Heidegger, o filósofo do nazismo

Finalmente, alguém resolveu tomar coragem e brigar com metade do mundo filosófico para denunciar um fato sabido por todos: o de que Martin Heidegger, o autor de Ser e Tempo, nunca foi um grande filósofo e não passa de um provinciano pensador do nazismo.

A afirmação não é minha. É de Emmanuel Faye, que resolveu criar a polêmica e tomou bordoada de todos os lados, até mesmo de Rémi Brague que, pasmem, defendeu a filosofia heideggeriana em um debate na TV e atacou Faye usando um argumentum ad hominem.

Mas se os heideggerianos (e que los hay, hay, é praticamente uma seita) acham que Faye foi duro e que eu usei também de palavras impróprias, é porque não leram o artigo de Carlin Romano, intitulado singelamente Heil Heidegger e que começa assim:

How many scholarly stakes in the heart will we need before Martin Heidegger (1889-1976), still regarded by some as Germany’s greatest 20th-century philosopher, reaches his final resting place as a prolific, provincial Nazi hack? Overrated in his prime, bizarrely venerated by acolytes even now, the pretentious old Black Forest babbler makes one wonder whether there’s a university-press equivalent of wolfsbane, guaranteed to keep philosophical frauds at a distance.

O interessante é ler os comentários logo abaixo do artigo de Romano. A maioria defende Heidegger como se fosse um grande patrimônio da Humanidade. Não é. Há uma palavra em inglês para tudo aquilo: gibberish.

E, realmente, não entendo a razão da defesa encarniçada deste sujeito. O mundo seria um lugar muito melhor se não existisse Ser e Tempo e seus epígonos. Mas também quem disse que não haveria um substituto à altura para tamanha besteira? Afinal, Martin Heidegger não me parece mais um filósofo e sim uma hidra…

26 comentários em “Heidegger, o filósofo do nazismo

  1. Na hora que o texto começou a pegar ritmo, acabou. Fiquei triste. Mas, tudo bem, você deve acreditar que o artigo de Carlin Romano é auto-explicativo e não haveria necessidade de maiores divagações sobre o fato de, efetivamente, Heidegger ser uma hidra. Para agradar as leitoras mulherzinhas da Dicta, por que não falar do romance dele com a H. Arendt, hein?!

  2. Ainda não li os textos em questão, mas o filósofo alemão, quando estudava Aristóteles (se estudou de fato, hoje tenho minhas dúvidas), foi incapaz de ver que para o Estagirita as palavras “ousia” e “eidos” muitas vezes (quase sempre) são sinônimas. Bem, e dessa confusão veio uma série de má interpretações da metafísica do Ari, discuti esse ponto com um ótimo prof. aqui da UFF, o Paulo Faitanin, que me confirmou a questão. E até apontou esse “detalhe” que você aponta neste post. É, nem todos ‘somos’ heideggerianos… ainda bem!

  3. Prezado da Cunha,

    fico bastante triste com a brutal associação do pensamento de Heidegger com o nazismo. Não tanto pela ofensa ao Heidegger que pelo fato de ter sido nazista por vontade merece toda e qualquer ofensa, mas pela ofensa ao pensamento que é matéria nobre. Não digo apenas pelo pensamento do Heidegger, mas pelo pensamento de uma forma geral. Lembro muito de Lévinas que possui uma filosofia teologicamente orientada e que vê em Ser e Tempo uma grande obra. Apesar de toda a tristeza que se sente com o nazismo de Heidegger, creio que Lévinas está mais certo do que você, não porque é Lévinas, mas porque trata do pensamento de modo mais generoso, porque o pensamento de Heidegger é capaz de fazer pensar e o pensamento que ele provoca não é menor do que o nazismo ao qual aderiu. Penso sempre o mesmo com relação aos pensadores cristãos: os pensamentos que provocam são sempre maiores do que o cristianismo.

    Um abraço,

    Cesar Kiraly

  4. Conheço muito pouco da filosofia de Heidegger, mas li algumas críticas de Zubiri às ideias dele e fiquei com a sensação de que não valeria a pena me debruçar a entender seu pensamento.

  5. No “caso Heidegger” não se trata de provar, ou não, se Heidegger era nazista. A filosofia de Heidegger, queiramos ou não, não se resume a isso; obviamente não se pode negar seu envolvimento com o nazismo. No entanto permanece, sua filosofia, como um desafio, e o autor de Sein un Zeit como um dos pensadores mais influentes do século XX (o que não significa que seja o “melhor”). Vale o conselho de Franco Volpi (falecido prematuramente este ano) que falava da possibilidade de ler Sein und Zeit de várias maneiras, como uma antropologia filosófica, uma filosofia da existência e até mesmo como espécie de evangelho gnóstico do nosso tempo.

  6. Eu não sei nada sobre Heidegger. Mas, se o artigo foi capaz de provocar tantos comentários injuriados por parte dos “especialistas” da internet, é porque deve ter tocado numa daquelas verdades que todos se esforçam por esconder.

  7. Freqüentei pouquíssimo o Heidegger, intelectual não sou, mas basta convidar para uma conversa alguém que seja e normalmente aparece o caráter incontornável do pensamento do seu xará, Martim. Dialoga-se, homem. Além do Brague e do Lévinas, em muito boa hora lembrado acima, seria possível bater um papo a respeito com Gadamer e Josef Pieper, entre vários. Sobre Gadamer, não será difícil topar até na web com material interessante sobre porque a sua praia não é a mesma do MH quando o assunto é intersubjetividade. Pieper, conforme recorda o autor do livro googlado a seguir, também chama às falas o homem do Dasein para apontar além do tempo, com esperança.
    http://books.google.com/books?id=cyDSJcxNXiIC&pg=PA40&lpg=PA40&dq=Pieper+Heidegger&source=bl&ots=il5LyvEIfH&sig=nyKiVj_Mbg3zKmOHzDP5Xatk6kE&hl=pt-BR&ei=R6DgSoKSEtWxsgbHm6WIAw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CAgQ6AEwAA#v=onepage&q=Pieper%20Heidegger&f=false

  8. Oh! concordo plenamente. Uma vez fui a umas palestras de Filosofia e calhou de um dia ser só sobre esse autor. Meu Deus! três horas de palestra e não entendi bulufas! Sai de lá como o Calvin atordoado com os olhos virados e o corpo tombando prum e outro lado pensando: de onde eu saí? :-/

    A maior perda de tempo.
    (Carla)

  9. Lá vou dando a cara a tapa, mas talvez alguém por aí do outro lado da tela possa discorrer melhor sobre algo que me parece esclarecedor neste contexto: o caráter irredutivelmente trans-político de todo exercício autenticamente filosófico. E que independe de qualquer juízo de valor sobre Heidegger, Nietzsche, Foucault (tosse seca) ou quem seja. Mesmo em contextos muito refratários à metafísica ou de indizível “psicopatia social”, digamos assim grosseiramente. Mal comparando: muita gente boa pode defensavelmente dizer que existe um canon musical e que Bach neste sentido é pivô e que o dodecafonismo é aberrante – e ainda assim dialogar com essa aberração para sair dela, à maneira de Arvo Pärt.

  10. Como lembrou um dos comentadores do textinho mixuruca de Romano, essa discussão já ocorreu há 22 anos, quando saiu o livro de Victor Farías (que disse a um amigo meu em Berlim, há uns dez anos, que gostaria de poder morar no Brasil e trabalhar na Unicamp, mas o salário não ajudava). Nem por isso Rüdiger Safranski deixou de lançar uma biografia intitulada Heidegger, um mestre da Alemanha.

    Claudio Magris começa seu livro Alfabeti falando do primeiro livro que leu, I misteri della jungla, de Emilio Salgari, que “permaneceu de certa forma para sempre o Livro, o encontro com a palavra que contém e junto inventa a realidade”, do qual ele aprendeu o amor pela realidade, o sentido da unidade da vida e a familiaridade com a variedade de povos, civilizações, hábitos e costumes, e não o ardor guerreiro que tornou o autor caro ao fascismo. Kipling o fez amar mais os elefantes e templos hindus que a coroa da rainha Vitória. Cabe-nos, como disse o Sr. Leal, ler o suábio com olhos críticos, criadores e astutos.

    Ao Sr. Kiraly, uma dica: se procurar entender por que alguns dos pensadores vão além e são santos, talvez comece a entender o cristianismo.

  11. Discordo.

    Sein und Zeit é um livro belíssimo e, de fato, pode ser lido de muitas maneiras, inclusive como uma antropologia filosófica, como destacado pelo F. Volpi (o que, entretanto, não parece ser a melhor chave de leitura).

    A influência de Heidegger sobre autores tão díspares como Gadamer, Bultmann e Lévinas mostra quão fecunda foi sua reflexão filosófica.

    Até pouco tempo, a acusação de ‘nazismo filosófico’ partia principalmente da turma da esquerda: Lukács, Adorno, etc. Não é boa companhia.

  12. Discordo totalmente. Muitos não compreendem Heidegger. Seu pensamento nos legou uma nova maneira de ver a Filosofia. Foi ele que viu que o pensamento filosófico depois dos pré-socráticos foi pensado o ente como ser, um erro filosófico. Alguns comentam Heidegger sem realmente se debruçar sobre seus textos. Não basta ler Heidegger é necessário fazer um grande exercício, de uma verdadeira hermenêutica, buscando com profundidade o resgate daquilo que foi uma errância filosófica durante muito tempo

  13. Achei bem rasteiro esse post. Passa ao largo de qualquer questão realmente filosófica para ficar na agressão pura e simples. Há quem se divirta com isso, mas para um projeto com propósitos tão interessantes como o da Dicta, o post deixou bem a desejar.

  14. Aqui na UFPR esse sujeito é considerado um deus, é bajulado e adorado. A cada semestre deve ter uma média de 3 a 4 disciplinas que estudam esse embrulhão.
    Acho que o grande problema da filosofia atual é seu isolamento das demais disciplinas(sociologia, história e economia), isso leva a esse estruturalismo imbecil que tomou conta da filosofia.
    A filosofia se esqueceu do mundo concreto e esse é o maior dos erros.
    Agora quanto aos bons filosofos das escolas materialistas não há o menos espaço, Marx é palavrão pra esses academicos de hoje(principalmente no curso de filosofia da UFPR).

  15. Sou Psicólogo Fenomenológico-Existencial e acredito que antes de tecermos críticas à qualquer autor, devemos conhecer a fundo seu pensamento. A crítica, pela crítica é algo vazio e impegnada de “umbigocentrismo”.

  16. O problema não esta nos textos. O problema na obra de Heidgger é semelhante ao de Maquiavel. Em O Príncipe Maquiavel esta ensinado ao soberano como manipular e tirar melhor proveito do povo ou ensinando ao povo como se defender das possíveis investidas que o soberano pode desferir sobre ele?
    Ao se enaltecer algumas vertentes anti-sociais ao acentuá-las, mostra-se também, e muitas vezes na mesma medida, as suas falhas. Ao mesmo tempo em que a obra de Heidgger instaura no leitor mais desatento “o nazismo” como alguns insinuam; a mesma obra ira instaurar no leitor mais atendo as falhas deste sistema, ou deste tipo de pensamento. O cristianismo, sempre que tenta fundamentar as suas crenças, só evidencia as suas falhas. Hegel ao fundamentar que o pensamento era dialético nos deu, na verdade, todas as chaves para descobrir o quanto não dialético o pensamento é. O erro não esta no texto, esta na leitura. Toda forma de reflexão, sobre qualquer tema, é valido. Mein Kampf, por exemplo, é uma das obras que melhor mostra as falhas, e os vicios, do pensamento humano. Um exemplo de até que ponto chega a ignorancia humana e a contradição das proprias afirmações. Deve ser repudiaso porque ha aqueles que não o saberiam ler? A verdade é que nem todo livro são para todas as pessoas.

  17. Recomendo o documentário da BBC no qual estudiosos e pessoas que conviveram com Heidegger dão depoimentos com base em fatos e documentos assinados por ele.

    Legendado, parte 1/5:

    http://www.youtube.com/watch?v=ZtlUgz110eE&feature=related

    E o livro de Emmanuel Faye, que enfureceu os “heideggerianos de comunhão diária”, online em tradução espanhola:

    http://books.google.com.br/books?id=dRJbQANJ66AC&printsec=frontcover&dq=La+Introduccion+Del+Nazismo+En+La+Filoso&hl=pt-br&ei=PiIKTcyGD4OKlwfir4G8Aw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=2&ved=0CCkQ6AEwAQ#v=onepage&q&f=true

    E também estas duas apresentações com E. Faye e Júlio Quesada, autor de “Heidegger, de camino al holocausto”:

    1) Parte 1/7 http://www.youtube.com/watch?v=dS-pwlVfWZ8 ;

    2) http://www.youtube.com/watch?v=E4lNrsXvlYc&feature=related

    Depois dos trabalhos de Victor Farías, Júlio Quesada, E. Faye e outros, as tentativas desesperadas dos acólitos heideggerianos no sentido de encobrir a realidade dos dados biográficos e sua relação direta com o pensamento do distinto nazista equivalem a tentar tapar o sol com a peneira.

  18. Um dos comentários aí de cima diz que “heidegger foi quem fez ver que a filosofia errou quando confundiu o ente com o ser”. Tolice de adorador de seita heideggereana. Quem viu isto foi São Tomás de Aquino, em CÉLEBRE passagem da suma teológica, onde distingue os três tipos de filósofos, que, até então, marcaram presença na Historia da filosofia: Os pré-socráticos, que tentavam explicar o ser pela natureza, os socráticos (platao e aristoteles) que o explicaram pela forma (ou substância) e, finalmente, os escolásticos, que conseguiram chegar a um grau maior de abstração, identificando a forma substancial entitativa como um tipo de ser, mas não o Ser. Heidegger, de maneira bem pusilânime, falsificou esta distinção, para apontar os pensadores cristãos ( e ele esqueceu os árabes e judeus tb) como esquecedores do “ser” por terem feito uma “onto-teologia”. Oras, isso não é crítica filosófica, mas pseudo-acusação. No fim das contas, nem mesmo Heideger diz o que é o ser, pois se perde em considerações meta-lingúisticas, e vai pra uma antropologia, como forma de validar sua ontologia. Seu pensamento é um fracasso total, do ponto de vista da novidade, da ontologia e da política, nem se fala. Talvez o que se salve são seus pequenos ensaios fenomenológicos, e a crítica á técnica, mas mesmo isso precisa ser revisto. Isto prova COMO a filosofia é refém de seitas no Brasil, pois as pessoas tecem loas e mais loas ao Heidegger, tomando-o como o Filósofo do Ser, mas desconhecem o trabalho essencial de Tomás de Aquino, o verdadeiro pensador do ser na sua originalidade e integralidade.

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