Love and Revolution?

Por Fábio Silvestre Cardoso

Estreou na primeira semana de abril, no SBT, a novela Amor e Revolução, assinada pelo diretor Thiago Santiago. O objetivo do folhetim é narrar os eventos que se desenvolveram a partir do Golpe de 1964, que instaurou a Ditadura Militar no Brasil por 21 anos. Antes mesmo de sua estreia, a atração criou bastante expectativa porque, pela primeira vez, o assunto da Ditadura chegaria ao formato de folhetim. Em 1992, no auge dos protestos contra o presidente Fernando Collor de Mello, foi levada ao ar, pela TV Globo, a minissérie Anos Rebeldes, escrita por Gilberto Braga. Àquela época, foi um sucesso absoluto – de crítica e de público. Com uma semana apenas no ar, talvez seja prematuro demais avaliar se a novela vai mobilizar a atenção do público e, por outro lado, atrair a atenção da crítica especializada. De todo modo, talvez seja oportuno esboçar uma análise do que foi exibido até aqui.

A escolha para o início da exibição da telenovela, de fato, não poderia ter data mais precisa. O primeiro capítulo foi ao ar em 5 de abril, uma terça-feira. De um lado e de outro, o dia 31 de março é lembrado como o dia em que o exército alcançou as ruas e depôs João Goulart da presidência da República. Levando em consideração que o SBT, assim como a TV Record, procura dar início às suas atrações às terças-feiras, a data foi a mais próxima possível da efeméride histórica. É correto inferir, portanto, que os exibidores pretendem atrelar à telenovela um caráter não apenas ficcional ou dramatúrgico, mas, sim, um efeito de verdade, para além da verossimilhança. Tal estratagema contará, como se verá adiante, com o forte endosso dos depoimentos das personalidades que viveram aquele período.

No entanto, em que pese a expectativa inicial, a novela Amor e Revolução só conseguiu chamar a atenção para um ponto: sua péssima qualidade. Em certa medida, seria mesmo possível a seguinte boutade: dizer que Amor e Revolução é ruim não se trata de juízo de valor, mas, sim, de constatação de seus atributos primários. E isso ocorre porque, de um lado, seu enredo carece de elementos básicos para uma peça ficcional do gênero (a saber: roteiro minimamente instigante; edição afeita às narrativas de TV; histórias bem amarradas) e, de outro, o texto é tão precariamente composto que faria corar mesmo uma produção amadora de teatro. Exemplo disso se dá logo nas primeiras cenas, quando uma das personagens, inebriada pelas palavras de ordem da revolução, pergunta: “você acha que o Brasil pode virar um Cubão?”. Sem piada, o diálogo prossegue até que outro protorrevolucionário intervém: “os estudantes são a vanguarda; a consciência social dos brasileiros”. Mesmo do ponto de vista da síntese, é difícil encontrar tantos clichês em apenas uma sentença. Já em outra cena, Jandira (Lúcia Veríssimo) diz a Batistelli (Licurgo Spínola): “quando você me fala em luta armada, eu me arrepio toda”. De repente, dá para entender por que a telenovela é exibida depois do programa do Ratinho…

Outro aspecto interessante do folhetim se refere especificamente à livre-interpretação dos fatos históricos. Para ser mais exato, a releitura do papel desempenhado por alguns personagens em 1964. Nesse sentido, João Goulart sai da vida para entrar na ficção como o líder preocupado com as causas sociais, as reformas de base, mas não há menção ao fato de o político ter criado em torno de si as condições necessárias para a realização do golpe. De acordo com Jango, um perfil, assinado pelo historiador Marco Antonio Villa, a certa altura, os gestos de Jango fizeram os militares indecisos se mobilizarem em torno da causa para apeá-lo do poder. É certo que numa telenovela, assim como em qualquer peça de ficção, seja até mesmo desejável que haja o que se chamava até outro dia de “licença poética”. Todavia, numa atração que tem como objetivo “narrar a história de personagens diretamente ligados a ditadura” fica insustentável a supressão de trechos relevantes para a compreensão do todo.

A propósito disso, na Folha de S.Paulo, o jornalista Fernando Barros e Silva aponta para o fato de a telenovela ter puxado a tortura para um período anterior ao 31 de março. Em seu blog, Eduardo Guimarães rechaça o colunista, defende a novela e, de quebra, acusa a imprensa golpista de ter implantado a ditadura no País. E, com efeito, esse aspecto da divergência não pode ser deixado de lado. Ao contrário de Barros e Silva, Guimarães não atenta para o aspecto estético da atração. Antes, enxerga na telenovela um valor genuíno porque esta presta uma espécie de elogio à “memória da verdade”. De fato, pode mesmo existir um elemento capaz de fazer com que as pessoas esqueçam o texto sofrível, a edição mambembe e o roteiro precário: os depoimentos dos personagens. À maneira de Manoel Carlos em Páginas da Vida, a atração apresenta os relatos de participantes da Ditadura Militar. Até o momento em que este texto é escrito, as palavras de Rose Nogueira foram as mais eloquentes. Espera-se, ainda, a participação dos representantes do “outro lado”, como é o caso do ex-ministro Jarbas Passarinho. Mas o suprassumo dos depoimentos viria com a possível fala da presidente Dilma Rousseff. Nunca antes na história desse país se especulou que uma presidente da República poderia participar de uma telenovela assim interpretando a si mesma de forma tão verossímil.

Até o momento, a politização do debate é a única chance da sobrevivência de Amor e Revolução como folhetim. Não há mesmo razão para compará-la às produções que, no passado, fizeram retratos de períodos e personagens históricos, como é o caso de JK ou Queridos Amigos, não por acaso produções assinadas por Maria Adelaide Amaral. A importância de Amor e Revolução depende de elementos tão externos e tão alheios à sua existência que é mesmo de se pensar: caso não houvesse a atração, o debate estaria aí do mesmo jeito.

Fabio Silvestre Cardoso é jornalista

2 comentários em “Love and Revolution?

  1. Esse Eduardo Guimarães é conhecido popularmente na blogosfera como o “maluco do megafone”. É uma espécie de “petralha” padrão: acredita na existência do PIG, na inocência do Zé Dirceu, na inexistência do mensalão, na benignidade intrínseca do Lula, no alto poder da “direita” brasileira, nos altíssimos níveis da saúde e educação em Cuba e demais chavões propagados pela direção do PT.

  2. Eu passo longe da TV aberta, por questão de respeito próprio. Agora, morri de rir com isso:
    .
    […] “Exemplo disso se dá logo nas primeiras cenas, quando uma das personagens, inebriada pelas palavras de ordem da revolução, pergunta: ‘você acha que o Brasil pode virar um Cubão?’.”
    .
    Huá, huá, huá!
    EU NÃO ACREDITO que perguntaram isso, DESSE jeito. Sou obrigado a oferecer alternativas à indagação:
    _ Sim, pode virar um cu bão.
    _ Não, pode virar um cu ruim.
    _ Talvez, pode virar um cu mais ou menos…
    SBT, TOSQUEIRA EM PRIMEIRO LUGAR!

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