Oito anos depois…

Já podemos afirmar que ninguém mais se importa com o que aconteceu no dia 11 de setembro de 2001? Creio que sim. Agora todos estão preocupados com o economic meltdown – que, por coincidência, também aconteceu por volta deste mês -, com o plano de saúde de Obamis, com a barriguinha da Penélope Cruz, etc. Enfim, repete-se o adágio: o esquecimento é a nossa única herança.

Contudo, é só ler os jornais – este pão nosso de cada dia que Hegel afirmava ser a sua Bíblia matinal logo que acordava – e perceber que há uma estranha sombra pairando sobre todos nós. Hugo Chávez faz negócios com o Irã; a questão Israel e Palestina está longe de ser resolvida; o Irã e a Coréia do Norte continuam com seus programas nucleares; o nosso Supremo Tribunal da Justiça está prestes a julgar se deve ou não aceitar a extradição de um reconhecido terrorista italiano; e, last but not least, a Europa não sabe o que fazer com a invasão populacional do Islã em suas grandes capitais. Isso sem contar, é claro, na Guerra do Afeganistão, rebatizada pelo pacifista Obamis, e o aumento de escala exponencial do terrorismo em todo o mundo.

Mas isso não é nada perto daquilo que James Bowman, em um artigo muito pertinente publicado na última The New Criterion, chamou de “a morte da honra” (A Bias against Honor, infelizmente ainda não disponível no site do jornalista). A partir de uma matéria do The Washington Post sobre como estavam algumas famílias de vítimas do 11 de setembro depois de oito anos, sabemos que muitas delas, por exemplo, e apesar de serem democratas convictas, não vêem com bons olhos todo o “papo humanitário” que o governo Obamis realizou sobre as chamadas “torturas” em Guantanamo. O que elas mais desejam, obviamente, não é apenas uma reparação, mas, sobretudo, uma espécie de justiça. É claro que – e o René Girard dentro de mim começa a coçar logo os dedos – posso entender isso como vingança ou retaliação. Mas aqui vem a pergunta que não quer calar: será que a justiça não vem antes de qualquer espécie de perdão?

Outro exemplo da tal “morte da honra” – que, na verdade, é apenas um outro caminho para a vitória do esquecimento – é a tal carta testamento que Ted Kennedy escreveu ao Papa antes de morrer devido a um furioso tumor cerebral. Recentemente, li um artigo de uma dessas jornalistas brasileiras que moram em Nova York e que sempre agem como jecas quando se trata dos Kennedy e do chamado “pensamento democrata liberal americano”. Apelidava Ted de “O Leão do Senado” ou algo que o valha. Vamos deixar uma coisa clara: Ted Kennedy foi o responsável de, no mínimo, ter se omitido a ajudar a sua secretária Mary Jo Kopechne enquanto ela se afogava no fundo do lago Chappaquiddick. Não foi um “leão” em hipótese nenhuma: até hoje nunca ficou explicado por que demorou nove horas para chamar a polícia e por que, nesse meio tempo, resolveu falar com seus advogados e deixar que o seu “nível alcóolico” diminuísse. (A propósito, este foi um evento que quase passou despercebido nos obituários hagiográficos sobre Kennedy). Além disso, foi um político que apoiou entusiasticamente medidas pró-aborto, pró-casamento gay, de controle de natalidade, e como se não bastasse, usou o seu tumor cerebral como bandeira para a reforma de saúde que Obamis quer fazer nos EUA.

Entretanto, em sua carta ao Papa, o que ele escreve?

Most Holy Father

I am writing with deep humility to ask that you pray for me as my own health declines.

I was diagnosed with brain cancer more than a year ago and although I continue treatment, the disease is taking its toll on me. I am 77 years old and preparing for the next passage of life. I have been blessed to be part of a wonderful family and both of my parents, particularly my mother, kept our Catholic faith at the center of our lives. That gift of faith has sustained and nurtured and provides solace to me in the darkest hours. I know that I have been an imperfect human being, but with the help of my faith I have tried to right my path.

I want you to know Your Holiness that in my nearly 50 years of elective office I have done my best to champion the rights of the poor and open doors of economic opportunity. I have worked to welcome the immigrant, to fight discrimination and expand access to health care and education. I have opposed the death penalty and fought to end war.

Those are the issues that have motivated me and have been the focus of my work as a United States senator. I also want you to know that even though I am ill, I am committed to do everything I can to achieve access to health care for everyone in my country. This has been the political cause of my life.

Your Holiness, and though I have fallen short through human failings, I have never failed to believe and respect the fundamental teachings of my faith. I continue to pray for God’s blessings on you and on our church and would be most thankful for your prayers for me.

Reparem, como bem observou James Pierson em texto que medita sobre as implicações desta carta, que Ted Kennedy jamais faz referências às suas políticas a favor do aborto e do casamento gay. Como diria Jerry Seinfeld, not that it is anything wrong with that; mas se você está a escrever para o Papa – o doutor de uma doutrina que se opõe a tudo o que foi mencionado acima – e, especialmente em seus momentos finais, deveria ser um pouquinho honesto consigo mesmo.

Pierson também põe o dedo na ferida quando argumenta o seguinte:

What is most interesting about the letter, however, is its concise expression of the view that personal salvation can be achieved through liberal politics. Christians are enjoined to serve the poor and to atone for sins through sacrificial acts of charity and kindness. These have traditionally been understood as injunctions upon the individual person, but Sen. Kennedy gives them a political or legislative interpretation. He served the poor and sought penance for sins by deploying his political skills and influence to craft legislation “to open the doors of economic opportunity” and to “expand access to health care and education,” at the same time fighting against the death penalty and trying to end war. Sen. Kennedy won fame and prominence for these dedicated efforts on behalf of liberal programs and causes, and in the days after his death nearly everyone agreed that in doing so he had won redemption for past acts of carelessness and irresponsibility.

Para mim, isto é apenas mais um sintoma da “morte da honra”. Honra não é somente um “sentimento” de dignidade, de manter o respeito por si próprio; é talvez algo um pouco menos grandioso: a capacidade de alguém perceber seus próprios erros e saber que deve assumir a responsabilidade por eles – e que qualquer outra pessoa deve fazer o mesmo, seja um político, um cidadão comum e, sobretudo, um terrorista. O sistema jurídico serve justamente para reparar a honra daqueles que foram feridos e, assim, evitar o contágio de escalada violenta. Contudo, nos nossos dias, em que Ted Kennedy resolve esquecer o que fez de grave durante a vida toda e que ninguém mais se lembra do que aconteceu no dia 11 de setembro de 2001, a igualdade e a paz é o que corroem qualquer espécie de reparação. A nossa incapacidade de perceber o mal lógico que temos dentro de nós é o que provoca reações desesperadas como a do tal “Leão do Senado”. Queremos ser salvos pelo que supomos ser as nossas intenções mais puras e não pelas próprias ações. Queremos que todos vejam o que a mão direita faz pela mão esquerda e vice-versa. Afinal, o que se tem a perder quando o esquecimento é tudo o que resta no mundo segundo Obamis?

Da minha parte, vou fazer de tudo para não esquecer nem do que eu fiz, especialmente o mal que provoquei a algumas pessoas, e muito menos do que aconteceu no dia 11 de setembro, o dia em que, como bem disse W.B. Yeats, a terrible beauty was born.

12 comentários em “Oito anos depois…

  1. Preciso e cortante. Parabéns, Martim. Se o senso de honra decaiu na terra obâmica, nos sertões luláticos sequer nasceu.

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  3. Muito bom, muito bom.
    Esta carta é muito estranha: Como Cristão, ele deveria pedir perdão independente de eventuais coisas más que tenha feito. O Cristianismo não prega isto, a salvação e o perdão pelos seus pecados? Pois a carta de Ted mais parece um Curriculum Vitae enviado a Deus, como se provando que foi bom e que merece o céu, escondendo tudo o que fez de mal.
    E eu chamo atenção para o que Obamistas e outros mais tentam fazer: Transformar o 11/09 em algo como “Dia do Voluntariado” ( http://911dayofservice.org/ ).

  4. Sem querer fazer uma defesa expressa do senador Kennedy, mas acredito que ele não pode ser julgado por sem honra porque não citou tudo o que defendeu em vida. Se a igreja católica é contra o aborto por exemplo, isso não leva direto à ideia que todo católico deva ser contra o aborto. Somos livres para escolher.
    O senador perdeu mesmo a honra quando escreveu ao papa tentando “ganhar uma vaguinha no bonde que vai pro céu”, mostrando em seu “currículo” tudo o que fez de bom, como quem tenta passar em uma entrevista para emprego.
    Realmente, mais curioso da carta é ver como a ideologia liberal chegou ao ponto de divinização. Bom para nós, meros mortais, que podemos usar o trunfo liberal não só em política, mas tb na hora da morte. Amém!

  5. Excelente. Gostamos bastante de seus posts políticos, por assim dizer. E acrescente-se ao segundo parágrafo que as previsões astrológica anunciam algum evento sinistro ainda para este mês.

  6. Luiz Passos,
    “Se a igreja católica é contra o aborto por exemplo, isso não leva direto à ideia que todo católico deva ser contra o aborto. Somos livres para escolher.”
    Não, não é. Não no caso do aborto. Não em nenhuma questão de doutrina. Em muitas outras coisas se é livre para escolher, mas não em casos como o aborto.

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