O Direito à Dúvida

Produzido em 2010, Conspiração Americana (The Conspirator) estreia no Brasil nesta sexta-feira. O atraso de dois anos, contudo, não prejudica a recepção do filme, o primeiro de uma produtora dedicada exclusivamente à história americana. Dirigido por Robert Redford, ator, diretor e também fundador do Festival de Sundance, o filme trata do julgamento de Mary Surratt, a única mulher presa entre os conspiradores pela morte do Presidente Abraham Lincoln.

Interpretada por Robin Wright, Mary Surratt é a dona da pensão em que o ator John Wilkes Booth, assassino do presidente, se reunia com seus comparsas (incluindo John Surratt, o filho de Mary). Alegando não ter participado dos planos do grupo, mas ao mesmo tempo resistindo em defender a si própria para não confirmar o envolvimento do filho foragido, o que complica sua situação é o fato de Mary ser sulista, de ter perdido o marido na guerra civil e da conspiração ter sido considerada uma retaliação à vitória do norte. Além disso, para assegurar que Mary receba a pena de morte e assim acalmar o povo, seu julgamento é inconstitucional (civis não poderiam ser julgados por um tribunal militar) e conta com meios injustos, testemunhos falsos, etc.

De antemão, todos creem que ela é culpada e merece a morte. Ridicularizam sua religião, suas roupas, jogam pedras nas janelas da pensão onde vive sua filha. Até seu advogado de defesa, Frederick Aiken (James McAvoy), um soldado do norte ferido em batalha, apoia inicialmente a condenação de Mary. Mas incitado por Reverdy Johnson (Tom Wilkinson), um advogado sulista e, portanto, sem credibilidade para defendê-la, passa a buscar provas de sua inocência não com base em preconceitos, mas em fatos.

Não há prova que estabeleça a culpa de Mary. Mas seus direitos como cidadã americana (ou, simplesmente, ser humano) são sacrificados em um processo que em nada se assemelha a um julgamento justo, e sim a uma vingança. O filme não chega a dar certeza absoluta de que ela é inocente, mas sua culpa afinal não deve importar ao espectador, e sim a violação do seu direito constitucional de ser julgada por um tribunal civil, além do desprezo ao princípio da dúvida razoável – tudo em nome da opinião pública.

É possível traçar paralelos com ocorrências contemporâneas, pois a opinião pública, correta ou não, ainda pode decidir o que é certo e o que é errado, quem pode viver ou não. O governo, a imprensa, e mesmo as pessoas comuns cedem a esse monstro, fazendo questão de recusar qualquer dúvida contrária à posição majoritária, sem saber que, assim, ajudam a constituir a tal da opinião pública.

Com mais de duas horas de duração, feito com base em pesquisa extensa, recheado de diálogos, e perfeito para aqueles que gostam de filmes de tribunal, Conspiração Americana é inteligente e complexo; os confederados não são caracterizados como vilões e a União também não é só feita de heróis. Geralmente, a história registrada e perpetuada é aquela dos vencedores, mas esta não faz apologia a um lado ou outro, apenas respeita o direito do perdedor à análise justa dos fatos.

Repleto de rostos conhecidos cujos nomes nem sempre lembramos (como Evan Rachel Wood de O Lutador, Justin Long de Arraste-me Para o Inferno ou Alexis Bledel de Gilmore Girls) e de atuações sólidas como as de Robin Wright, James McAvoy e Kevin Kline em um raro papel sisudo, o filme tem uma fotografia que pode às vezes perturbar a trama, em vez de complementá-la.

Há uma certa noção em Hollywood de que filmes de época precisam ser afogados em tons de sépia ou então em uma fotografia lavada para transmitir aquele tom característico de antigo. No caso de Conspiração Americana, há certos brancos ofuscantes dignos de comerciais de sabão em pó – em roupas, janelas e até mesmo em uma rua de paralelepípedos que brilham como diamantes. O recurso é desnecessário, vai além do esteticamente agradável para o excessivamente chamativo. Mas é também, em vista da obra por inteiro, apenas um detalhe técnico.

Além da questão dos direitos violados, o filme retrata uma mãe tentando proteger um filho envolvido em um crime. O filho em si nunca retorna o favor, mas é interessante (e belo) notar que um desconhecido total foi capaz de defendê-la, apesar de seu preconceito inicial, como se defendesse a própria mãe.

3 comentários em “O Direito à Dúvida

  1. Não vi, Alexandre. Tenho em casa um box com a obra completa do John Ford (achei o box pra comprar em uma lojinha na China, veja só), mas ainda não tive tempo de ver todos os títulos.

  2. Box com a obra completa do Ford?????…Holy shit!
    Você vai levar uma vida pra conseguir assistir a todos…

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