O farrapo que se encerra?

(No próximo 4 de fevereiro, serão 14 anos da morte de Paulo Francis. Eis um nome que será necessário fazer um esforço cotidiano para lembrá-lo constantemente; até agora, apesar da lavagem cerebral que a esquerda fez conosco, Francis se saiu bem, mesmo com seus epígonos, mesmo com as biografias que não compreenderam a dimensão trágica de sua vida. De alguma forma, ele permanece em nosso imaginário popular. Mas e o homem – quando saberemos algo de verdade sobre o homem? Esqueçam as lendas, as anedotas. O trabalho de Paulo Francis deve ser visto como um exemplo para o jornalismo brasileiro, um exemplo que, justamente pela sua coragem e pela sua indignação, jamais será respeitado ou sequer entendido.)

Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. O leitor que a julgue. Acho que quem ofende os outros e os leitores é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até a irritação do amante rejeitado“.

Paulo Francis sobre Paulo Francis

Paulo Francis foi a prova definitiva da maldição que atinge o jornalista brasileiro: o aprisionamento do tempo. Obrigado a ter de comentar os assuntos do momento com a brevidade que o momento exige, Francis vivia numa encruzilhada para alguém com vastas ambições intelectuais. Mesmo para quem não o conhecia pessoalmente, e fizesse uma sutil análise psicológica desta personalidade complicada que foi Franz Paul Heinbron, estava claro que seu alter-ego (pois é o que Paulo Francis sempre foi) era uma fachada para o escritor que lutava para surgir em cada linha, parágrafo e palavra de suas colunas.

Sua morte aliviou a burrice de muita gente. Para mim, no entanto, foi um fato lamentável. A primeira coisa que pensei foi: “Agora vai ser díficil ter um domingo que preste”. Domingo era o dia de Paulo Francis. Sabíamos que no Caderno 2 haveria o seu “Diário da Corte”, e que no canal de TV paga GNT assistiríamos “Manhattan Connection”, programa em que Francis dava o ar da graça, junto com Lucas Mendes, Caio Blinder e Nelson Motta. Na verdade, fui um fã tardio de Francis. No início, segui o caminho de muita gente – “Paulo Francis é um ignorante sem nenhuma educação” (insulto que, por seu pleonasmo, é um insulto à língua portuguesa). Mas, num domingo, li sua análise sobre Eduardo “Mogadon” Suplicy, um desses textos que ficam par a par com uma sátira de Swift, Mencken ou Millôr Fernandes. O apelido “mogadon” se devia porque o senador era tão lento em seu raciocínio, e tão absurdo em suas propostas que ele só poderia estar tomando um tranquilizante com este nome, muito conhecido nos anos 50 no Rio de Janeiro, e que se aplicava em cavalos e mulas para acalmá-los. Mais cruel, impossível – mas não menos brilhante.

Este era um pequeno exemplo da qualidade que Francis tinha e que foi o que o tornou um grande jornalista: ele falava o que todo mundo pensa, mas tem medo de dizer. A expressão “não tem papas na língua” fica marcada na carne ao lembrarmos daquele sujeito de óculos de garrafão e voz embriagada. E quando se fala que não tinha papas, entenda-se que ele podia falar de tudo, de um segundo para o outro, sem avisar. Lembro-me dele, em um de seus flashs no Jornal da Globo, chamando Bill Clinton de “Mr. Jeca”, e imediatamente fazendo uma ode ao verão de Nova York, cantando um engraçadissímo “Summertime”.

Claro que essa figura cartunesca dava margem a piadas e assim quem era pedra acabava virando vidraça. No entanto, nunca teve um sinal de rancor de seus gozadores – dizem até que ele dava gargalhadas quando via a imitação dos humoristas do Casseta & Planeta. Seu senso de humor aparecia mesmo nos momentos mais tensos. Em 1964, nos primeiros dias de abril, enquanto os esquerdistas se desesperavam sobre quem seria preso ou não, Paulo Francis, trotskista empedernido na época, resolveu se esconder na casa de uma amiga, acompanhado por ninguém menos que uma garrafa de Queen Lace, os diários de Samuel Pepys, “Ana Karenina”, de León Tolstói, e “Três teorias sobre a psicanálise”, de Sigmund Freud. No meio de sua reclusão, Claudio Abramo, então editor da Folha de São Paulo, chamou Francis para procurar um fotógrafo que poderia estar preso. Sem saber o que fazer, ele aceitou a aventura. Ao chegarem no bairro onde o fotógrafo morava, Abramo disse que não sabia onde ficava a casa dele. Começou a gritar: “LENINE! LENINE! ONDE ESTÁ VOCÊ?”. Francis percebeu que os berros do amigo provocavam uma algazarra desconfortável. Apenas arrumou os óculos na ponta do nariz e resmungou: “Você acha apropriado gritar este nome na atual ocasião?”.

O humor de Francis era um resmungo, uma forma de ácido súlfurico que não o tornava um Boca do Inferno Parte Dois porque, parodiando o odioso Che Guevara, “tentava não perder a ternura”. Quem perdia a ternura eram seus inimigos e desafetos – de Tônia Carreiro à Petrobrás, vulgo Petrossauro. Francis foi responsável por deixar Paulo Autran (um homem relativamente calmo) irritado ao defender Carreiro de uma crítica teatral mordaz, em que escreveu: “Tônia é uma beleza de primeiro mundo, mas tem um talento de quinto”. Já a Petrobrás o ameaçou com um processo de indenização por dano moral, de acordo com as leis dos EUA, pedindo a absurda quantia de 100 milhões de dólares por causa de suas críticas à empresa estatal, o que acelerou o ataque cardíaco (erroneamente diagnosticado como uma mera bursite) que o fulminou em fevereiro de 1997.

Ainda assim, nunca foi um mestre do estilo. Tinha a maldita mania de iniciar sentenças com pronomes relativos e, muitas vezes, parecia que escrevia sob efeito de um Seagram´s doze anos (leiam o seu confuso prefácio ao livro “12 Ensaios”, de Edmund Wilson). No entanto, havia uma sensibilidade bruta em sua prosa, algo nitidamente tomado das influências de Dostoiévski e Nietzsche, que exibem uma força infelizmente nunca lapidada pelo tempo. Observem este trecho de sua autobiografia “O afeto que se encerra”:

“Durante seis dias vi meu irmão mutilado, sofrendo o diabo, no excelente hospital de São Paulo, cujo nome esqueço, especializado em queimaduras. Se sobrevivesse, Fred perderia um braço, estropiado, já ficara cego de um olho. Os médicos me explicaram que dependia da capacidade dos rins de Fred que ele não morresse, ou seja, da eliminação das toxinas provocadas pelas queimaduras. Fred teve falhas nos rins. Eu segurava a perna dele quando deu aquele último arranque, duro, em que depois o tormento de nos sabermos vivos e vulneráveis se extingue. Antes de morrer, beijei-o a primeira, única e última vez, na testa. E pela primeira vez na minha vida consciente, o filho morto, abracei meu pai”.

Francis conta o suspiro derradeiro de seu irmão Fred, morto em um acidente de avião que o levou numa luta paranóica de mais de vinte anos, já que, para ele, a empresa de aviação Cruzeiro do Sul foi a principal responsável. Este acontecimento marcou sua vida de tal forma que, mesmo no fimdela, ainda falava sobre o irmão e o acidente. Foi também o momento que se aproximou do pai, Adolpho, homem muito distante, pois ambos se empenharam na apuração do desastre. Quando o laudo concluiu que foi uma “falha humana”, Francis não se conformou, e em suas colunas no jornal “Última Hora”, “desceu o sarrafo na Cruzeiro do Sul”. “Minha intenção era destruir a ‘reputação’ da Cruzeiro, processá-la criminalmente e, se possível, levá-la à ruína. Meu pai se sentiu mal, na opinião dele, em ‘explorar o cadáver’. Parei somente por insistência dele, já bastante doente na época e carregado de culpas”, escreve em suas memórias. O que o episódio mostra, sobretudo, é a capacidade de Francis de se indignar, de não deixar arrefecer o espinho cravado na carne – algo que os jornalistas estão perdendo nos dias atuais. Junte isso a um vasto conhecimento intelectual e o leitor tem nas mãos uma bomba-relógio com os ponteiros desaparafusados.

Mas não era o lunático de plantão. Conforme o passar do tempo, Francis foi amansando, mesmo com seu famoso ditado ao afirmar que estava “tecnicamente morto” por causa do baixo nível da cultura ocidental. Seu resmungo, de novo, passava a ser um riso, mas um riso que lamentava uma perda dilacerante. Não era somente a perda do irmão, nunca explicada; era também a perda do projeto falido, do projeto em que a literatura havia se tornado um mero sonho que não conseguiu abrigar as ambições de Franz Paul Heinborn. Em seu prefácio ao livro “Waal – O Dicionário da Corte de Paulo Francis”, organizado por Daniel Piza, escreve: “Confio em que meu humor me salve, quer dizer, que me facilite o que der e vier. Enquanto há vida se vai levando. Aproveitei o máximo. Devo dar graças ao destino que me permitiu viver confortavelmente do fruto do meu trabalho, que é mental. Minha cabeça é meu produto primário e minha indústria. Saí da caverna. É minha satisfação que partilho com leitores de cabeça limpa”. Há nesta declaração quase testamentária, um tom resignado, de ter aceitado os seus limites, de ter, enfim, compreendido que demolir os assuntos do dia-a-dia era uma forma de escapar da existência de uma ameba. Seu jornalismo era pedagógico nesse sentido, em que o leitor podia não gostar de suas opiniões, mas sabia quais elas eram e podia compará-las com as suas próprias – criando assim alguma síntese. Mas como todo jornalismo feito com vigor, caía no bom e velho beco sem saída da progressiva amnésia, e não é à toa que, para a nova geração de jornalistas, o nome Paulo Francis é algo distante, quase inacessível, prestes a se dissolver no tempo, pronto para se tornar um farrapo humano.

Isso é um destino comum no Brasil, um país que age como a porca que come os seus filhos. Além de dois volumes autobiográficos – “O afeto que se encerra” e “1964 – Trinta anos esta noite” -, Paulo Francis publicou dois volumes de ensaios, escreveu dezenas de prefácios, milhares de colunas, e três romances – “Cabeça de Papel”, “Cabeça de Negro”, e “Cabeça”, este último nunca publicado. É o projeto literário mais fracassado da história intelectual brasileira. Francis queria ser o Dostoiévski dos anos de chumbo e acabou sendo um romancista medíocre. Uma história sem pé nem cabeça, um estilo verborrágico, cheio de situações caricatas de pornografia, alusões pedantes – todos os motivos que fizeram os críticos de Francis urrarem de felicidade estão lá. Ele defendeu sua obra com unhas e dentes, alegando que tinha criado um delírio e deveria ser interpretado como tal, mas não tinha jeito: os livros eram muito ruins.

A sensação de fracasso como romancista permeou todo o seu trabalho jornalístico nos anos seguintes. É a época do último Francis, que decide se auto-exilar definitivamente em Nova York, financiado pela Rede Globo, e dá constantes bananas ao provincialismo brasileiro. “Somos um país de jecas”, afirmava. Contudo, não hesitava passar as férias de verão no Rio de Janeiro, onde sempre era convidado para uma entrevista no Roda Viva da TV Cultura. Durante as férias de Natal ia sempre a Paris, onde se extasiava com a beleza da catedral de Notre-Dame e adorava escutar uma missa em latim. Para quem era fã de Trotski, isso era uma atitude assombrosa. Mas sabe-se que Francis nunca foi dogmático em suas opiniões, apesar do suposto radicalismo, e o que era mais inusitado era dar uma volta de 180 graus, e de socialista sonhador se transformar no mais implacável dos liberais – tão implacável que até Roberto Campos se assustava com o que Francis dizia.

Conforme o leitor lê este texto, as contradições que impulsionavam a vida de Francis são claras. Ele adorava declamar Walt Whitman em pleno Manhattan Connection, para confundir seu colega sempre certinho Caio Blinder: “I contain multitudes”. Esta variedade de personalidades dentro de uma máscara podia chegar a uma esquizofrenia estéril, mas o que lhe dava a sua unidade era um implacável senso de determinação. Ele sabia o que queria, sabia como chegar ao que queria – no entanto, só não conseguiu o que queria. Eis aí a tragédia de sua vida, a encruzilhada que transformou uma suposta caricatura numa tristeza ímpar. Na sua impossibilidade, Paulo Francis não é apenas o paradigma do jornalismo sem concessões; ele é um modelo da consciência do fracasso, mas também de sua superação.

O jornalismo é o relato dos fatos de um cotidiano que, um dia, torna-se-á história. O crítico cultural é obrigado a refletir sobre eles no calor da hora, sem a possiblidade de ver algo mais além do tempo atual. Os grandes jornalistas, como Samuel Jonhson, Jonathan Swift, George Bernard Shaw, H.L. Mencken, Edmund Wilson, Robert Hughes, Otto Maria Carpaux, Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Truman Capote, Gabriel Garcia Márquez e o próprio Paulo Francis, são capazes de ver os fatos e analisá-los atravessando o presente, independente de suas formações ideológicas e intelectuais. Há uma sub specie aeternis que liga estes sujeitos tão díspares, mas também um compromisso formidável com a inteligência do leitor. Eles nunca subestimaram o companheiro silencioso que ficava no outro lado da página, e o que mais queriam era que a irritação os consumisse, pois, como diria Philip Roth, “você precisa ficar irritado para começar a ver alguma coisa”. Francis exibia uma irritação considerável com o estado de coisas, e quando trocou seu esquerdismo por uma posição mais liberal, explicou sua decisão da maneira mais clara e direta possível: “O esquerdista é burro”. Para este tipo de jornalismo, a burrice é sinônimo de morte, e a pior morte possível: a do espírito. Mesmo com seu ceticismo (“Faz bastante tempo que me convenci de que a vida não tem pé nem cabeça, que religião é uma tentação emocional resistível, porque não faz sentido. E ideologias, waaal”), em contrapartida promovia uma liberdade de consciência que não fazia  feio a um Voltaire. “Não mudei muito desde que percebi que podia pensar sem que fosse mero reflexo de uma necessidade”, escreveu naquele prefácio curto e revelador de “O Dicionário da Corte” em 1996. “Olhar para si próprio como alguém de fora é uma sensação saborosa; de poder? Em parte sim, mas é também um prazer sensorial, estético e filosófico. O grande momento da minha vida foi quando percebi as possibilidades da imaginação. Foi como o macaco de 2001 ao descobrir o uso agressivo de uma ossada animal. Escritores me revelaram maneira de ver, de entender, de formular questões de comportamento e o próprio ato de pensar. A metáfora de Platão sobre a caverna, onde pobres diabos se adaptam à sua condição sem sequer notar o mundo rico e variado às suas costas, é o princípio da alfabetização intelectual”.

Francis aceita a complexidade do mundo e a única forma de retratá-la é através das “possibilidades da imaginação”. De novo, a ambição literária invade as brechas do seu projeto jornalístico. O fato de ter sido um escritor frustrado não o torna um fracassado convicto – talvez seja justamente por ter o dom particular da determinação de ultrapassar a prisão do tempo, característica marcante dos homens do espírito, que faz o seu jornalismo uma espécie de literatura. Neste sentido, Paulo Francis pode ser considerado o nosso Karl Kraus. Seus chistes, boutades, e opiniões hilárias, fazem parte do repertório popular e qualquer um com dois dedos de testa gostará de saber qual era a sua visão de um determinado assunto. Mas, atualmente, são poucos que ainda têm este hábito. Com sua morte, Paulo Francis foi vítima da lavagem cerbral esquerdosa, que, pouco a pouco, coloca-o no nível de um pagliacci. Seus leitores sabem que ele foi mais que isso; contudo, o tempo aprisionou a obra de Francis em uma jaula estranha, em que a procura pela liberdade intelectual se torna a busca pela superação de seus limites, e esta superação fica no meio fio entre o esquecimento e a permanência da memória.

Francis era um sujeito divertido que podia cantar “Chiquita Bacana” com Nelson Motta com a maior cara do pau, mas a citação que sempre me lembrei foi quando ele criticou o filme “Razão e Sensibilidade”, com Emma Thompson, baseado no clássico de Jane Austen. Fã da escritora inglesa, Francis deu uma bronca em Caio Blinder e Lucas Mendes ao ouvir que Austen era boba e ingênua por escrever romances sobre moças e moços apaixonados, e seus amores não correspondidos. “Vocês são umas bestas!”, ele resmungou com um brado, “Não há dor mais cruel e profunda que a do amor em vão”. Era um momento de poesia no meio de um programa que sempre foi uma conversa de botequim. Com aquela resposta, pude ver, pela primeira vez, a humanidade trágica de Paulo Francis. Talvez ele fosse mais um sujeito que cantasse a famosa reclamação de Antonio Maria: “Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de Baudelaire”. Mas também era claro que não queria ser amado indiscriminadamente. Queria ser apenas lido – era, como o próprio disse, “uma forma de existir”.

A obra-prima de Franz Paul Heinborn foram os seus quinze anos de “Diário da Corte”. Ao contrário de Karl Kraus, que nos deixou pelo menos uma gigantesca peça de teatro, Os últimos dias da humanidade, Francis não deixou uma novela, um romance ou uma peça teatral que possa dar uma unidade de seu pensamento. O que se tem são retalhos brilhantes, mas, ainda assim, retalhos. Nada mais jornalístico, nada mais humano. Seria ele um mero farrapo? Yeats dizia que o intelecto do homem tinha de escolher entre a perfeição da arte e a desordem da vida. Francis queria a primeira, e acabou aceitando a segunda. Isso não o torna uma colcha de panos pobres; torna-o, isso sim, surpreendentemente próximo de nós. Por isso, não devemos encerrar nosso afeto por ele e jogá-lo na vala do esquecimento. Com todas as suas falhas, Paulo Francis, no fim, nunca perdeu sua dignidade. E na hora da realidade implacável isso é a única coisa que importa, e é também algo que o jornalismo brasileiro está prestes a perder. Waaal, que emocionante, diria ele deste texto. Mesmo com sua ironia cortante, a única resposta possível para recuperar esta mesma dignidade é dizer apenas: “Obrigado”.

(2001)

22 comentários em “O farrapo que se encerra?

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  2. Martim,
    O seu artigo está excelente, mas tem um grande defeito para mensagens intelectuais na era digital: é enorme!
    Você deveria tê-lo dividido em partes. Ficaria muito mais acessível ao leitor culto, porém ocupado, que tira uma horinha do dia para navegar e ver o que tem de bom nos sites culturais da internet.
    Espero que refaça o ensaio sobre o Francis, dividindo-o para despertar mais discussões. Ele merece, porque foi, com certeza, uma das cabeças mais inteligentes, eruditas, sérias, contraditórias e apaixonadas que conheci em minha geração.
    Só para ajudá-lo na tarefa, caso você queira realizá-la: o amor de Francis por Trotsky explica-se: o grande revolucionário, ao contrário dos seus parceiros bolcheviques, era amigo e admirador de Yessienin e de Maiakovski. Também admirava a psicanálise e a arte moderna, coisas que até os tempos de Kruschiov eram anátemas na URSS. Trotsky esculhambava o “realismo socialista” e a chamada “cultura proletária”, pois dizia, em excelentes ensaios literários, que o que existia eram o “realismo” e a “cultura” sem rótulos. Segundo Trotsky, colocar marcas neles era pura imbecilidade de quem nem era “realista” nem era “culto”.
    Trotsky era revolucionário, mas não era “esquerdista” no sentido dado por Lênin ao termo em seu “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo”.
    Acho que eram a honestidade intelectual, o brilho da prosa, a valentia física e moral, a enorme cultura e a abertura de Trotsky para coisas que estavam além do dogmatismo e da estreiteza mental do Partido, o que fascinava Francis na pessoa do bolchevique russo.
    Acho que os dois tinham muito mais pontos em comum do que imaginamos.
    Grande abraço

  3. Martim, sou obrigada a concordar com o comentário do Virgilio, leio quase todos seus artigos, mas esse ficou realmente longo, por ser algo para ser apreciado com calma… nos nossos dias curtos.
    Conheci Francis só depois que tinha morrido, lamentei nunca ter visto um ao vivo, mas fico feliz apenas em saber que há homens como ele, legal a lembrança!

  4. Caros Pri e Virgilio:
    Desculpem-me, mas a brevidade nunca foi o meu forte. Contudo, talvez eu tenha mesmo de escrever artigo cada vez mais longos – apesar deste ser uma republicação de um texto antigo, dos tempos de O Indivíduo – justamente porque não existem mais pessoas que os lêem. Portanto, aguardem os próximos, que serão cada vez mais quilométricos e ilegíveis, talvez a minha homenagem ao Mencius Moldbug (conhecem?). Communication breakdown, it´s always the same, já gritava o Robert Plant para quem quisesse ouvir.
    Abraços
    Martim

  5. Fazendo uma ligação entre este post e o anterior de Joel Pinheiro, me recordo que as páginas que retratam a juventude de Francis no Afeto que Se Encerra (diz a anedota que a continuação do livro teria o título de Em Nosso Peito Juvenil) estão cheias também de pornografia literária autobiográfica. Lá ficamos sabendo que a tal “revolução sexual” dos anos 1960 foi só um movimento de publicização e escancarização daquilo que pegavo fogo na moita, atrás do “Muro de Berlim”, nas ocultas dos anos 1930-1940. “Se se trepava, não era costume alardear. Hoje quem não alardeia corre o risco de ser considerado impotente ou coisa que não quer revelar.” Eram os anos dourados, turbinados pelo pó branco que Fernando Sabino confessou, numa palestra na Universidade Federal de Viçosa em 2001, ter feito muito uso naquela época em Copacaban, “embora naquela época fosse um uso romântico, não como hoje que tem essa coisa do tráfico de drogas, etc…”, dizia. Mas a orgia cansa, cansa como no final de La Doce Vida (filme este muito amado por Francis), da mesma época, cujo fim é uma festa que termina mal e o personagem de Mastroiani acaba deprimido na praia, junto de uma baleia morta, olhando para uma garota que era uma anjo de pureza, talvez sua salvação.

    Esse mesmo ennui pós-orgia Francis não deixa de relatar:

    “O corpo excepcional (em média) das participantes e “convocadas”, uma vez provado no café, almoço, lanche, jantar e ceia, se torna tão atraente quanto o saco de batatas que evitávamos na rua.”

  6. Guilherme e Martim,
    Não tem nada a ver com qualidade, brevidade ou grande extensão do texto; tem a ver com o meio de comunicação (internet) utilizado para veiculá-lo.
    Eu mesmo tenho um blog (virgiliocamposhistoriaantiga.blogspot.com) que é frequentado por estudantes e fãs de história como eu. Jamais faço um post com mais de página e meia porque sei da escassez de tempo para ler que a vida moderna oferece.
    A não ser quando leituras demoradas são essenciais ao exercício de profissões específicas, ou se está de férias, a grande maioria não lê ou lê apressada. Infelizmente, esta é a verdade.
    A pouco abordei no blog a guerra na Gália entre o romano Aécio e o huno Átila: resumi o texto ao máximo, lhe dei estilo romanesco e o dividi em quatro posts para que a moçada estudiosa, mas carente de tempo, o absorvesse ao máximo. Recebi visita de tudo quanto foi lugar do mundo!
    O artigo do Martim é maravilhoso e enfoca um cara notável de quem tive a honra de ser contemporâneo. Por isso gostaria que ele fosse até acrescido de mais informações, tipo as que sugeri sobre os motivos que levaram o Francis ao trotskismo, e fosse lido pelo maior número possível de pessoas.
    A melhor forma de alcançar este objetivo na internet, que julgo ser o de todos nós, é dividí-lo em posts sucessivos com intervalos de 3 ou 4 dias, tempo bastante para que seja digerido e discutido.
    “Data venia, este é o meu parecer sub censura”!

  7. Eu me lembro de ler o Diário da Corte no Estadão, quando era adolescente. Não entendia metado do que ele escrevia, mas por algum motivo eu gostava, me divertia com o que conseguia entender. Acho que eu nutria uma certa invejinha dele, por morar em Nova Iorque, ter uma vida cultural tão rica, escrever o que lhe dava na telha e ainda ser pago para isso.
    Dizem que muito do que ele escrevia não estava correto, que cometia erros crassos, mas eu não tenho autoridade para dizer se isso é verdade. Certo ou errado, ele escrevia de uma forma tortuosamente divertida. Tanto é assim, que conseguiu conquistar a atenção de um adolescente brasileiro, interiorano e semi-analfabeto em termos de alta cultura.
    Só sei que, para o bem ou para o mal, não há mais ninguém como ele no jornalismo atual.

  8. Ricardo,
    É verdade que o Francis chutava muito e cometia erros crassos. Eu mesmo o flagrei numa entrevista à Playboy nos anos 70 dizendo que os boers da África do Sul tinham “inventado” a guerra de guerrilhas no final do século XIX. A coisa era ofensiva a nós pernambucanos, que conduzíramos, entre 1646 e 1654, uma vitoriosa guerra de guerrilhas contra o exército holandês, provado nas guerras da Flandres contra a Espanha e um dos mais treinados e poderosos da Europa na época. Escrevi um artigo no vetusto Diário de Pernambuco, reproduzido em outros jornais dos “Diários Associados”, onde lembrava que Sun Tzu já tratava do assunto em seu “A Arte da Guerra”, escrito 500 anos A.C. e largamente utilizado pelo Vietkong na guerra do Vietnã (hoje o livro faz parte do currículo das academias militares americanas). Não sei se o Francis tomou ciência do modesto artigo de um nordestino, mas a afirmação dêle mostrava que ele não sabia história e não lera o livro do Sun Tzu, já muito falado na época.
    Mas isso importa pouco. O que importa é, como você bem disse do Francis, “para o bem ou para o mal, não há mais ninguém como ele no jornalismo atual”!
    Grande abraço

  9. Onde está o seu condensend MVC então? rs
    Nunca tinha ouvido falar desse Moldbuggery…
    é só uma opnião, pode ser descartada, é mais egoísta mesmo, é que li já duas vezes o seu post, e acho que fica não sei, parece que não li tudo direito.
    Ah, o Plant a gente é apresentado durante o colegial não é, bom, bons longos posts para você, enquanto forem bons continuarão a ser lidos,
    e grata pelas apresenteções, rs.

  10. Caro Virgilio, vou passar o próximo fim-de-semana diante dessa tela de computador para ler todo o seu blog; embora seja muito, muito desagradável ler pelo PC. Seus textos valem todo o esforço. Meus parabéns!

  11. Realmente o que importa é a honestidade intelectual. Em entrevista à Roda Vida ele disse que o Lula transformaria o Brasil num Sudão, isso pela opinião que o Lula teve a respeito do gato do jornalista, em seu apartamento em NY. Não leu direito se o movimento esquerdista que surgia transformasse o Brasil num Sudão ia ter que largar logo o osso, por isso o PT já mirava o exemplo chinês.
    Também não percebeu quão miserável era a figura do sr. Collor de Melo. Tendo Mario Covas pra votar, preferiu o playboy alagoano.
    Isso mostra que Francis não tinha medo de errar e por isso nao deixava de opinar.

  12. Obrigado Guilherme. Ficarei honrado. Quanto a ler na telinha do PC, é chato mesmo, sobretudo para velhinhos como eu, que cresceram e viveram lendo jornais, revistas e livros sentados em cadeiras de balanço ou deitados na rede do terraço. Ao surgir o PC, custei a me acostumar, e até há pouco só o usava como máquina de escrever (maravilhosa) e como Correios e Telégrafos (excelente). Foi quando um jovem amigo, inteligente, culto, bamba em PC e blogueiro, me incentivou a criar um blog sobre história (minha paixão) e me deu aulas de como montá-lo e operá-lo. Só então entrei fundo na internet, mas cônsio das suas limitações para a divulgação de textos longos, como o ótimo artigo do Martim sobre o Francis.
    É isso aí. Grande abraço.

  13. O Daniel Piza fez uma coletânea de frases do Francis, mas acho que é urgente que alguma editora reúna as colunas do Diário da Corte e as publique – ou, pelo menos, parte delas, não? Será que nem a Editora Francis se habilita?

  14. Pingback: Anzol Digital – Ed. 17 | supercaras

  15. É ISSO AÍ, MARTIM.
    APÓIO AS MISSIVAS LONGAS!
    CADA VEZ MAIS QUILOMÉTRICAS!
    ABAIXO A BREVIDADE E A MEDIOCRIDADE !
    ABS
    ADRIANO T CANEDO

  16. Parabéns pela homenagem. Você olha para traz sem o medo de quem olha para um precipício e extrai reflexões muito interessantes do pensamento do Paulo (nunca me esqueço quando ele se referiu ao FHC como “Fernando” no Manhatan….”Fernando o que vc vai fazer para o Brasil entrar no século XX antes que ele acabe?”).
    O primeiro comentário ao seu texto (acima) reflete bem o tipo de provincianismo que tanto o irritava. Veja: o internauta a) pressupõe que é um intelectual e que pertence a esta camada “especial” de leitores b) critica seu texto pelo tamanho, mas deixa uma mensagem enorme que faz cochilar qualquer usuário de ritalina. Waaal…

  17. Foi um enorme prazer ler esse artigo, você escreve maravilhosamente bem. Agora vou ler o blog todo, ansiosa.

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