Hannah Arendt, filósofa banal

Há cerca de uma semana, alguns leitores ficaram chocados com o post Heidegger, Filósofo do Nazismo, publicado neste site. Alguns defenderam o filósofo picareta, outros atacaram pelo simples prazer de atacar, poucos entenderam o que estava em jogo.

Agora vamos falar de Hannah Arendt, amante de Heidegger quando era sua estudante; na época, ela tinha cerca de 18 anos e, ao que parece, ficou bastante marcada pelo relacionamento.

Vejam bem, queridos leitores: a tese não é minha. É de Ron Rosenbaum, autor de um dos melhores livros sobre o acontecimento que foi o nazismo, Para entender Hitler (Record); Rosenbaum, como o próprio nome indica, é judeu, democrata e escreveu para a Slate (revista eletrônica que adora um elogio ao Obamis) um artigo tão corajoso quanto o de Carin Romano sobre Heidegger, já indicado neste espaço.

O raciocínio é igualmente perturbador. Para Rosenbaum, Arendt ficou influenciada pelo spell heideggeriano e, de uma forma bastante surpreendente, deslocou toda a sua visão do judaísmo – exposta em livros como Origens do Totalitarismo e Eichmann em Jerusalém – para uma perspectiva liberal e cosmopolita que, no fundo, no fundo, tinha toques anti-semitas. Em outras palavras: na hora de escolher se devia defender ou não o povo judeu, Hannah Arendt preferiu defender a paróquia intelectual-esquerdista, onde teve excelente acolhimento cultural.

A prova disso é justamente a reabilitação que Arendt fez do próprio Heidegger a respeito do envolvimento deste com o nazismo. Segundo Rosenbaum, toda a tese da “banalidade do mal” serve também como defesa do autor de Ser e Tempo; se Eichmann era um estúpido, que aceitava as ordens porque simplesmente eram ordens, Heidegger fez a mesma coisa porque não havia outra escapatória.

Isso não é nada perto da conclusão que Rosenbaum chega – ainda mais polêmica para os seguidores de Arendt, que formam um clubinho tão fechado quanto o de Heidegger. De acordo com o escritor nova-iorquino, toda essa justificativa e a falta de virtude em defender o povo judeu, quando ele mais precisava, provam que Hannah Arendt era apenas uma pensadora de segundo escalão.

Se ele está certo? Não sei. O que sei é que a influência de Arendt nos círculos globalistas de poder (em especial na social-democracia brasileira), com seus ideais de “pluralismo” e “direitos humanos” (compartilhados por outro cosmopolita, Isaiah Berlin), cria uma paralisia da ação política que, sob a égide de tolerância, serve apenas para aumentar a possibilidade de guerra sob o disfarce de uma sonhada paz. Talvez ela seja mais uma vítima da hidra chamada Heidegger, mas isso não significa que devemos aceitar todas as suas palavras como se fossem o novo evangelho da ciência política. Contudo, fazem isso – e quando a banalidade filosófica chega a uma suposta casta intelectual, a única coisa que podemos contar mesmo é com a banalidade do Mal e não com a soberania do Bem.

Update (dia 3/11): Para não dizerem que sou um sujeito imparcial, publico aqui um outro artigo sobre tema, desta vez atacando Ron Rosenbaum, de autoria de Steven Menashi. E, por favor, leiam o texto, ao invés de ficarem resmungando pelos cantos deste blog…

14 comentários em “Hannah Arendt, filósofa banal

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  3. “provam que Hannah Arendt era apenas uma pensadora de segundo escalão.” Mas isso, independente de qualquer coisa, não é óbvio? Comparada com qualquer um dos grandes do século XX, incluse o próprio Heidegger, que também detesto, Arendt é menina de escola.

  4. Caro Martim, valeu pela indicação do livro “Para entender Hitler”. Tenho também um interesse em saber como os outros países deixaram aquilo acontecer, se você puder indicar alguns livros por aqui ou por meu e-mail, agradeço.

    Gostaria de lhe recomendar um filme: Casamento Silencioso (Nunta Muta ou Silent Wedding). O filme é romeno e… veja o filme e pronto!

    Abraços,

    Henrique Santos.

  5. Concordo: Arendt nunca fez parte do primeiro escalão. Ela mesma se recusava a ser chamada de “filósofa”. O negócio é que Arendt escrevia com tal paixão, tal busca pela verdade que fascina os iniciantes. Pior: tem gente que estuda há trocentos anos e continua iniciante… Mesmo assim, creio que Arendt deixou pelo menos quatro obras dignas de serem lidas.

  6. Não vi uma linha de refutação do pensamento de Hannah Arendt… Não sei como alguém, não sendo filósofo, pode chamar qualquer pessoa de “filósofo de segunda”… Se uma coisa aprendi com o Olavo de Carvalho é que o silêncio sobre as questões filosóficas é um dever até os 60 anos de idade… Já gostei desta revista, mas a qualidade que vi antes me parece agora ilusão…

  7. Achei que o post levou muito para o lado pessoal. Falando as claras, por gosto mesmo. Vocês ja pensaram em qual escalão estão da filosofia? se ela está no segundo imagina nós aqui… Fica complicado levar a crítica a sério assim.

    Outra coisa, o trecho em que você escreve “… Arendt….para uma perspectiva liberal e cosmopolita que, no fundo, no fundo, tinha toques anti-semitas.”
    Vamos ser sinceros. Qualquer coisa que se diga hoje em dia que seja uma critica ao Judaísmo é entendido como anti-semitismo. Não pode ser assim. Pensar é ver analisar as várias interpretações e vocês não estão fazendo isso quando classificam uma pensador em “escalões de conhecimento” e mesmo quando usam uma camisa com um fálico “proibido che guevara”. ISSO É PRECONCEITO INVERTIDO. Pode funcionar para meia dúzia de doutrinados (que se imaginam livres), mas para pensadores livres isso é estupidez.
    Claro, o blog é seu e pronto. Você posta o que quiser. Mas firmeza de pensamento não tem nada a ver com a critica infundada.

  8. Sinceramente, você já leu alguma obra escrita por Hannah Arendt? Sugiro, se for responder, que pesquise o que significar ler.

  9. Continue essa saga da polêmica, essa galhardia intelectual, tão saudável ao nosso país imobilizado por correntes de pensamento que mais celebram a tolerância do que a concretizam.

    O conhecimento não é uma grande farra de ideias bonitas e festivas. É crítica, insulto, tabefe. Por isso as contaminações de esquerda no Direito Penal, a colonização francesa das ideias filosóficas desse país, etc., só trazem reprodução e falta de autonomia mental por aqui, sem contar a paralisia que isso provoca.

    Vale mencionar os que abrem espaço neste Inferno. Cito, na minha honesta opinião de protojurista, os seguintes:

    Clóvis Couto e silva – em A obrigação como processo – relê a dogmática alemã que bebe em fontes mais seguras (Hegel) e concebe a obrigação como uma totalidade e não como um único direito, o que culmina num tratamento futuro distinto pela doutrina que o acompanhou.

    Ian Macneil – New Social Contract – agora traduzido (fev/2009) e recepcionado por alguns juristas relutantes com a visão liberal-clássica de um contrato. Para tanto, o autor relê Durkheim à luz de um todo contextual que envolve a teia de contratos, culminando em contratos relacionais cujo exemplo mais comum é o Mercado.

    O que há de comum nestes dois exemplos? A autonomia de um contrabando saudável de ideias (fluxo filosofia –> direito, como exemplo).

    O livre pensar é uma ferramenta a ser estimulada e não recriminada por militantes de autores, tipos genuinos de idiotas, de idólatras que povoam esse país.

    Sem mais delongas, cito Thomas Browne, simples e agudo:

    “every men opinions must come from themselves.”

  10. Os comentaristas da “primeira viagem” parece que debandaram. Não devem ter gostado da acusação de defender um filósofo “picareta” (sic).

    Como o Sr. da Cunha tenciona continuar a aventurar-se nas veredas filosóficas, caminhos que de repente não levam a parte alguma, convém que medite nestes versos de Verlaine:
    Car nous voulons la Nuance encor,
    Pas la Couleur, rien que la nuance!

  11. O autor do texto e quem reproduziu suas idéias aqui, demonstraram tanto falta de conhecimento sobre a posição da autora, quanto escassa a compreensão sobre suas reflexões.
    Mas, acima de tudo é lamentável que, para exercer uma pseudo intelectualidade, as pessoas ainda precisem desqualificar o trabalho de uma pensadora, que jamais fez questão de fazer parte de algum escalão… esteve sim, muito mais ocupada, que todos tivessem garantido, igualmente, o seu lugar no debate político.
    Pena mesmo

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