O jovem parisiense Pierre, desde cedo, aprende a admirar de longe — sem deixar sua terra natal — a cidade de Londres, repetindo de si para si: “Londres est jolie” (“Londres é bela”).
Sua família, entretanto, se muda para Londres algum tempo depois, e Pierre aprende o inglês diretamente, sem traduções para o francês (seus colegas são todos ingleses que não falam francês; é assim que as crianças aprendem línguas novas). Em razão de um lapso raro, mas possível, Pierre nunca aprende que “Londres” (o nome francês de Londres) é o mesmo que “London”. Pari passu, costuma dizer, ao caminhar pela nova cidade, “London is not pretty” (“Londres não é bela”). De fato, o bairro para o qual seus pais mudam está numa região pouco atraente da cidade.
No entanto, continua com a velha idéia ‘francesa’ da sua infância: “Londres est jolie”. Sua sinceridade é indubitável; e mesmo assim, ambas as opiniões são contraditórias.
O criador dessa história hipotética é Saul Kripke, o genial lógico americano, professor honorário em Princeton. Sua sentença é cortante: “This, then, is the paradox. I have no firm belief as to how to solve it”. (O leitor talvez tenha uma solução; recomenda-se, entretanto, que não “pule para as conclusões” tão rápido. Aproveite para considerar também: “Lois Lane acredita que Superman pode voar” / “Lois Lane acredita que Clark Kent não pode voar”).
Esse e outros paradoxos e trivialidades — capazes de entreter um leitor curioso por horas — podem ser encontrados na parte de ciência e matemática do Futility Closet, um site editado por Greg Ross. Uma dica para nossos finais de semana atribulados…
Créditos: a dica veio da dileta Juliana Lemos.
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A minha mãe, que não é filósofa, poderia dizer que não se trata de um paradoxo, que Pierre obviamente associa “coisas diferentes” aos nomes “Londres” e “London”. E a teoria espontânea da minha mãe é bastante intuitiva.
Minha mãe poderia argumentar: “veja, você não pode avaliar logicamente o conjunto formado por essas duas sentenças como um conjunto inconsistente. Os nomes “Londres” e “London” estão vinculados, na cabeça de Pierre, a um certo conjunto de impressões que ele teve. Ele leu sobre Londres (sob o nome “Londres”) num livro, e formou o juízo que ele expressaria com a sentença “Londres est jolie”. Ele andou por um bairro muito feio de uma cidade que seus amigos chamam de “London” e formou o juízo que ele expressaria com a sentença “London is not pretty”. De modo que temos de avaliar a verdade ou falsidade de cada uma dessas sentenças de um outro modo: devemos levar em conta essas coisas diferentes que Pierre associa aos objetos que ele chama de “Londres” e “London” e ver se as propriedades atribuídas em cada um dos juízos está de acordo com essas coisas diferentes na cabeça de Pierre. Desse modo, perceberemos claramente que Pierre não é contraditório”.
Que resposta daríamos a ela?
Eu acho uma excelente solução, Cleber. Não creio que mães não possam tomar parte numa discussão como essas; aliás, não é muitas vezes o aluno menos notado aquele a fazer a pergunta mais difícil? Qualquer professor sabe o estrago que as “perguntas ingênuas” fazem nos entendidos…
O clássico “On Name and Necessity” de Saul Kripke tem ótimas discussões. Li apenas a primeira “lecture” e fiquei intrigado com muitas coisas.
Grande abraço!
As frases “Lois Lane acredita que Superman pode voar” e “Lois Lane acredita que Superman não pode voar” não são contraditórias se o verbo poder tem acepções diversas em cada frase. Numa, o verbo poder pode ser sinônimo se “ser capaz”, “ter o poder de”, e na outra significar “ser permitido”. Nesse caso não há contradição. Até porque o Superman tudo pode, mas nem tudo lhe é lícito.
V.: o “não poder” que Lois atribui a Clark Kent (o que ela acredita que ele tem) não é o de não ser permitido voar, mas o de não ser capaz. O original inglês não permite essa confusão: “can” é ser capaz. Ela não sabe que Clark Kent e Superman são a mesma pessoa.
Ué… Lois Lane não sabe que Clark Kent é o Super Homem. Não resolve?
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