Notas sobre liberdade e segurança

Na casa em que morei em Munique, não só ninguém fumava, como o ato era implicitamente proibido nas áreas comuns, salas e corredores. “In Zukunft wird das Rauchen vollständig verboten”,(*) dizia K., um amigo que fiz por lá. Ele explicava, ademais, que os “homens do futuro” simplesmente não fumam, querendo com isso dizer que eu, com os meus pacotes de Gauloises, era um homem do passado. Em todos os costumes e crenças mais profundas, K. era o que chamaríamos um reacionário; seu discurso ecológico e antisséptico o acompanhava em todos os jantares.

No mais, a Alemanha é tão antitabagista quanto o Brasil, ao menos no que diz respeito às grandes cidades. No interior da trilionária Baviera, todos fumam e bebem, especialmente nos locais de peregrinação religiosa. (K. dizia que o principal esporte do bávaro era visitar um santuário e beber até que o terço lhe caísse das mãos. Vi com meus próprios olhos Horst Seehofer, o primeiro ministro bávaro (2008-2012), sair de uma festa de Pentecostes e entrar imediatamente numa daquelas cervejarias agostinianas no centro de Munique para tomar cinco ou seis litros de Augustiner com conhecidos meus.) Esse contraste é espantoso, e prova a existência de uma grande cisão entre os costumes e crenças do homem do interior e os do homem da capital.

Até hoje tento compreender essas relações entre hábitos do passado e hábitos atualmente aprovados. Devemos aproveitar desde já e abandonar hábitos em franca decadência? Talvez sim. O cigarro é uma prática totalmente secundária. O grande problema, alguém dirá, reside na liberdade.(**) Trata-se de um valor atemporal, aplicável a quaisquer conjuntos de costumes. Normalmente expressamos nossa liberdade em coisas de pouca importância. Resta saber se a liberdade simpliciter permanece quando não mais podemos escolher certas coisas supérfluas. E isso acontece precisamente quando coisas insignificantes, como um pacote de Marlboro, adquirem um sentido quase transcendente de transgressão às leis divinas. (Em determinado modo de formalizar programas de computador, associa-se a determinadas ações a que se chega por transição rotulada um estado V que indica permanente violação. Algo semelhante parece ocorrer no julgamento de certos costumes.)

Que tipo de violação se estabelece quando acendemos um cigarro? Em primeiro lugar, quando em determinado lugar vige uma lei antifumo, essa violação é interpretada juridicamente, e nada mais. Mas não é disso que eu falo. Tanto em lugares reservados, como as clássicas cabines do aeroporto de Frankfurt, quanto em lugares onde o fumo é proibido, logo percebemos a presença do sinal “V” de violação. Alguns chamam-no de “estigma contra o tabaco”, semelhante ao estigma contra o M do McDonalds e o S&W das armas de fogo fabricadas pela Smith & Wesson. Não é um fenômeno fácil de esquadrinhar. Mas a minha impressão é que se trata de meras violações imaginárias — e que elas são contrárias ao melhor sentido de liberdade. Todavia, é uma fantasia pensar que reações inadequadas sejam capazes de restabelecê-la.

Protestar contra essas pequenas supressões de liberdade que nós mesmos exercemos sobre nós e os outros pode parecer funcional, mas muitas vezes não é. Parece haver um equilíbrio delicado entre opressão e propriedade sobre o próprio nariz em qualquer sociedade. No Egito fuma-se até dentro dos elevadores, mas sabemos que entre eles ações que nós julgamos indiferentes representam violações intoleráveis. No interior da Baviera, o pai precisa aprovar expressamente o namorado da filha; o que não acontece, em geral, nos lares em Munique. Você escolhe: liberdade para cultivar hábitos do passado, ou liberdade para cultivar o que está em vigor (hoje o Politicamente Correto, ontem a hipocrisia protestante, vitoriana e católico-jesuítica, como aquela muito bem descrita por Joyce em A Portrait of the Artist as a Young Man, de 1916). Poucos dos nossos jovens reacionários aguentariam um só dia nos seus tão sonhados anos 1940-1950 na América, que aos olhos da maior parte do resto do mundo eram extremamente liberais. Imagine se fossem mandados para o ano de 1400 ou se alguém lhes pedisse para usar um cilício.

O que fazemos é substituir costumes, regional e globalmente. Mas é preciso critério para decidir, em cada caso, o que constitui sonegação de um valor importante e o que é mera violação de um costume. Transformações no acidental são plenamente aceitáveis, e não podemos reagir com histeria quando nossa desobediência minoritária (como ocorre com o tabagismo) é vista como violação, mesmo que não seja. É o preço a pagar pela coesão social, minuciosamente codificada e impassível de planejamento — fato que geralmente os conservadores sociais ignoram, por falta de formação ou automatismo. Por outro lado, não se justifica a reação histérica, como era a de K., diante de costumes considerados decadentes. Nesse sentido, o progressismo e o conservadorismo superficiais são igualmente injustificáveis. O conselho extremamente liberal de Paulo — experimentai tudo e ficai com o que é bom — nunca deixará de ser adequado.

* * *

O sociólogo Cláudio Beato,(***) ao que parece, foi o primeiro a detectar com precisão o grande problema da segurança pública no Brasil: a ausência do fator inteligência. Por “inteligência” aqui ele entende o capital intangível de uma organização como a CIA americana. Nada mais que ciência, tecnologia e formação acadêmica, know-how e expertise, no jargão da área. Talvez a crítica de falta de inteligência se aplique aqui menos à nossa Polícia Federal que às Polícias Civil e Militar. Os dados empíricos mais refinados, todavia, deixo aos especialistas.

A polícia brasileira está acostumada à correria e aos tiros, ao passo que o combate ao crime, nas nações civilizadas, já há muito está concentrado sobre a prevenção, a análise de padrões, probabilística e estatística, bem como sobre o desmantelamento eficaz de estruturas. Para isso é necessário o uso da tecnologia e de agentes altamente especializados. Mesmo nos livros — já à época antigos — de criminologia de autores americanos que li na faculdade isso já era quase saber tradicional, mais que ideia revolucionária (aqui no Brasil, entretanto, isso sempre soa revolucionário). Se o leitor prestar atenção às séries policiais dos EUA — Southland, The Wire, 100% realistas, e até Dexter — verá que o norte-americano inteligente está intoxicado, positivamente, com as ciências e a técnica. Além da tenacidade e idealismo característicos dos agentes, vemos que os seus líderes quase sempre se formaram em alguma ciência ou técnica de fôlego, como a engenharia, a tecnologia da informação, a computação e até a sociologia mais dura que se estuda nos EUA. No Brasil, a criminologia foi sempre dominada por juristas sem formação científica — e pior, sem apreço algum por essa formação, muitas vezes como resultado da inveja ou preguiça que têm os homens de Humanas diante das coisas que funcionam. O jurista brasileiro é um bacharel beletrista, afeito mais à retórica que à exatidão, desde antes da fundação da primeira faculdade de direito em São Paulo. Com a globalização da formação, vários dos nossos novos secretários de segurança pública terão acesso à experiência no exterior, e isso deverá mudar.

A Guerra do Golfo foi conhecida como uma “guerra digital”, asséptica e efetiva, apesar das perdas comuns a todas elas. Ela é um exemplo do uso desse capital intangível a que me referi. Alterar o foco, da mera ação física para a inteligência, não é mais simplesmente uma opção diante da crescente brutalidade do crime no país.

____________________

(*) “No futuro, fumar será totalmente proibido”.

(**) Qualquer pessoa está ciente dos problemas em torno da noção de liberdade. Mais que de um sentido metafísico ou imaginário, ou até religioso, de liberdade, falo de um seu sentido empírico, “experiencial”. Ser livre é ter a impressão, correta ou não, de poder escolher e, em maior medida, abraçar valores e suas consequências (o que lhe cobre o aspecto indissociável da responsabilidade). A filosofia habitualmente entretém noções demasiado místicas de liberdade; no fim das contas, trata-se de uma experiência.

(***) Entrevista de 12.XI.2012 no Roda Viva, TV Cultura.

.

13 comentários em “Notas sobre liberdade e segurança

  1. Júlio,

    esta sua passagem pela Alemanha lhe fez bem. Que avanço no seu pensamento! Destaco esta frase: “É o preço a pagar pela coesão social, minuciosamente codificada e impassível de planejamento”. (N. Viu Ieda, eu também sei elogiar! Deixa de arrogância menina!)

    Sempre me incomodou o “politicamente correto” (pc). Mas também me incomoda o “antipoliticamente correto”. Uma forma de combate é com argumentos, mostrando que alguns desejos do pc adveem de autoritarismos vários. Esta forma é válida e desejável.

    Mas existe uma forma de combate ao pc que é tão bucéfala quanto este, a de fazer o contrário só para provocar. Temos que respeitar o meio ambiente? Então eu jogo papel de bala no chão e faço questão de dizer para os outros. Não pode fumar? Então eu fumo na frente de quem sei que não gosta quando travo conversas em ambientes fechados e pequenos (ouviram??)! É preciso respeitar a igualdade entre gêneros? Então eu aplaudo os que espancam gays.

    Ninguém é obrigado a se submeter mas todos são obrigados a conviver! Temos que aprender isto. Uma vez, um amigo comum, do qual discordo muito (viu Ieda!?) disse algo interessante: esta batalha da ecologia deveria ter sido nossa, nós não enxergamos e a perdemos para as viúvas do marxismo!

    Bingo!

    Era natural ter escravos, mas era correto? Era natural que a mulher não escolhesse seu esposo, mas era correto? Era natural a autoflagelação, mas era correta? Era natural fumar, mas era correto? …

    Aqui, prezado Júlio, eu tendo – tendo – a concordar com sua “teoria da independência” hehe Cada caso precisa ser analisado.

    Fumar faz mal para a saúde? Faz sim senhor! Eleva sobremaneira os gastos da saúde pública? Eleva sim senhor! Pode prejudicar os fumantes passivos? Pode sim senhor! Deve ser banido ou proibido? Não senhor! Pode ser restringido? Deve!

    A mulher tem direito sobre o próprio corpo? Tem sim senhor! Aborto clandestino pode provocar graves danos? Sim senhor! É justo carregar no frente o fruto de um estupro? Não é não! O aborto deve ser liberado? Não senhor! Deve é ser proibido sempre!

    E não existe o politicamente correto da direita? O politicamente correto dos cristãos? Ele é melhor do que o atualmente influente?

    Os amigos libertários que me perdoem. Mas a vida não é tão simples.

    Júlio, parabéns! O artigo ficou dez! (no que tange a liberdade, quanto à segurança ainda preciso refletir) (viu Ieda? Eu preciso deixar uma porta aberta para a discórdia!)

  2. André, o verbo paulino no imperativo δοκιμάζετε significa provar, experimentar, testar, e não meramente analisar. Eu mudaria talvez para provar ou testar, mas não para analisar ou examinar, que é um verbo que denota um exame meramente conceitual, não experimental. Isso sim seria alterar o sentido do texto.

  3. Interessante essa questão da liberdade: dá pra falar numa liberdade individual e irrestrita, inerente a todos? Se sou livre pra qualquer coisa, então sou livre pra escravizar, livre pra discriminar, ou livre pra afetar a saúde do meu colega de quarto em Munique. A liberdade não se dá no pensar, mas no agir (como muito bem definiu Hannah Arendit), e ela jamais visa o benefício exclusivamente individual, mas sim o coletivo.

    Tudo isso nos leva a pensar que a liberdade é mais composta por restrições do que concessões, ou, se preferir, mais deveres do que “direitos”. (E os defensores dos direitos humanos, na verdade, defendem mais deveres do que direitos, se formos parar pra pensar: o dever de respeitar as minorias, de não punir ou agredir deliberadamente, de não aplicar a pena de morte, etc. etc… Pena que às vezes caem num relativismo absurdo e os valores ficam invertidos.) A restrição leva à uma liberdade coletiva, e assegura o direito mais inquestionável e irrevogável de todos, que é o direito à vida.

    Então, Caio S., uma mulher pode ter direito sobre o próprio corpo, mas não sobre o do corpo do bebê que carrega. No máximo, ela é responsável pelo zêlo do mesmo, de modo que deve assegurar sua vida até as últimas conseqüências. Antes dos próprios direitos, deve-se pensar nos próprios deveres para assegurar o direito alheio também. O aborto é realizado em nome de uma suposta liberdade pra se fazer outras coisas além de se trocar fraldas sujas. Mas e a liberdade do bebê que está sendo gerado, onde fica? É aquela velha história: minha liberdade acaba quando a do outro termina (e, nesse caso, ela sequer começa).

    Somos herdeiros de uma geração que precisou, de fato, assegurar vários direitos em meio a uma ditadura militar. O problema é que ficamos mal-acostumados e nos esquecemos dos deveres. É aquela velha liçãozinha que a professora do primário nos ensina: “todo cidadão tem direitos e deveres”. Pena que só nos lembramos da primeira parte.

  4. Ok, agradeço a lição.
    Então as traduções em português estão erradas! Então grego clássico deveria ser ensinado na escola.
    Ainda assim, pelo contexto, da carta e de todo o pensamento de Paulo, acredito que apesar de a análise não ser meramente conceitual, também não o é no sentido de viver, experimentar totalmente uma coisa como se experimenta todos os sabores de uma sorveteria. Isso é filosofia de hippie.
    Isso está no campo de pôr à prova. De submeter uma possibilidade à sua própria essência e a suas consequências.
    Como qualquer coisa que venha da Bíblia, é melhor fazer correspondências, como por exemplo, com “tudo é permitido mas nem tudo convém” ou ainda com “tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai”. E por aí vai…

  5. Sim, André, concordo contigo. Certamente o verbo não significa ali provar sensorialmente; o uso habitual e concreto da palavra era para denotar o teste feito sobre os metais (na antiguidade): “colocar à prova”. Apesar de ter citado Paulo, não tive em mente nenhum desdobramento religiosamente relevante. A ideia é muito mais abrangente, mesmo no sentido original. Para não sairmos do contexto, o que tenho defendido é que a verdadeira abertura à experiência começa por abandonar compromissos ideológicos, políticos, e às vezes até filosóficos, mesmo que isso implique perda de potencial persuasivo; porque só assim podemos testar as coisas (a vagueza é proposital), fugindo a uma obrigatoriedade de aprovar ideias exclusivamente porque fazem parte de uma posição previamente assumida. Sim, é mais fácil, e mais convincente, partir de visões de mundo já delineadas, pacotes prontos. Mas não é assim que a prudência e a razão nos mandam pensar e agir. O que menos importa, no fim das contas, é a classificação (atribuição de posição) que farão de um nosso julgamento concreto.

  6. δοκιμάζω δόκιμος
    I. to assay or test metals, to see if they be pure, Isocr., etc.
    II. of persons, to put to the test, make trial of, scrutinise, Hdt., Thuc.: —then, to approve, id=Thuc., Plat., etc.; c. inf., ἐκπονεῖν ἐδοκίμαζε he approved of their working, Xen.
    III. at Athens, to approve as fit for an office, and in Pass. to be approved as fit, Plat., etc.; c. inf., ἱππεύειν δεδοκιμασμένος Xen.
    2. to examine and admit boys to the class of ἔφηβοι or ἔφηβοι to the rights of manhood; and in Pass. to be so admitted, Ar., etc.; ἕως ἀνὴρ εἶναι δοκιμασθείην Dem.
    IV. c. inf. to think fit to do, or with negat. to refuse to do, NTest.

    A. assay, test, “πορφύραν καὶ χρυσόν” Isoc.12.39; “τοὺς οἴνους” Arist.EN1118a28; “τὰ νομίσματα” Id.HA491a21:—Med., prove for oneself, choose, “χώραν” X.Oec.8.10, cf. Men.532.11 (dub.):— Pass., “ἐπειδὰν τὸ ἔργον . . δοκιμασθῇ” CIG2266.15 (Delos).
    2. of persons, δ. αὐτούς put them to the test, make trial of them, Isoc.2.50; “δ. τοὺς μηνυτάς” Th.6.53; “φίλους” X.Mem.2.6.1, cf. PEleph.1.8 (iv B. C.), etc.; also of Apis-bulls, Hdt.2.38.
    II. approve, sanction, “μετὰ δεδοκιμασμένου [λόγου] μὴ ξυνέπεσθαι” Th.3.38; “ἐψηφίσασθε δοκιμάσαντες τοὺς νόμους, εἶτ᾽ ἀναγράψαι τούτους οἳ ἂν δοκιμασθῶσι” And.1.82; “ἄρρενας ἔρωτας” Plu.2.11e; “ὅπῃ ταύτῃ ἀρετὴ δοκιμάζεται” Pl.R.407c: c. inf., ἐκπονεῖν ἐδοκίμαζε he approved of their working, X.Mem.1.2.4; “ἐπειδή . . ἐδοκιμάσθη ταῦτα καλῶς ἔχειν” Th.2.35.
    2. as a political term,
    a. approve after scrutiny as fit for an office, Lys.16.3, Pl.Lg.759d, Arist.Ath.45.3:—Pass., to be approved as fit, Lys.15.6, etc.; “δοκιμασθεὶς ἀρχέτω” Pl.Lg.765b; μου δοκιμαζομένου when I was undergoing a scrutiny, D.21.111; δεδοκιμασμένος [ἰατρός] PFay.106.24 (ii A. D.), cf. PGnom.201 (ii A. D.): metaph., “ὃν ὁ Ἥφαιστος ἐδοκίμασεν” OGI90.3 (ii B. C.); “ὑπὲρ τοῦ στεφανωθῆναι δοκιμάζομαι” D.18.266.
    b. pass as fit to serve, “ἱππεύειν δεδοκιμασμένος” Lys.14.22, cf. X.An.3.3.20, IG22.1126.15, 1369.
    c. examine and admit boys to the class of ἔφηβοι or “ἔφηβοι” to the rights of manhood, Ar.V.578 (Pass.), Arist.Ath.42.2, etc.; “ἕως ἐγὼ ἀνὴρ εἶναι δοκιμασθείην” D.27.5; “εἰς ἄνδρας δεδοκιμασμένοι” Isoc.12.28.
    d. test an orator’s right to speak (cf. “δοκιμασία” 4), AB310.
    3. c. inf., think fit to do, Luc. Bis Acc.31, J.AJ2.7.4, etc.: with neg., refuse to do, Ep.Rom.1.28: abs., BGU248.19 (i A. D.), etc.

    Enfim, me parece que o termo possui uma dimensão psicológica intermediária entre experimentar e analisar, isto é, um experimentar talvez sujando as mãos, mas não os pés. :)

  7. “Talvez a crítica de falta de inteligência se aplique aqui menos à nossa Polícia Federal que às Polícias Civil e Militar.” De fato, no Brasil, a tecnocracia federal, não só na área de segurança pública, está muito mais bem equipada deste “capital intangível” de que você fala, embora provavelmente esteja muito longe de se comparar aos tecnocratas alemães ou americanos. Talvez devido às distorções do pacto federativo, com a União sugando toda a receita e pouco distribuindo aos demais entes federativos. Isto se reflete na discrepância entre os salários que são pagos nas esferas estadual e na esfera federal. Na verdade, creio que a União está razoavelmente bem suprida de tecocratas. Os concursos são concorridíssimos e selecionam bem. Chegando lá o sujeito quer botar em prática a ciência que aprendeu na Universidade e quer mostrar serviços em busca de promoções etc. As secretarias de informática dos tribunais, por exemplo, funcionam com mais eficiência que os próprios tribunais. Para analisar uma simples prestação de contas de candidato, o servidor do TRE dispõe de sistema que permite batimento com dados das receitas federais e estaduais e com os bancos. A Receita Federal busca cercar os contribuintes por todos os lados possíveis, tendo chegado a impressionar a Secretária de Estado Americana Hilary Clinton pela eficiência de sua fúria arrecadatória. E os eficientes tecnocratas dos setores de transportes em pouco tempo irão implantar e operacionalizar o Sinav e nenhum motorista estará mais livre da fiscalização.

    Enfim, acho que já temos no País gente como os personagens daquela livro de DFW que você resenhou. Sorte que a inteligência espontânea do jeitinho e da burla dos brasileiros compete pau a pau com a ciência dos tecnocratas.

  8. Vinícius, você confunde uso de tecnologia com tecnocracia, inteligência com sistematização. Nada mais longe do que eu disse. E Deus nos livre dos malandros.

  9. Ok, Julio, eu não pretendi fazer uma crítica ao seu texto, mas apenas um desenvolvimento marginal a partir de um ponto do seu texto. Não critico diretamente a sua apologia do uso da tecnologia e da ciência na segurança pública. Mesmo do ponto de vista da ideologia liberal isto é defensável, afinal a segurança é o mínimo do mínimo. O problema é que se os legisladores ampliarem os campos de controle da sociedade os tecnocratas vão dar um jeito de operacionalizar e efetivar isso de qualquer maneira de forma autômata, tornando a vida um inferno. Você está certo. E gostei bastante da primeira parte do texto. Difícil essa distinção entre os costumes passageiros e os valores intemporais.

  10. Valeu, Vini. Os excessos e o mau uso não refutam o que é bom; é só o que eu quis dizer. (I. e., os excessos não implicam que a organização, que degenera em burocracia, e a tecnologia, que degenera em tecnocracia, sejam incontroláveis.) Há de ser possível coibir a tecnocracia, já que é possível combater a burocracia por meio de limpezas e enxugamentos setoriais. Na Alemanha, por exemplo, ainda existem resquícios de ambos os excessos, mas no geral eles os conseguiram conter — mesmo com aquele impulso em favor do systematisch. A moça que me atendeu na seção administrativa de vistos de permanência e residência na cidade costumava trabalhar enquanto ouvia Radiohead, e mesmo assim fazia tudo muito rápido; inclusive dispensou quase todos os documentos que normalmente se exigia, para que eu não precisasse voltar outro dia. Na universidade era melhor ainda; desde o primeiro dia eu ganhei as chaves de todo o prédio de mais de 50 salas e bibliotecas, todo um setor da LMU, para que pudesse entrar até de madrugada. Sem que precisassem ver qualquer documento; bastou eu dizer que era orientando de doutorado do professor da cadeira. Minha experiência com a burocracia alemã foi mil vezes melhor que com a brasileira…

  11. Desculpe pelo preciosismo, Julio, mas faltou o artigo – declinado no dativo – na frase em alemão: “In ‘der’ Zukunft…”.

  12. Jorge, eu costumo usar no acusativo, como o K. usou. Ideia de movimento. Talvez seja mais coloquial, mas está na regra: “[quando se vai para] o futuro…”. Mas foi bem notado!

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>