Odisseia Cinematográfica

Marlene Dietrich e Gary Cooper em Morocco, 1930.

Começou com Morocco, de 1930. Anos atrás, antes mesmo da faculdade de cinema, tinha visto The Blue Angel, outro filme do diretor Josef von Sternberg com Marlene Dietrich e percebi como os dois eram diferentes. Em Angel, a mulher é basicamente o demônio (as décadas de 20 e 30 são repletas de mulheres más, que acabam com as vidas de homens devotamente apaixonados, como Louise Brooks em Pandora’s Box, de 1929). Já em Morocco, Dietrich é sim apresentada como uma sedutora, mas não é simplesmente , ela tem um histórico de sofrimentos, o filme a trata com piedade e o seu final é redentor. Pensei, então, em ver os outros filmes do Sternberg com a Dietrich, para tentar entender qual era a sua figura feminina definitiva, se era a maldosa ou aquela que se sacrifica pelo homem. Então, logo em seguida, vi o maravilhoso Shanghai Express, de 1932, e Scarlett Empress, de 1934, que não me agradou tanto. Desde então, vi outros filmes da dupla (eles fizeram sete) e alguns sem a Dietrich também. Qual é a visão de Sternberg sobre a mulher é algo que rende um outro texto. Importa agora que foi assim que começou a minha odisseia cinematográfica; com a curiosidade por único filme, depois pela parceria de um diretor com uma atriz, depois pelo conjunto da obra desse diretor e então por um período todo.

Quis ver outros filmes de Hollywood anteriores ao código de 1934 que regulava a violência, a nudez, as temáticas do sexo, do crime, do adultério, do suicídio, etc.. Antes disso, tudo era permitido. Vi The Public Enemy, Little Caesar (ambos de 1931) e Scarface (de 1932) – todos clássicos do cinema de gangster desse período. Curioso notar, porém, que mesmo com toda a violência, os filmes são moralistas; criticam os políticos que não faziam nada para resolver o problema das máfias dominando as cidades e, muito mais importante, o gangster sempre acabava mal. Mesmo sem o código, a mensagem era de que o crime não compensava. A violência servia justamente para mostrar como não compensava. O mesmo valia para o sexo. Em Baby Face (1933), Barbara Stanwyck seduz homem por homem para avançar profissionalmente. No fim, se arrepende dos inúmeros casos que teve e deseja se tornar uma mulher de um homem só. O código de 34 era, portanto, uma besteira.

Assisti The Testament of Dr. Mabuse (1933) do Fritz Lang e percebi, então, como precisava ir além dos títulos mais famosos de certos diretores. De F. W. Murnau, só tinha visto Sunrise (1927) e Nosferatu (1922), resolvi então ver também Faust (26), Tabu (31) e The Last Laugh (24). Acho o The Last Laugh o melhor de todos, pois nunca tinha visto um filme mudo que dependesse tão pouco da palavra escrita. A maior parte da história é contada apenas por imagens, pela atuação do ator soberbo que era Emil Jannings. Outro incrível com o Jannings, e dirigido pelo Sternberg, é The Last Command (28), sobre um antigo oficial militar da Rússia czarista que vai trabalhar como extra em Hollywood sob um diretor que era um revolucionário, interpretado por William Powell.

Câmera presa ao cavalo no set de filmagem de Napoléon, 1927.

Seguindo com a ideia de ver outros títulos de diretores que eu já sabia que eram bons, fui atrás também de Carl Th. Dreyer, D. W. Griffith, Ernst Lubitsch, Raoul Walsh, Howard Hawks, G. W. Pabst, Frank Capra, Victor Fleming, Michael Curtiz, George Cukor, William Wyler, Billy Wilder e, é claro, Hitchcock. Uma das vergonhas da minha vida é só ter visto Spellbound (1945) agora em pleno ano de 2012 – por que não vi antes, meu Deus? Mas tenho o orgulho de dizer que, pelo menos, assisti o inovador Napoléon (1927). A obra-prima de Abel Gance é um filme mudo com duzentos e vinte e dois minutos de duração e em nenhum momento é remotamente monótono como qualquer coisa que Ingmar Bergman tenha feito. Vi também o filme que inspirou o próprio Bergman a fazer cinema, The Phantom Carriage (que inspirou também a cena das machadadas na porta de The Shining, de Kubrick) e o filme de 1921 é bem menos soporífico do que o diretor sueco.

Vi a primeira cena de orgasmo da história da cinema – Hedy Lamarr em Ecstasy, de 1933. Além de Marlene Dietrich, fui atrás também de Greta Garbo, Jean Harlow, Norma Shearer, Carole Lombard, Barbara Stanwyck, Bette Davis, Clara Bow, Gloria Swanson, Lillian Gish, Louise Brooks… Entre os homens, procurei por James Cagney, Humphrey Bogart (interpretando o vilão de vários filmes), Gary Cooper, Clark Gable, Spencer Tracy, William Powell, Robert Mitchum. No meio de tantos filmes inéditos para mim, revi North by Northwest, dessa vez em bluray, e confirmei o que eu já pensava: apesar da competição masculina fortíssima (pelo menos nesse período do cinema), Cary Grant ainda é o melhor.

Mas nem tudo é beleza. Tenho um carinho especial pelo gênero de terror porque penso, sinceramente, que o terror nos mantém mentalmente saudáveis; é vivendo o horror na ficção e não na realidade que exorcizamos o que há de pior em nós mesmos. Comecei, então, a assistir todos os clássicos (e não tão clássicos assim) da Universal como Dracula, Frankenstein, The Wolf Man e suas incontáveis sequências (quem disse que sequência é coisa nova?) como, por exemplo, The Bride of Frankenstein, Dracula’s Daughter, Frankenstein’s Son, The Ghost of Frankenstein ou House of Dracula. Entre os primeiros clássicos de terror da Universal, destaco The Cat and the Canary (1927), inventor do famigerado corredor sombrio, o eficaz The Old Dark House (1932) e, é claro, os filmes de Lon Chaney Sr., mestre da maquiagem de terror, como The Hunchback of Notredame (1923), The Phantom of the Opera (1925), He Who Gets Slapped (1924) e The Unknown (de 1927).

Boris Karloff em The Body Snatcher, filme produzido por Val Lewton em 1945.

Fui atrás dos filmes menos famosos de Boris Karloff e Bela Lugosi, me deparei com Val Lewton, produtor de filmes de terror para a extinta RKO, elogiado por Scorsese, que inaugurou na década de 40, um terror mais psicológico, sem monstros, muito antes de Hitchcock surgir com Psycho em 1960 – recomendo absolutamente todos os filmes de terror produzidos por Val Lewton. São todos bonitos e sutilmente perturbadores. Seguindo pelo mesmo caminho, acabei enveredando por Roger Corman e suas adaptações de Poe com o Vincent Price nos papéis principais – todas divertidas e muito coloridas, com uma direção de arte que às vezes rouba a cena dos demais elementos.

Vi uns oito ou nove filmes de Harold Lloyd, me sentindo culpada por não conhecê-lo tão bem como Chaplin ou Keaton. São engraçados, mas Keaton é muito superior.

Desde começo de junho, assisti a pouco mais de cento e trinta filmes, a grande maioria anteriores a década de 40 (tenho listado todos os filmes que vejo e, para cada doze, publico no facebook, dizendo quais foram os meus favoritos de cada leva). Enquanto a odisseia cinematográfica não atrapalhar outras obrigações, vou continuar. Estou vendo mais filmes do que vi quando estava na faculdade de cinema, talvez porque naquela época cada filme assistido tinha de ser cuidadosamente estudado de certos pontos de vistas que nem sempre eram os meus, mas impostos pelos professores (além de precisar ver filmes que eu não tinha interesse em ver, que dirá analisar). Agora eu posso ver filmes simplesmente pelo meu prazer e interesse. E só tenho ganhado novos filmes favoritos, ainda que sejam antigos.

Se realmente gosta de cinema, recomendo que não fique vendo filmes a esmo, sejam eles recentes ou não. A chance de você não gostar de algo quando não há critério mínimo de escolha é muito maior. Procure pelos diretores que você admira, pelos atores que você conhece ou gostaria de conhecer, pelos gêneros, pelas décadas favoritas e também por aquilo que sobreviveu ao teste do tempo. Não acredito que os filmes de antigamente eram melhores do que os de hoje em dia. Acredito sim que os melhores títulos chegam até nós, enquanto os piores são esquecidos e por isso temos a ilusão de que tudo era bom. O tempo, de fato, separa o que é memorável do que não é. E por isso que é bom assistir filmes com uma certa distância temporal. Veja o que queria ter visto, mas ainda não viu. Há coisas fascinantes que ainda não tomamos conhecimento e que estão apenas esperando por nós. O IMDb é seu amigo.

Mais algumas recomendações:

–        It (1927, Clara Bow)

–        Dishonored (1931, Josef Von Sternberg, Marlene Dietrich)

–        Platinum Blonde (1931, Frank Capra, Jean Harlow)

–        Red Dust (1932, Victor Fleming, Clark Gable, Jean Harlow)

–        Design for Living (1933, Ernst Lubitsch, Gary Cooper)

–        Twentieth Century (1934, Howard Hawks, John Barrymore, Carole Lombard)

–        Of Human Bondage (1934, Leslie Howard, Bette Davis)

–        Libeled Lady (1936, Jean Harlow, William Powell, Myrna Loy, Spencer Tracy)

–        Pygmalion (1938, Leslie Howard)

–        Wuthering Heights (1939, William Wyler, Laurence Olivier, Merle Oberon)

–        Rebecca (1940, Hitchcock, Laurence Olivier, Joan Fontaine)

–        Mr. & Mrs. Smith (1941, Hitchcock, Robert Montgomery, Carole Lombard)

–        To Be Or Not To Be (1942, Ernst Lubitsch, Carole Lombard)

–        To Have and Have Not (1944, Howard Hawks, Bogart&Bacall)

2 comentários em “Odisseia Cinematográfica

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