Méritos e Deméritos da Filosofia Acadêmica no Brasil

Deixando de lado a briga pela classificação dos que filosofam, queria pensar um pouco sobre o estudo de filosofia no Brasil. Estudo que se dá, majoritariamente, nas faculdades, das quais sem dúvida a USP ocupa o primeiro lugar.

A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP não costuma receber, nas páginas da Dicta impressa ou aqui no site, grandes elogios. Não posso falar, e nem quereria de forma alguma falar, pelas faculdades de Letras e de Ciências Humanas; mas sobre a de Filosofia digo sem receio: é séria. Faz, e faz bem, aquilo a que se propõe.

E ela se propõe a ensinar seus alunos a ler textos filosóficos e sair de lá com alguma ideia do que importantes filósofos de diversas áreas e períodos tinham a dizer. A origem histórica dessa abordagem está no estruturalismo francês; e embora Goldschmidt e Guerroult continuem a ser referência em muitas cadeiras, também há muitos professores que adotam a mesma postura (leitura cuidadosa do texto, entender o autor em seus próprios termos, etc.) sem se pautarem estritamente pelos cânones do estruturalismo. Enfim, tire do estruturalismo o seus ocasionais excessos racionalistas (insistência em construir um grande sistema logicamente encadeado e perfeito para cada autor; negação forte da possibilidade de que a obra tenha evoluído com o tempo e que trechos dela se contradigam), que se adequam muito bem a alguns filósofos (Descartes) e não tão bem a outros (Nietzsche), e o que sobrará é a leitura séria, atenta e honesta, que deve estar presente na formação de qualquer filósofo; é isso que a FFLCH dá.

Esse modelo pode ser criticado de mil maneiras. Mas uma coisa todos têm que conceder: ele não dá margem, ou dá pouca margem, a picaretagens. Ao contrário do que parece ocorrer em outros cursos na FFLCH, a Filosofia, no que diz respeito ao conteúdo dado em aula e em leituras, não é extensão das aulas de Humanas do colegial; isto é, não subordina o saber à panfletagem política, que é a maquiagem perfeita para a complacência, a preguiça e a ignorância.

Acho esse fato importante de ser frisado, pois sempre causo espanto quando o conto a alguém de fora: a Faculdade de Filosofia da USP não é palco de propaganda esquerdista. Há professores marxistas, e mesmo esses são capazes de dar seu conteúdo sem fazer de sua aula ocasião de propaganda política, ideológica, psicológica ou o que seja. Vai-se ainda mais longe: ao expor o pensamento de um filósofo, ninguém puxa o tapete dele com tiradas e comentários para refutá-lo; o professor o trata – espanto! – como se aquilo que escreveu fosse verdadeiro, para que os alunos habitem, por algumas horas na semana, o universo como o filósofo em questão o via. Trocando em miúdos: não se explica S. Tomás de Aquino por seu contexto histórico; não se caracteriza Locke como “pensador da burguesia”; não se faz a leitura marxista de Platão, e nem leitura lacaniana de Nietzsche. Com Platão somos platônicos; com Nietzsche, nietzscheanos. Tributo maior ao filósofo não há.

O estudo, além de honesto, é de bom nível. É preciso se dedicar longamente às bibliografias secundárias para passar em cada matéria? Não, não é. Mas quem quiser se aprofundar, encontrará espaço. Para vocês terem ideia: no grupo de estudos de patrística e escolástica, do qual faço parte (sou mestrando, mas graduandos também participam), discutimos numa ocasião a comunicação entre os anjos na obra de Duns Scotus; em outra, as diferentes visões sobre o princípio de individuação nas obras de Vital de Furno e Mateus de Aquasparta (dois escolásticos do século XIII que, imagino, a maioria dos leitores – assim como eu antes de receber o texto da apresentação – sequer ouviram falar). Que isso seja feito no Brasil é um mérito, e é dever de justiça reconhecê-lo.

Esse mérito, contudo, deixa um silêncio no ar. Um silêncio eloquente que aponta para o que a faculdade não faz: preparar seus alunos para a discussão filosófica; para pensarem por conta própria; para darem a sua própria resposta às grandes questões; para serem, enfim, filósofos. Se existisse esse espaço de discussão e de posicionamento pessoal, alguém duvida que ouviríamos muita asneira? Mas, se não tentando, se arriscando, dando a cara a bater formulando argumentos próprios (ou se apropriando do que outros já disseram), como melhorar e amadurecer? Os próprios professores se beneficiariam muito desse exercício.

Olavo de Carvalho, na recente polêmica, comparou a filosofia analítica à escolástica. Pois os nossos departamentos de filosofia (o da USP e os que seguem sua linha) também se assemelham a ela: uma filosofia de acadêmicos, dotados de jargão técnico, com pouco ou nenhum diálogo com o mundo “leigo”, em sua maioria mais preocupados em ler livros e fazer comentários do que em compreender e elucidar a realidade. A diferença é que a quantidade de livros lidos cresceu, e Aristóteles é apenas um objeto de estudo, e não, ao mesmo tempo, o método de leitura.

A Escolástica foi um projeto insano. Na minha sincera opinião, S. Tomás é um gênio e muito superior a seus contemporâneos e sucessores justamente por ter se libertado, ao longo da carreira, dos vícios da escolástica. Os excessos de tecnicismo, a fixação com a forma lógica e com as categorias bem fixadas do aristotelismo, tudo isso foi gradativamente relativizado em sua obra. O próprio rigor no uso preciso dos termos era deixado de lado quando a realidade o demandava.

Ler S. Tomás causa um estranhamento inicial. O jargão e o tecnicismo estão lá; não há como negar. Mas uma vez que se supere o choque da terminologia, é leitura simples, sempre muito razoável e até fluida. Tentem ler Duns Scotus ou Ockham para ter um gostinho do que é o verdadeiro escolasticismo. E ainda estaremos na fina flor da escolástica; nos que tinham algo a dizer. Não foi à toa que, no Elogio da Loucura, a dita cuja invocasse o espírito de Scotus para falar da teologia e das escolas; e não era para falar bem.

Enfim, apesar dos grandes nomes do período inicial – e alguns tardios – o grande feito da escolástica foi impedir que a filosofia genuína florescesse em meio universitário. A universidade brasileira tem preparado seu terreno bem, mas corre o risco de cometer os mesmos erros.

42 comentários em “Méritos e Deméritos da Filosofia Acadêmica no Brasil

  1. Essa crítica que você faz ao ensino acadêmico de filosofia no Brasil, que tem por modelo maior a Faculdade de Filosofia da USP, é muito parecida com a crítica que Olavo de Carvalho faz deste mesmo ensino (talvez sintetizada no artigo “Dois Métodos”, publicado na mesma revista): apego excessivo aos textos e nenhum incentivo para filosofar por conta própria. É antes um curso de interpretação de filósofos do que de filosofia. Mas no artigo citado, Olavo de Carvalho nos diz que o método uspiano não é bom nem mesmo para a compreensão da filosofia de um grande filósofo, pois a filosofia dele não pode ser buscada apenas em seus textos publicados, mas sim no conjunto deles com os ensinamentos orais do autor e com, principalmente, detalhes relevantes de sua biografia, a maneira como se posicionava nos debates gerais da época, etc., se bem o entendi, pois muitas vezes o sentido explícito do texto serviria para ocultar o verdadeiro pensamento do autor e suas segundas intenções.
    Quanto à polêmica anterior, se ainda é bem-vindo algum comentário, notei que o problema principal do post sobre Dummet é que ficou muito vaga a definição do “subconjunto” de filósofos que Júlio Lemos qualifica de cigarras mágicas, as quais “defendem teorias grandiosas, capazes de explicar tudo.” Não sabemos que escolas filosóficas e filósofos se enquadrariam na categoria. Seria melhor dar nome a bois e exemplos. De cara, somos levados a pensar em Karl Marx, Sigmund Freud, com suas chaves interpretativas de todos os problemas filosóficos e culturais, mas o texto original publicado no blog (depois modificado) também fez uma alusão a René Girard, ao falar de “duplos angélicos.” De fato, as teorias de Girard parecem querer explicar todos o problemas da civilização com as chaves do “desejo mimético”, “crise sacrificial”, “bode expiatório”, etc. É uma teoria geral da civilização. E talvez o autor tivesse em mente Olavo de carvalho quando se referiu a “teorias conspiratórias”, mas isso não fica claro, e foi alguém na caixa de comentários que insinuou que o Sr. Lemos se referia ao Sr. Carvalho ao falar das “teorias conspiratórias”. O grupo das cigarras mágicas fica assim sem muita definição, sem exatidão, o que é auto-contraditório com a própria idéia do texto que é a de defender o rigor intelectual e a precisão dos juízos e conceitos, se bem o entendi. O texto do Júlio, nestes termos, é mais poético que, digamos assim, “analítico”, “exato.” Aliás, o que vemos o Sr. Lemos publicar sobre lógica, matemática e lógica-matemática parece antes uma defesa “poética” destas disciplinas, defesa que muitos confundem com lúdica. Servem como grandes atrativos para o estudo daquelas disciplinas (cuja seriedade e importância nenhum filósofo nega), mas não dizem muito sobre elas mesmas, até porque a intenção do autor talvez seja essa mesmo. Enfim, Júlio Lemos faz uma apologia tão atraente do estudo da lógica, da matemática e da lógica-matemática que nem mesmos os cultores destas disciplinas o fazem. O que demonstra os méritos “poéticos” do autor que, na última Dicta demonstrou haver poesia em programação de computadores e quase nos convence a encarar um livro gigante sobre a poesia do tédio na Receita Federal. Por fim, não acho que Júlio Lemos e Olavo de Carvalho divirjam sobre a importância da lógica, da matemática ou da lógica- matemática, como instrumentos da filosofia, mas sim quanto a importância de Wittgenstein e da chamada escola analítica, que para um é grande e para o outro é nula.

  2. Joel,
    eu ainda acho que o velho Richard Feynman tem razão sobre a academia brasileira:

    “Then I gave the analogy of a Greek scholar who loves the Greek language, who knows that in his own country there aren’t many children studying Greek. But he comes to another country, where he is delighted to find everybody studying Greek–even the smaller kids in the elementary schools. He goes to the examination of a student who is coming to get his degree in Greek, and asks him, “What were Socrates’ ideas on the relationship between Truth and Beauty?”–and the student can’t answer. Then he asks the student, What did Socrates say to Plato in the Third Symposium?” the student lights up and goes, “Brrrrrrrrr-up”–he tells you everything, word for word, that Socrates said, in beautiful Greek.
    But what Socrates was talking about in the Third Symposium was the relationship between Truth and Beauty!

    What this Greek scholar discovers is, the students in another country learn Greek by first learning to pronounce the letters, then the words, and then sentences and paragraphs. They can recite, word for word, what Socrates said, without realizing that those Greek words actually mean something. To the student they are all artificial sounds. Nobody has ever translated them into words the students can understand.

    (…)

    Well, after I gave the talk, the head of the science education department got up and said, “Mr. Feynman has told us some things that are very hard for us to hear, but it appears to he that he really loves science, and is sincere in his criticism. Therefore, I think we should listen to him. I came here knowing we have some sickness in our system of education; what I have learned is that we have a cancer!”–and he sat down.”

    Surely you’re joking, Mr. Feynman, 1985, p. 217.

  3. V., quanto às doutrinas orais dos filósofos: você tem algum exemplo de tese dessas, que afete consideravelmente nosso entendimento de sua obra?

    Os fatos biográficos importam? Claro, e podem até dar alguma luz sobre o que o sujeito escreveu. Mas não é o caso que, sem conhecer em detalhes a biografia de S. Tomás, o estudante não seja capaz de entender seu pensamento.

    Sem falar nos usos completamente indevidos da biografia, que em muitos casos acaba atrapalhando. Por exemplo: Nietzsche enlouqueceu no fim da vida, provavelmente por causa da sífilis, que nada tinha a ver com sua filosofia. Mas quantos e quantos leitores não insistem em encontrar nos livros dele a causa da loucura, ou na loucura a causa dos livros! E quando menos se percebe Locke já vira expressão do pensamento da burguesia ascendente.

    Como medida preventiva, abstrair um pouco da história faz bem.

    Jorge: os comentários do Feynman sobre a universidade brasileira são ótimos. Quero crer, contudo, que nem todos os alunos e professores sejam como ele descreveu. Um pouco de esperança é necessária para se viver neste mundo!

  4. Essa “polêmica” me lembrou um texto do Julio Lemos no vol. 1 da Dicta, acerca de Newman, onde ele traduz um trecho do cardeal. Uma ironia do destino. Não preciso fazer grifo algum, ele todo se aplica. “Seria bom que ninguém permanecesse um menino ao longo da vida inteira; no entanto, o que é mais comum do que ver homens crescidos falando de temas políticos, morais ou religiosos dessa maneira superficial e frívola que descrevemos com a palavra absurdo? ‘Simplesmente não sabem do que estão falando’: essa é a observação espontânea e silenciosa de qualquer pessoa de bom senso que os ouça. Daí que esses homens não encontrem dificuldade em contradizer-se em sentenças sucessivas, sem terem consciência de fazê-lo. Daí que outros, cujas deficiências de treinamento intelectual são mais latentes, apresentem lamentáveis distorções […] que os privam da influência que as suas qualidades, de resto muito grandes, lhes proporcionariam. Daí que outros nunca consigam enxergar com retidão, nunca vejam o que está em jogo, e nunca encontrem dificuldades mesmo nos assuntos mais difíceis. Outros são irremediavelmente obstinados e preconceituosos e, depois que tiveram de abrir mão das suas opiniões, retornam a elas logo no momento seguinte sem ao menos tentarem explicar por quê. Outros ainda são tão destemperados e teimosos que não há calamidade maior para uma causa boa do que contá-los entre os seus defensores”.

  5. V., na primeira versão do texto do Julio Lemos (logo em seguida alterada) está claro que o Olavo ficou incluído no grupo das cigarras mágicas. Filósofo que fala das conspirações no Foro de São Paulo – ora, entre os que falam ou falaram sobre o tema, há alguns jornalistas (tardios no assunto), mas só um filósofo. Já o critério de “teorias grandiosas, capazes de explicar tudo”, definitivamente não se aplica ao Olavo.

    Foi um comentário leviano, fanfarrão (o do Julio). Até porque o Foro de São Paulo é assunto pequeno dentro do universo amplo de temas filosóficos tratados pelo Olavo. Quem conhece o trabalho dele para além dos textos de jornal e do podcast – as atividades periféricas, segundo o próprio – sabe perfeitamente disso.

    Achei a reação do Olavo bem exagerada, mas previsível, muito previsível. E, como ocorre frequentemente, acompanhada de uma bela aula.

    No mais, a Dicta está de PARABÉNS!

  6. Christopher Dawson separa a escolástica entre a época das “elevadíssimas especulações metafísicas” e do “logicismo estéril” (ou algo assim, não tenho o livro em mãos para fazer a transcrição exata), e que essa queda foi a responsável pela oposição à metafísica que surgiu, primeiramente, de Bacon e seus alunos. Parece evidente que a escolásticas saiu de um estado onde utilizava como ferramente o aparato técnico para outro onde se tornou o próprio aparato técnico.
    No caso de São Tomás, o A.D. Sertillagnes cometna que, uma vez aprendidos os recursos técnicos do Doutor Angélico, é muito simples compreender a essência do seu pensamento.

    Quanto à polêmica, é mais ou menos como disse o RC, foi um comentário fanfarrão e não levou em conta o temperamento do Olavo. Ao menos uma boa parte do que saiu foi uma excelente consideração sobre a relação da lógica com a Filosofia.

  7. Já que tocaram no assunto do estudo das biografias e aí citaram São Tomás, tanto o A.D. Sertillagnes quanto Chesterton sugerem que é de granda ajuda conhecer a vida e a personalidade do santo para melhor entender sua obra.

    E perdão pelos erros ortográficos, não é fácil comentar aqui em horário de trabalho. =P

  8. @Marcelo
    “Nietzsche não era filósofo. Nunca foi. Nunca será.”

    Pode-se nao gostar (suponho que seja o caso) do sujeito e/ou de suas ideias, mas negar-lhe a condição de filósofo, bem, aí já acho demais.

  9. Não sei não… Essa história de buscar os “detalhes relevantes” da biografia de um filósofo, como foi mencionado nos comentários, apesar de enunciar uma óbvia fonte de contextualização de categorias que compõem o horizonte de compreensão de uma obra filosófica, mostra um risco que por acaso eu vejo patente nos textos do Olavo: o da biografia do filósofo, mais do que estando a serviço das suas ideias, tornando-se a primazia do julgamento do filósofo. Isso o próprio Joel já indicou em um dos comentários aí em cima, e acho que ao ser citado como metodologia isso não tem nada de muito especial quando confrontado com a metodologia descrita pelo Joel na USP, já que ele diz que o estudo de um filósofo é feito com uma espécie de imersão nas ideias desse filósofo durante aquele período. Mas digo isso porque essa diferença é muito sensível no caso do Olavo: ele mostra justamente ser capaz de reavaliar toda a obra de um filósofo pela sua biografia, como uma vez quando, refletindo sobre a noção de moral entre pensadores de esquerda e de direita, listou os pecados de pensadores de esquerda em oposição à solidez de caráter de alguns pensadores de direita. Não acho nem que essa abstração absoluta que distingue pessoas e ideias seja em si um método de todo praticável, como o New Criticism propôs em extremo sem conseguir sobreviver por muito tempo. Também acho que não ficar indiferente à concepção de “filosofia como modo de vida” ao ler a obra de um filósofo é o exercício mais sincero de relacionamento com a filosofia. Mas quando não se cede nenhuma flexibilidade ao desempenho da vida particular de um sujeito e as suas ideias preparadas em um livro, calha-se simplesmente em um biografismo que troca a prioridade das coisas: as ideias do filósofo passam a ser atrapalhadas pelo desempenho da sua vida, ao invés da sua vida ajudar a possível validade das suas ideias.

    Acho, portanto, que o lado positivo dessa contextualização biográfica já estava mencionada pelo texto do Joel, e que a menção disso como método ligada às leituras do Olavo no mínimo podem ser segregadoras de um sectarismo que troca a validade das ideias pela vida dos homens.

  10. O post do Ronald esclarece bastante esse assunto, Lorena. Já imaginava ser algo nessa linha quando mencionei a dimensão dessa concepção de “filosofia como modo de vida” (outra referência nesse tema é a descrição de filosofia na Antiguidade pelo Pierre Hadot), que, como diz o Ronald, expõe muito do nosso beletrismo e das suas perdas. Mas resta a ressalva de que quando você defende esse modelo pra dizer que “Hans Reichembach foi bobo ao ponto de servir de garoto-propaganda para os ativistas estudantis da Universidade da California” isso é, na melhor hipótese, um desvio indesejável de interesse voltado ao particular menos promissor, causado por ingenuidade diante dessa mensagem de ordem de abarcar o homem em sua filosofia, deixando-se influenciar por uma realidade muito mais complexa e muito mais performática, que é a sequência da vida de um sujeito, do que a preparação mais validável das suas ideias. Ou se considera esse risco, tendo como medida esse caso que eu mencionei de quando alguém renuncia o julgamento da validade de uma ideia por ideologia envolvendo a vida do autor, ou o argumentum ad hominem não vai mais ser uma falácia.

  11. Leonardo, na verdade na USP o negócio é bem estrito: não se entra de maneira alguma na biografia do filósofo e ponto final. Descartes pode ter vivido na França do XVI ou na Idade da Pedra Lascada ou em Marte no ano 3000, não faz diferença: leremos seus textos, e todos os elementos que usarmos para explicá-lo e entendê-lo virão de seus textos.

    Um professor meu, de quem gosto muito, ao falar para os alunos dos trabalhos que eles entregarão ao fim do semestre, faz questão de deixar claro: “Eu NÃO quero saber onde e quando o filósofo nasceu e viveu!”

    O exercício é o seguinte: finja que não existe relação entre a vida real no mundo e o que pensam e escrevem os filósofos. Trate apenas desse segundo plano da realidade.

    Limita um pouco? Limita, claro. Mas é também imprescindível para que o aluno seja capaz de tomar contato direto com aquela obra, sem os intermédios distrativos da interpretação histórica, psicológica, etc.

  12. Mas, Joel, as ideias só existem porque alguém as pensou; alguém ligou um pensamento à realidade e daí saiu o seu sistema, sua filosofia, et cetera. A realidade está aí independente de nós e de nossa linguagem, e as ideias são a tentativa de transformar em discurso a compreensão deste todo real. Se não soubermos qual como e era, mesmo que apenas aproximadamente, a experiência que gerou o pensamento, e os elementos com que a vida dele teve contato, como compreender realmente o que aquelas ideias querem nos dizer e a que elas se referem, e apreender sua significação última, ou seja, na realidade? Mas, por outro lado, se são apenas palavras sem experiência real por trás delas, de que serventia são para nós?

    []\’s

  13. hmmm, então essa oposição de modelos entre USP e Olavão fica mesmo mais extrema e interessante. Mas fico surpreso com isso sobre a USP, Joel: eu posso entender o comentário do seu professor, porque ele certamente não queria perder tempo com dados biográficos sobre um filósofo que preencheriam as páginas com dados muito mais enciclopédicos do que com exercício mais direto de filosofia. Mas como se pode estudar filosofia com uma restrição tão extrema a contextualizações históricas? Na arte esse problema das biografias é ainda mais comum pra se fugir ao conteúdo artístico, e pra ele eu costumo fazer uma distinção: eu sinceramente não me interesso muito por dados meramente *biográficos* de compositores (talvez, em um caso ou outro, um pouco de escritores, mas não imprescindivelmente), mas acho que dados sobre a sua *carreira* são uma contextualização bem-vinda. Da mesma forma, conhecer a ocasião, a cosmologia, a ideologia, o gênero textual e o público de uma obra filosófica, naquilo que toca a história e a atividade do seu autor, é uma contextualização que em vários pontos não é só inevitável pra compreensão dessa obra, como é algo feito o tempo todo: como estudar, por exemplo, a escolástica sem saber o que foi o Cristianismo? Então esse tipo de conhecimento é, na verdade, usado o tempo todo, querendo ou não. Os extremos desse idealismo depurador, como eu mencionei, foram pregados como método pelos formalistas russos ou pelo New Criticism na literatura, mas não foram muito longe.

    Sobre o outro modelo, ligado ao Olavão, da consideração pela biografia do autor, etc., mantenho a ressalva geral, e até bastante óbvia, mas que considero pertinente a alguns pontos do que o Olavo escreve: é preciso tomar cuidado pra não ser atrapalhado pela biografia por razões ideológicas que, ao invés de assumirem papel contextualizador, provoquem a sua reação mais sequaz e mesmo anacrônica. A distinção entre biografia e carreira aqui também é válida: se o sujeito traiu a esposa, era flamenguista, brigou com o vizinho ou assistia pornografia, essas coisas só são bem aproveitadas se tiverem relação direta com a sua atividade como pensador ou se explicarem as alusões da sua obra, e não pra contradizerem a validade das suas ideias por elas mesmas (nível de abstração que é possível, não duvidem).

  14. O Giovanni Reale, nos seus comentários à Metafísica de Aristóteles, explica os problemas de encarar o texto (esse em específico) de forma pura: há a necessidade de um esforço imaginativo, de uma tentativa de reconstituição, porque Aristóteles, em vários pontos, apenas faz um aceno, sem se deter ou explicar a fundo o que queria: justamente porque estava falando a pessoas que já estavam a par do conteúdo explicado e tinham a experiência da mesma realidade.

    Só não vou transcrever agora exatamente o que o Reale disse porque a preguiça está por me vencer.

  15. Atitude interessante e reveladora, a de trancar os comentários no texto original do Julio. No entanto, a pergunta que resta, depois de toda essa discussão, é: “Se é verdade que ele [Julio] não tem, como proclama, “nenhum interesse em polêmica, xingamentos, ataques pessoais e pirotecnia”, por que espalha insinuações venenosas e depois faz de conta que está muito acima delas, pairando no céu das idéias?”

  16. Prezada Carolina,
    Leia o meu texto e não verá nenhuma “insinuação venenosa”, e sim uma descrição do que eu e muitos vemos como uma realidade; leia os três artigos do Prof. Olavo e verá o que é um ataque pessoal “sem mais”. Neste caso concreto, ele se mostrou incapaz de debater, e por isso continuará a ser ridicularizado pelos mais apressados — e desprezado pelos que simplesmente trabalham e escrevem sobre seus temas de pesquisa. Malgrado isso tudo, procurei mostrar o grave dano que essa postura causa no debate filosófico no Brasil e sustentar parte do meu ponto no artigo que publico hoje.
    Sobre o ‘trancamento’ dos comentários, eu sinceramente não sei se é algo automático ou se outro administrador do site o fez. Verificarei isso.
    Agradeço suas observações!
    Um abraço,
    Julio

  17. Parece que saímos do binarismo “formalismo lógico OU nulidade filosófica” para o “restrição total ao texto OU submissão total à biografia do autor”. Não seria possível a via média?

    Deixando de lado o primeiro binarismo, sobre o segundo, coloco as perguntas: é importante saber se um pensador levava a sério suas próprias ideias? Afinal, se ele não levava, por que eu deveria levar?
    Se não levava a sério as próprias ideias, então provavelmente as proclamava por algum interesse pessoal duvidoso.

    O hábito de estuprar mulheres em nada comprometerá a filosofia da ciência, ou o formalismo lógico, que um sujeito desenvolva.

    Mas se o pensador em questão for um “humanista”, é importante saber como ele tratava as pessoas reais que mais dependiam da sua forma de existir como ser humano (p. ex.: como Rousseau tratou os próprios filhos).

    Se a exploração dos proletários é uma das bases da filosofia do sujeito, é essencial saber como ele tratava os proletários reais com quem tinha contato (p. ex.: como Marx tratava a própria empregada e o filho que fez com ela).

    Se um monge budista ou cristão tem posturas antibudistas ou anticristãs, elas em nada afetam as ideias (da ortodoxia) que eles proclamam, pois não são ideias deles, mas de Buda e de Cristo (ou dos seus “desdobramentos”). As vidas de Buda e de Cristo comprometem seus ensinamentos?

    Não estou dizendo que estes dois devam ser os parâmetros de “pensadores” e nem que se deva exigir perfeição moral de alguém, apenas que, dependendo da “área de atuação” do pensador, um mínimo de correlação entre vida e obra será mais ou menos importante, mais ou menos revelador.

    O Olavo de Carvalho jamais defendeu a submissão total da obra à biografia do autor, apenas que a biografia (ou alguns dados bigráficos específicos) é muito importante em muitos casos.

  18. Sobre a edição do post, Julio Lemos comenta: “Eu tirei a referência [filósofos que ficam falando do Foro de São Paulo] porque preferi tornar mais genérica e impessoal a minha crítica, e evitar reações nefastas para o debate.”

    Portanto, J. L. afirma que o post, antes da edição, possuía uma crítica *mais específica e pessoal*.

    Se não estou enganado, a crítica mais genérica não deixa de excluir a(s) pessoa(s) a quem primeiro ela se dirigia. Portanto, os “filósofos que ficam falando do Foro de São Paulo” ainda estariam na categoria de “cigarras mágicas”.

    Não assumir isso, é fugir da essência do debate — pois não se trata de questões etéreas, mas de experiência direta, de sinceridade, sem a qual não se faz boa filosofia.

    Se a base da alta cultura de um país inicia sua “reconstrução” com esse tipo de atitude, já podemos ver no que isso vai dar…

  19. Rafael Dias,

    Mas acho que isso a que o Reale se referia tem a ver com níveis de leitura da obra – Fílon de Alexandria e Orígenes, por exemplo, tratariam mais tarde dos Quatro Sentidos das Escrituras de maneira semelhante. Haveria o sentido de leitura literal, alegórico, moral e anagógico, todos envolvendo algum grau de esforço imaginativo com o conteúdo da obra. Mas acho que isso tem a ver com a nossa relação com a obra e a extração do seu sentido, e não muito com a biografia do autor, até porque no caso de Aristóteles isso pode ser muito obscuro.

    RC,

    Também concordo com essa flexibilidade de se munir de dados para a leitura de uma obra sem esse comprometimento metodológico rígido – é assim, aliás, que nascem as teorias da literatura ou da filosofia mais engessantes, que querem tratar da teoria antes e mais do que das obras em si.

    E é curioso pensar nos seus exemplos. Considerando o caso de um escritor que não tenha levado a sério o que ele próprio escreveu, ainda restariam pelo menos duas possibilidades: a de que a obra não deixasse de ter valor por isso (Rimbaud parece simplesmente ter abandonado a poesia depois do que escreveu com menos de 20 anos, e Newton, além de ter se voltado pra hermenêutica bíblica, no fim da vida queimou muito do que havia escrito), ou de que, se não for esse o caso, nós sejamos capazes de julgar isso por conta própria – e aqui mesmo esse dado biográfico teria mais um efeito prático de aposta do nosso tempo do que qualquer garantia.

    Sobre filosofia ética, é uma questão muito discutível: se um filósofo tem ideias sobre ética que, por alguma razão, ele próprio não é capaz de colocar em prática, isso invalida automaticamente essas ideias?

    O que na esfera espiritual parece ser um ponto mais inócuo: a integração entre filosofia e prática mostra-se declaradamente indissociável (mas ainda é engraçado pensar se Schuon se insere nessa expectativa).

    De qualquer forma, se os comentários aqui refletem sobre os possíveis limites desse modelo que o Joel nos relatou de leitura filosófica, as nossas ressalvas e o novo post do Julio também mostram um pouco dos riscos do “ad hominem” no caso do Olavo.

  20. Na verdade o debate corte entre quem é sério ou quem é cigarra, é antes de tudo se o indivíduo é ateu ou religioso, se é religioso ou acredita em deus, já se joga no lixo logo, porque é perda de tempo ler qualquer coisa dele.

  21. Sergio:

    Então joguemos fora Platão, Aristóteles, Cícero, S. Agostinho, Boécio, S. Tomás, Descartes, Locke, Pascal, Leibniz, Kierkegaard e tanto outros…

  22. Leonardo,
    a questão é mesmo complicada, muito mais do o meu próprio comentário faz parecer. Talvez seja mais uma daquelas tensões insolúveis com as quais temos de lidar. Cada caso que enfrentamos exige uma nova reflexão e nova adaptação.

    Lendo o que você escreveu e refletindo sobre o assunto (principalmente a menção ao Schuon), lembrei de dois comentários do Prof. Olavo, que mostram que a postura dele está longe de colocar a biografia do pensador mera e automaticamente como juíza suprema e carrasco da obra: “Heidegger foi um grande filósofo e um ser humano repugnante [não conheço quase nada dele, mas alguma coisa do que escreveu deve ter saído comprometida com a adesão ao nacional-socialismo]”; “Schuon foi um escritor espiritual de imenso talento [logicamente, algum conteúdo moral havia nos escritos], mas de atitudes éticas bastante reprováveis”.

    As palavras não foram exatamente essas, mas o conteúdo está correto – e os comentários entre colchetes são meus.

    Sérgio,
    então pra você a filosofia começou com… Marx, provavelmente. Pena que você não estava vivo pra explicar direitinho a ele que era perda de tempo se dedicar tanto a Aristóteles e Hegel quanto ele se dedicou.
    Que pena que Marx não lhe teve como orientador!

  23. Joel, esses filósofos que listastes, são como peças de museu. É absurdo no século XXI, com internet, iPod e geladeira, acreditar que um carpinteiro judeu fosse deus ou algo assim.

  24. Não fique só nas afirmações peremptórias, Sergio; escreva o argumento. Se for bom o suficiente, quem sabe ele possa até ser publicado…

  25. Acho que o Sérgio tá sendo irônico, emulando o framework neo-positivista do “em pleno século XXI”…quer dizer, assim espero.

  26. Difícil vai ser linkar “internet, iPod e geladeira” com Jesus Cristo sem apelar para a fé cega em alguma bobagem – como no Poder da Ciência, da História, do Homem, do Nada, da Apple etc.

    Os mais legais são o Homem e o Nada.

    O Homem, aquele ser que não pediu para existir e não consegue criar um elétron sequer, mas se acha o Rei do Universo. E não adianta me falar de experimentos com antimatéria, pois eles são feitos em laboratórios com bilhões de átomos, que o Rei do Universo não criou. Quero ver criar um elétron do nada.

    Chegamos à segunda brincadeira: o Nada. O sujeito diz que tudo tem uma causa que presisa apenas ser identificada. Até aí, tudo bem. Quando regredimos até a causa primeira, o sujeito (tipo um Hawking) diz que não há uma causa primeira (porque sim): tudo veio do nada (do nada “sozinho”, sem Deus). Acontece que do nada vem apenas coisa nenhuma (dito em inglês fica até pior: nothing – No Thing). “Nada” significa ausência de toda e qualquer coisa – em primeiro lugar, ausência de POSSIBILIDADES. Mas o sujeito acha muito racional afirmar que surgiu um universo inteiro de onde não há possibilidade de surgir nem uma… lebre. Neste instante desaparece toda a possibilidade de debate racional e tem-se que ouvir a lenga-lenga: “- Eu, que acredito no Nada, sou mais evoluído do que você, porque sim”. “Nada” é apenas uma palavra mágica que lhe permite (imaginativamente) vencer, fugindo do debate.

    Como dizia Chesterton, não há nada de errado em não acreditar em Deus; o problema é que o sujeito acaba acreditando em qualquer bobagem.

    Albert Einstein não era filósofo, mas acreditava em Deus e dizia que a ciência sem a religião é paralítica (lame); e a religião sem a ciência é cega. Ele atuou na primeira metade do sec. XX, há muito, muito, muito tempo atrás. Já existia geladeira. Mas não existia iPod.

    Há quem diga que é peça de museu.

    Como dizia o Pondé, “A modernidade é uma adolescente, uma menina de 14 anos, que chega a um lugar e começa a organizar. Essa é a imagem. Imagine essa menina, que entra na empresa e começa a administrá-la. Joga fora o que foi feito até hoje, começa a inventar todos os procedimentos. É a modernidade. Perde-se o quê nesse processo? Perde-se o que uma adolescente de 14 anos perderia administrando uma empresa. Quase tudo.”

  27. RC,

    É verdade, estou ouvindo agora o último TrueOutspeak do Olavo e ele está de certa forma comentando este mesmo post retomando o curso “Introdução ao Método Filosófico” que deu há um tempo e comparando-o ao que é feito na USP.

  28. Sérgio,

    Se você está realmente interessado em aprender, em buscar a verdade, faça o seguinte: leia “Em Defesa de Cristo” do Lee Strobel (provavelmente a melhor obra apologética em português sobre a visão cristã de Jesus de Nazaré) e “Fundamentos Inabaláveis” do Norman Geisler. Se quiser conhecer um pouquinho da porca história do materialismo, leia “Darwinismo Moral” do Benjamin Wiker. Se após essas leituras você continuar acreditando no que acredita hoje, paciência, o inferno te espera de portões arreganhados!

  29. Leonardo,
    Ainda não ouvi o último podcast. As declarações que mencionei são mais antigas. A do Heidegger, acho que foi numa aula dada em Curitiba há alguns anos. A do Schuon foi num True Outspeak há alguns meses.

  30. Sobre esse tema do “NADA”, muito interessante esse texto do colaborador da Dicta, Márcio Campos, referindo-se a William Carroll: http://www.gazetadopovo.com.br/blog/tubodeensaio/index.phtml?id=1221681&com=1#comentario

    De resto, é curioso ver como cada vez mais se predica ao “Nada” os atributos de Deus. Vão acabar mudando o conteúdo do termo “nada” na linguagem corrente até que tenhamos que afirmar que o “Nada” é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade ou que Jesus Cristo é o Filho Único do “Nada” :)

  31. Joel, esse é um pergunta sincera, há algum problema em chamar Locke de filósofo da burguesia? Pq aprendi que o conflito entre filosofia moderna e escolástica, pode ser explicado pela disputa entre a emergente burguesia e o feudalismo. Bem pelo menos é o que ta no meu livro de filosofia no ensino médio.

    Outra coisa, vc podia indicar um bom livro de história da Igreja Católica, é que o professor de história ano passado ensinou que a Igreja queimou Galileu na fogueira, para ficar vacinado contra esse tipo de besteira.

  32. Antônio Augusto,

    Sei que você se dirigiu ao Joel, mas vou dar minhas sugestões:

    1 – a coleção História da Igreja, de Daniel-Rops, publicada pela Quadrante (mas são 10 volumes com umas 700 pgs cada)

    2 – “Tu és Pedro”, de Georges Suffert, da ed. Objetiva (esse e bem mais resumido, umas 500 pgs)

  33. Olá Antonio!

    Olha, essa afirmação que seu livro faz é muito comum. Eu discordo dela, mas acho que tanto refutá-la quanto comprová-la está além das possibilidades desta caixa de comentários. O que posso dizer é o seguinte: trata-se de uma leitura marxista da história: uma leitura que vê na “luta de classes” o motor da história; e que enxerga nas ideias que os homens defendem nada mais do que um discurso que de alguma maneira justifica ou defende os interesses de sua classe.

    Ou seja, se o sujeito é nobre o pensamento dele será o pensamento “da nobreza”; se burguês, “da burguesia”, etc.

    Deixe eu ao menos colocar isso em dúvida aqui. Veja: não existe pensamento de classe. Pegue pessoas de uma mesma classe e você encontrará pensamentos conflitantes e contraditórios. Seu livro diz que a filosofia moderna nascente, não-escolástica, era “burguesa”. Ora, mas muitos dos filósofos modernos anti-escolásticos eram nobres: ex: Montaigne, Francis Bacon, Voltaire. Entre os escolásticos, havia muitos não-nobres: como Duns Scotus e Ockham.

    E mais importante do que isso: leia o pensamento desses indivíduos e outros da mesma época ou classe social, e você verá o quanto um discordava do outro, em todos os pontos possíveis. Não existe essa coisa de pensamento da nobreza, ou filosofia burguesa.

    A meu ver, esse tipo de interpretação histórica do pensamento acaba matando o pensamento, pois serve como uma barreira para o contato direto com o pensamento dos autores. Estar-se-á mais preocupado em encontrar elementos que confirmem a leitura marxista (e marxista pobre) do que em: 1) entender o que de fato pensou o filósofo em questão, e 2) saber se o filósofo em questão estava certou ou errado, e onde ele acertou e errou.

  34. Quanto aos livros, fora o Rops já mencionado aí em cima (que é leitura densa e pesada), recomendo o do Thomas Woods Jr. “How the Catholic Church built civilization” – embora algo propagandístico (como o próprio título indica), ele tem muitos fatos e cita muitos autores, mostrando como muito do que se diz sobre a Igreja hoje em dia é falso.

    Recomendo também todas as obras do Rodney Stark, um sociólogo americano que já escreveu bastante sobre história do Cristianismo; um bom livro dele é o “The Victory of Reason”.

    Sobre mitos ligados à relação entre fé e ciência, há uma boa coletânea de artigos chamada “Galileo Goes do Jail”, editada por Ronald Numbers, que derruba mitos sobre a história da ciência (mitos tanto do lado anti-religioso – “a Igreja proibia dissecção de cadáveres” quanto do lado religioso “Darwin se converteu e rejeitou sua teoria”).

    Mais do que tudo isso, contudo, o que mais me fascina no estudo da história são as fontes primárias, isto é, os documentos escritos pelas pessoas da época que queremos estudar.

  35. O filósofo é um ser imune às crenças que através do pensamento e da reflexão busca as incertezas, e pelo exame crítico expõe ideias e estabelece questões à justificação. Este é o ideal filosófico no qual se levantaram e repousam as grandes nações. No Brasil a filosofia chegou com os jesuítas que a subordinou ao serviço teológico, caracterizando um padrão de ensino de assimilação de ideias, engessando portanto as possibilidades de um novo pensar e de um novo criar, no que viria a ser decisivo para consolidar a precariedade intelectual na qual a nação brasileira se desenvolveu, assim que, não encontramos entre nós qualquer corrente de pensamento filosófico ou destacáveis valores do humanismo. A inclinação religiosa a que foi submetido o ensino da filosofia no Brasil, inverteu um dos seus mais antigos postulados, que era persuadir os homens que jamais pudessem ser filósofos a buscarem uma religião, este equívoco no ensino foi decisivo para a ausência de filósofos no Brasil.

  36. Filosofia brasileira é como ondas embaralhadas, quando na verdade, se deveria ter linhas paralelas, para o entendimento da mesma.
    Na minha opinião humilde, tanto como pessoa, mas também como acadêmica. Filosofia deveria ser uma forma de explicação do inexplicável de forma simples e bem clara e com algum objetivo no final.
    Filosofia que choca o real com o irreal, transformando tudo em um caos do conhecimento, não é filosofia.
    Eu vejo hoje os filósofos brasileiros, como os pastores evangélicos, lutando por um pedaço do céu. Só que o dos filósofos brasileiros é céu acadêmico.
    Pregadores de autoajuda poderia ser melhor definição.

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