Notícias da Academia

Mesmo que persista um movimento de saída da Academia — motivado quase sempre por mediocridade e desistência –, e que muitos confundam o genuinamente acadêmico com o academicismo, é ali que hoje se pensa a sério. Entre os que fazem da Universidade um bunker do falecido pós-modernismo (nos EUA, entocados nos departamentos de literatura e, aqui, nos de filosofia e ciências sociais), da picaretagem intelectual e da mera leitura de textos filosóficos e aqueles que pregam a deserção pura e simples estão umas poucas pessoas decididas a colocar em prática o amor scientiae . Há exceções geniais na história — como o esquisito-mor e puritano Wittgenstein, que tinha horror à Academia. (E os esquizofrênicos, como Foucault, que a odiavam e viviam nela.) Mas elas apenas confirmam o que tem sido a regra nos últimos séculos.

Nessa linha, pensei em dar notícia de dois eventos, sem com isso pretender desmerecer os outros tantos que ocorreram recentemente ou ocorrerão. Ambos colocam São Paulo — e, em consequência, o país — no circuito internacional de estudos filosóficos: o Third Colloquium on Metaphysical Logic, ocorrido nos dias 6 e 7 de agosto, inaugurado por conferência do Prof. Hartry Field, da NYU, e organizado pelo Depto. de Filosofia da USP; e The Analytic-Continental Divide, minicurso do Prof. Jean-Michel Roy, da Escola Normal Superior de Lyon, a realizar-se nos dias 14, 16, 22, 23, 28 e 29 de agosto na sala 24 do mesmo departamento (info aqui).

Faz-se pesquisa de ponta no Brasil em física, matemática, química, biologia, medicina. Em ciências humanas, ainda falta muito para entrarmos na arena; mas é o esforço discreto de professores e alunos que fará a diferença no futuro. Enquanto isso, e mesmo independentemente, é desejável que surjam publicações — espero seja o caso da Dicta&Contradicta — que façam uma ponte entre o saber das universidades e os indivíduos que procuram uma boa formação.

PS.: Como muito bem lembrou um leitor e amigo, entre 20 e 24 de agosto ocorrerá na Universidade de Brasília a I Conferência da área latino-americana da International Plato Society, com o tema Platão: Estilo e Personagens. As mesas redondas serão transmitidas on-line pelo site http://www.archai.com.br.

19 comentários em “Notícias da Academia

  1. Experiência científica e acadêmica: vamos ver quanto tempo demora até aparecer um Comensal da Morte para reclamar…

  2. Júlio, mais que curioso, é trágico. Aqui se descarta amizades e mentes brilhantes em nome de lobinhos irresponsáveis e esfarrapados. Eu acho que, acima de tudo, faltam espelhos neztepaiz.

  3. Será realmente uma boa iniciativa se, a partir deste post, a D&C se empenhar em abrir a caixa-preta da academia, onde se diz que se produz tanta coisa interessante que ninguém conhece. Parece que o intercâmbio de trabalhos e pesquisas se dá apenas no círculo restrito da própria academia. As publicações são de difícil acesso, não dispõem de boa divulgação. Quem as lê? Só gente da própria academia. Uma ou outra estrela do universo acadêmico vê suas ideias divulgadas em veículos de maior difusão, como os suplementos literários dos grandes jornais. Mal sabemos o que estão discutindo lá. Como no Brasil a maior parte das academias que produzem algo de relevante são sustentadas com o dinheiro público, deveriam se esforçar por dar maior transparência a sua produção. Obviamente as altas elucubrações dos luminares acadêmicos não interessam às massas, mas elas deveriam chegar ao escasso público leigo interessado nessas altas elucubrações. Diante dessa omissão, os fiscais do rigor acadêmico vêm reclamar que o público se deixa seduzir e guiar por intelectuais desatualizados dos altos debates dos grandes centros. Então mostrem para nós o trabalho dessa gente da torre de marfim que “pensa sério.”

  4. Caro V., obrigado pelo comentário.

    Creio que a D&C se propõe justamente isso que você mencionou: “mostrar o trabalho dessa gente da ‘torre de marfim’ que pensa sério”. Isso está no nosso ideário. Ademais, não creio que as pessoas que estão no meio acadêmico estejam numa torre de marfim; esse assunto me parece um tanto batido e superado. As duas possibilidades estão sempre presentes — a pior delas é que certos assuntos, por serem muito complexos ainda, não venham a alcançar a todos. Não acredito numa massificação total do conhecimento. Alguns domínios exigem treinamento desde os primeiros passos, e não podem ser absorvidos sem ele. É o caso da filosofia, por exemplo, e das ciências em geral. Filosofia sem treino degenera em auto-ajuda ou espiritualismo (os séculos XX e XIX, respectivamente, conheceram essas tentativas). Parece ser opinião geral que grande porção do conteúdo da revista — só para dar um exemplo palpável — é acessível ao público geral. Amigos me contam que parentes sem formação universitária leem e gostam da revista e, subentende-se, entendem-na. Quase todos os editores (e ex-editores, como o saudoso Martim) e colaboradores brasileiros, e todos os colaboradores internacionais, são acadêmicos (alunos ou professores com doutorado, pós-doutorado, etc), full-time ou não; muitas vezes escrevem sobre assuntos que não são sua especialidade, mas fazendo uso da formação que tiveram na academia e fora dela. A ideia é essa. Isso é natural, pois a universidade é parte integrante da, e condição necessária e suficiente para, a difusão da excelência. Fora da academia haveria excelência? Sim; mas apostar nas exceções é quase sempre ocasião de apostar na picaretagem e na heterodoxia gratuita. Os poucos gênios que escaparam da academia muitas vezes tiveram de passar por ela; Kripke é tido por muitos como o maior filósofo anglo-saxão vivo, e sequer tem doutorado, e Wittgenstein tinha ataques histéricos ao ver a pouca-vergonha que reinava em Cambridge (e olha que falamos de Cambridge dos tempos áureos, e não da USP…). A boa notícia aos crentes e céticos dispostos a debater (quanto aos Comensais da Morte, bem, que procurem a sua turma) é que o assunto é e sempre será um bom tema de discussão.

    No mais, minha opinião pessoal é que pregar uma saída da academia é propor a desistência, e que a motivação disso é, quase sempre, preguiça e pessimismo gratuito (o tempora, o mores!). Sempre foi uma opção de quem não quer trabalhar. Conheço poucas pessoas que insistem em dizer que a preguiça é uma virtude; elas existem, todavia, e preferem ser ‘outsiders’ injustiçados e hippies a trabalhar nos ambientes adequados.

    Tomar parte numa discussão especializada, todavia, requer presença. Se ela ocorre na universidade, como é a regra, é preciso aparecer. Quem se interessa acaba por encontrar os seus círculos de amizade e debate intelectual — não há outra maneira. Por isso eu creio que a ideia de uma torre de marfim é um mito e sintoma de mediocridade e ressentimento. O conhecimento é algo vasto e exigente; nem mágica seria suficiente para tornar tudo acessível a todos. Talvez seja esse um dos preços da democracia, a fazer dela uma instituição prenhe de decepções. Movimentos universalistas (como o que ocorreu no Renascimento), além do mais, sempre voltam à tona. Basta esperar. Abraços!

  5. Caro Julio, continuo achando que há falhas de divulgação, ao menos para o público com formação universiatária, mas afastado da vida acadêmica, mas também para quem está dentro dela. Veja o caso de Saul Kripke, tido por muito como “o maior filósofo vivo”. A quantidade de menções a ele em publicações culturais e mesmo em curos universitários (posso estar restringindo minha visão aos que conheço) é ínfima. Como o evento Saul Kripke, de cuja existência muita gente tomou notícia aqui mesmo por volta do mês de janeiro, pôde então passar em branco?

  6. V., Kripke é bastante conhecido nos EUA e na Europa.Talvez no Brasil, onde prevalece a tríade Marx-Nietzsche-Foucault e a vaga francesa (isso já está mudando, creio eu), ele seja quase ignorado. Mas a falha é dos estudantes e professores, os autores desse caso realmente excepcional. De qualquer modo, a ampla publicidade nunca foi uma preocupação acadêmica.

    Quando o Craig veio ao Brasil, ficou visivelmente chocado com o nosso desconhecimento de ciência e filosofia (esta última restrita aos autores mencionados e a misturas de todo tipo). Um pouco de iniciativa por parte do público interessado não mata ninguém.

  7. Caro Marcos, de fato o entrevistei.

    O problema é que quem tinha marcado a entrevista, e quem tinha o direito e a prerrogativa de publicá-la, não era eu. Ela seria (talvez já tenha sido) publicada em uma revista acadêmica de teologia. Vou procurar descobrir o paradeiro dela e, se ela estiver disponível, publico-a aqui.

  8. Sobre a academia, os “outsiders”, os “preguiçosos” e os “hippies”: o que dizer quando membros conceituados da academia (por exemplo, Miguel Reale e Bruno Tolentino) reconhecem aberta e entusiasticamente o valor de certo outsider (preguiçoso? hippie?)?

  9. R. Caruso, leia os comentários e o texto e verá que as exceções estão previstas. (E o Bruno não era conceituado pela academia; onde você viu isso? Do lado dele, pior ainda. Estive com ele na USP duas vezes, e ele só valorizava o tratamento dentário que lhe era disponibilizado…)

  10. Ok, Julio. Vi que as exceções estavam previstas, mas não sabia se era o caso.
    Quanto ao Bruno, sei que era persona non grata na academia brasileira, mas escrevi o comentário achando que tinha algum conceito na academia britânica. Por favor, desculpe-me se estou enganado.

    Enfim, foram só exemplos. Poderia acrescentar o José Osvaldo de Meira-Penna, que não é nenhum ícone, mas também não é um zé-ninguém.

  11. Certo, Rodrigo. Difícil dizer se o Bruno era sequer conhecido pela academia britânica (Cambridge ou Oxford). A biografia dele é para lá de obscura, e creio que ninguém possa, hoje, confirmar esse tipo de coisa. O J.O.M.P., sim, pode ser um bom exemplo, apesar de ser de outro tempo. Ele seguiu a mesma tradição de bacharéis como Vinícius de Moraes e João Cabral; estudou em Columbia (NY) e em várias outras universidades e escolas — segundo me contou num email há muitos anos — mas tudo que escreveu é independente.

  12. Acredito sim que há vida intelectual séria dentro e fora da Academia, como bem aponta Julio. Nem tanto ao céu nem tanto à terra. Fiquei curioso: quem são os Comensais da Morte?

  13. RCaruso, Olavo de Carvalho não é nem hippie nem preguiçoso. É um trabalhador intelectual incansável e que se debruça sobre dilemas que os acadêmicos preferem ignorar. Só no Brasil, sociedade do canudo, estudiosos autodidatas despertam esse tipo de reação.

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