pode ser considerada materialista, por mais que, naturalmente e merecidamente, venha a ter mais bens materiais.

    A mensagem é muito simples na verdade:

    Seja livre (uma pessoa livre é uma pessoa satisfeita)
    Não espere o imerecido

    E não tem nada de materialismo nisso…

    Sds

  12. Preparem-se estatistas, marxistas, keynesianos e fascistas em geral. Os libertarios chegaram para dominar o meio intelectual e politico. Aos poucos iremos implantar nossa ideologia e logo logo seremos mais fortes do que voce jamaiz imaginou. Ron Paul jah eh uma amostra desse poder, liderando o caucus em Iwoa, considerado o mais importante dos Estados Unidos. Quando tivermos um presidente libertario comecem a cuidar de seus pescocos, estatistas.

  13. “Quando tivermos um presidente libertário comecem a cuidar de seus pescoços, estatistas.”
    Isso é cumulo do absurdo, mas, naturalmente é uma das consequências das incoerências desta romancista Ayn Rand. Afinal, se é presidente, não é e não pode ser libertário, pois é estatista e autoritário. “Dominar” o meio intelectual e politico, mais uma prova de autoritarismo.

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