O homem que sabia demais

Confúcio (551 A.C. – 479 A.C.) dizia que existem dois métodos para se destruir um gênio.

O primeiro é a supressão: isolam-no, envolvem-no em silêncio, enterram-no vivo. O segundo é a exaltação: transformam-no em um deus, algo muito mais radical e terrível, já que assim todos ficam aliviados, sem se importarem com a consciência pesada.

Este foi o caso de Samuel Johnson (1709-1784), conhecido também entre os ingleses pela singela alcunha de “doutor”, autor dos “Escritos Políticos”, lançado pela Topbooks.

Não era propriamente um médico, mas sabia curar como poucos dois elementos que, se estivessem muito doentes, contaminariam a sociedade: a língua e a linguagem.

Muito antes de George Orwell, Jonhson reconhecia que a base de uma nação saudável era a relação correta entre as palavras, as coisas e os sentimentos.

Talvez por isso tenha sido colocado de escanteio nos nossos dias: sabia demais. No seu país natal, mesmo tendo criado o primeiro dicionário sistemático da língua inglesa e analisado as obras completas de Shakespeare e Milton, é tratado como uma peça arqueológica.

A publicação de “Escritos Políticos” vem para sanar tal problema. O fato é extraordinário – e deve ser celebrado no Brasil com rojões, já que aqui os métodos apontados por Confúcio são usados com mais eficácia do que na Inglaterra.

Ao desvendar o pensamento político de Johnson, surgem as perguntas. Seria ele um “tory” (conservador)? Um “whig” (progressista)? Não sabendo em qual categoria classificá-lo, suprimem-no; depois, não sabendo o que fazer com o próprio Johnson, colocam-no em um pedestal.

O que fica evidente ao ler os seus ensaios políticos é que o seu modo de pensar a sociedade do seu tempo também se estende para o nosso tempo. Ele não está petrificado em ideologias e sim apoiado em princípios de natureza humana dramatizados com recursos de retórica, repletos de ironias, atento para as brechas dos jargões políticos em que se vislumbra um pouco da verdade de todos nós.

A política não está dissociada da moral, como podemos ler nos textos “O mármore de Norfolk”, “O alarme falso”, “O patriota” e “Tributação, não tirania”. Para Johnson, o maior crime da sociedade não é apenas o abuso de poder, mas sobretudo a hipocrisia, cuja acusação recai sobre os colonos do Novo Mundo que, ao desejarem independência da coroa britânica, esqueceram-se que tinham um dos maiores sistemas de escravidão mundial.

Eis aí a prova de que ainda existiu alguma sabedoria na política, mesmo que hoje isso nos pareça um oxímoro.

Estes são os paradoxos que os gênios fazem por nós. Ora, não estaríamos assim alçando-o em um pedestal? Talvez sim, talvez não. Mas, como diria o próprio Samuel Johnson, os homens precisam ser mais lembrados de certas verdades do que apenas ser informados. Somos os humildes aprendizes desta função.

3 comentários em “O homem que sabia demais

  1. Ótimo o texto. O autor conseguiu falar e analisar o essencial em um texto bem enxuto. Para o Martim Vasques da Cunha é uma grande façanha!!! Ele sempre produz belos e corretos textos, embora um tanto longos. Este está magnífico! Parabéns ao autor do post e à DICTA!

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>