Nabuco: uma estreia animadora

Renato José de Moraes*

“NABUCO – Revista Brasileira de Humanidades” é uma publicação trimestral de ensaios e artigos sobre a cultura brasileira e seu lugar no mundo, com especial ênfase em literatura, filosofia, história e sociologia. Sai nos meses de fevereiro, maio, agosto e novembro”. Por trás desta breve explicação, está uma revista ótima, cujo primeiro número é bastante promissor. NABUCO quer tratar do que a inteligência dos brasileiros foi capaz de produzir, o que, para um pessimista ou ressentido, representaria escrever sobre o nada. Para quem não tem complexo de inferioridade e está com os olhos abertos, é evidente que essa publicação encontrará muito que analisar e desenvolver, realizando tanto um trabalho tanto de recuperação – ou mesmo arqueologia – quanto de desenvolvimento e divulgação.

Há vários acertos na NABUCO. Primeiro, o nome. É uma excelente iniciativa homenagear um dos maiores brasileiros, que possuía uma formação sólida e universal e estava atento aos problemas de nossa sociedade; um homem capaz de expor a teoria, de escrever a história, de pensar nas instituições, e também de levar adiante um movimento que terminou com uma das maiores chagas de nosso país. Joaquim Nabuco foi grande, enorme; escritor, jornalista, político, embaixador brasileiro nos Estados Unidos; foi iluminista, voltou ao catolicismo na maturidade e morreu dizendo atos de contrição; seus filhos foram admiráveis e souberam valorizar a herança paterna. Enfim, a NABUCO acerta em cheio ao escolher Joaquim como patrono e, por que não, inspiração.

A parte gráfica da revista está muito boa, com belas fotos do Recife e uma impressão de qualidade. O texto está bem distribuído nas páginas. A única sugestão seria aumentar o tamanho da fonte.

O idealizador de NABUCO é Ronald Robson. Sou suspeito para elogiá-lo, porque é meu amigo, mas não posso deixar de dizer que ele é um talento que tem tudo para produzir uma marca importante na vida cultural brasileira. Espero que a revista seja um bom veículo para o trabalho dele, que escreve bastante bem e, apesar de jovem, leu muito e profundamente. O editorial da revista, escrito por ele, deixa claro o que ele pretende. Outro nome que dá peso ao projeto é o do editor-executivo Pedro Sette Câmara, colaborador habitual da nossa Dicta e uma pessoa extremamente inteligente, culta e sensata. Sou um grande admirador dele, que realizou aqui um excelente trabalho mais uma vez.

Gostei muito do primeiro número. Os textos desenvolvem os seus assuntos no espaço necessário; em nenhum momento me senti cansado de ler ou diante de banalidades. Há temas que conheço pouco, e por isso prefiro não falar sobre eles. Do que acho que entendo um pouco mais, chamou-me atenção o artigo de Raphael de Paola sobre física e filosofia, que traz questões importantes sobre a relação entre esses dois campos do saber. Concordo com ele em dois pontos fundamentais: a necessidade de uma base filosófica da qual a ciência parta, e a possibilidade de harmonizar a filosofia aristotélica com a ciência moderna.

É um prazer poder ler um texto do Antonio Fernando Borges, que escreve sempre maravilhosamente. Ao tratar de Gustavo Corção, ele chega a Chesterton, e o resultado é delicioso. Por sua vez, Ronald se volta para Lima Barreto e suas angústias, tão mal compreendidas por críticos literários excessivamente ligados a uma interpretação sociológica dos autores. Também merece menção o artigo de Cláudio Ribeiro sobre os romances de Marco Lucchesi, que são apenas dois e curtos, mas que enchem de expectativa sobre o desenrolar da carreira literária desse professor e intelectual original e enciclopédico.

Um aspecto interessante de NABUCO é a citação, em vários dos artigos, de Olavo de Carvalho. Mostra a influência que esse professor vai deixando em uma série de pessoas no Brasil, e a qualidade do trabalho delas indica o quanto essa influência foi-lhes benéfica. Neste número da revista, há reminiscências de Pedro Sette Câmara sobre a década de 90, que deixam evidente a importância de Olavo de Carvalho e Bruno Tolentino para tanta gente que viveu aqueles anos. Eles ajudaram a criar uma geração que conhece autores pouco divulgados na mídia e na universidade, além de valorizarem o estudo dos clássicos. Pode-se discordar deles, mas fingir que não existem não é nada razoável. Compartilho de várias opiniões de Pedro sobre essa época, e é um prazer ver tudo isso bem explicado e narrado.

Sobre o Bruno, emocionou-me ler a resenha que Jessé Almeida Primo escreveu sobre Das Booty, um livro de Simon Pringle sobre as aventuras que ele e outros participaram com Tolentino ao contrabandear drogas. Eu sempre ficava em dúvida sobre o que o Bruno me contava – embora nunca duvidei, porque era impossível, da inteligência privilegiadíssima e da cultura dele –, e acho que várias vezes fui um ingênuo em acreditar em muitas inverdades; porém, o mais impressionante é que bastante do mais mirabolante que ele dizia era verdadeiro. A resenha de Jessé me lembrou de vários episódios que vivi com o Bruno, apesar de que aquele que conheci tinha passado pela experiência da prisão, o que representa uma diferença fundamental em relação àquele descrito no livro de Simon Pringle.

É uma alegria ter a NABUCO em mãos e, mais ainda, lê-la. Espero que a revista dure por muitos anos e ajude a fazer um inventário e uma hierarquização do que nosso país e nossa cultura produziram.

*Renato Moraes é advogado e doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>