Oscar 2013 – Parte 1

Não é todo ano que a maioria dos filmes indicados ao Oscar podem ser assistidos nos cinemas antes da cerimônia no último domingo de fevereiro. Abaixo, a primeira parte de um guia crítico (em ordem alfabética) com os títulos concorrendo aos principais prêmios. Há tempo suficiente para assisti-los e escolher os favoritos, pois mesmo que um Oscar não seja um símbolo incontestável de qualidade – vide Crash, Melhor Filme em 2005 – sem dúvida alguma que o prêmio abre portas para os vencedores, possibilitando que façam mais e mais filmes.

Amour/Amor (em cartaz)

5 indicações

Atriz, Filme, Direção, Filme Estrangeiro, Roteiro Original

Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, Amor talvez seja o melhor filme do diretor austríaco Michael Haneke (A Fita Branca, Caché, Violência Gratuita). Comprovando a máxima rodrigueana de que o amor nada tem a ver com felicidade, conta a história de um casal já na faixa dos 80 anos, com filhos e netos criados vivendo suas próprias vidas. Durante o café da manhã, Anne (interpretação da veterana Emmanuelle Riva, de Hiroshima Meu Amor) sofre um derrame. Sua saúde vai se deteriorando ao longo do filme, enquanto seu marido Georges (Jean-Louis Trintignant) permanece ao seu lado, responsável pelas suas necessidades mais básicas até o fim. Sabemos que ela vai morrer – logo na primeira cena, os bombeiros arrombam o apartamento do casal e a encontram morta na cama, cercada de flores – mas faz parte da natureza humana desejar que o inevitável não aconteça e torcer pela sua reabilitação. Pela sinopse, parece que Amor é um dramalhão repleto de demonstrações fajutas de amor e coragem, mas não é assim. Trata-se de uma obra extremamente madura e sincera, que aborda até os piores momentos com elegância e sutileza. Amor concorre na categoria de Roteiro Original, mas parece algo baseado em uma história real. Trata-se de uma história tão familiar que é impossível não traçar paralelos com nossos pais, nossos avós ou, em última instância, nós mesmos. Afinal, quando a beleza e a juventude se vão, o amor assume outras características que muitos de nós sequer desconfiam.

 

Argo (em cartaz)

7 indicações

Ator Coadjuvante, Filme, Edição, Trilha Sonora, Edição de Som, Mixagem, Roteiro Adaptado

Depois de Amor, Argo é o que mais merece o Oscar. Trata-se de um filme simples, mas inteligente, inusitado, que consegue a proeza de manter o espectador tenso por todo o tempo sem dispensar o senso de humor. É também sobre Hollywood (sem ser meta-moderninho), sobre como o governo americano deixou o Canadá bancar o herói para proteger o segredo de uma missão de resgate que realmente ocorreu. Tudo sobre Argo é incrível e recompensador. A indicação de Ben Affleck como Melhor Diretor era praticamente certa, mas não aconteceu. Pouco depois dos indicados ao Oscar serem anunciados, Affleck ganhou o Critics Choice Awards de Melhor Diretor e discursou, “Eu gostaria de agradecer à Academia…Brincadeira! Esse é o que conta de verdade!” Melhor resposta possível.

Minha resenha do filme aqui.

 

Beasts of the Southern Wild/Indomável Sonhadora (estreia prevista para 22/2)

4 indicações

Atriz, Filme, Direção, Roteiro Adaptado

Um acontecimento raríssimo: a cretinice do título brasileiro – só tias-avós podem gostar de algo chamado “Indomável Sonhadora” – combina com a cretinice do filme em si. Trata-se de uma porcaria mal filmada, com câmera perpetuamente tremida (de propósito, claro, mas um acidente seria muito melhor) situada em um aparente cenário pós-apocalíptico concebido pelo Al Gore. É como a junção de uma Amélie Poulain retardada com Uma Verdade Inconveniente sob efeito de drogas. Só consigo entender o sucesso de crítica de Indomável Sonhadora por causa dos elementos de ambientalismo que o diretor arrasta para a trama pseudo-tocante que é, na verdade, irritante e sem razão de ser. Um filme para aqueles que quando crianças prenderam sacos plásticos nas cabeças, cortaram o oxigênio do cérebro e agora só usam ecobags. Outra coisa: certeza que a menina só foi indicada ao Oscar porque queriam ter na mesma categoria uma atriz de 85 anos (Emmanuelle Riva) e outra de 9 para a mídia toda ir ao delírio.

 

Django Unchained/Django Livre (em cartaz)

5 indicações

Ator Coadjuvante, Filme, Fotografia, Edição de Som, Roteiro Original

Em geral, gente que não costuma gostar dos filmes do Tarantino – gente adulta demais para mim – costuma gostar de Bastardos Inglórios, uma obra mais contida nas referências pop e com um contexto histórico (repleto de liberdades poéticas, claro) que serve de desculpa para os mais adultos sentirem prazer com toda a violência. Afinal, uma violência absurda contra nazistas é muito mais fácil de engolir do que uma longa luta de espada com 88 membros mascarados da yakuza. Assim, Bastardos Inglórios passa essa impressão de ser mais maduro, mais sóbrio e não tão fantástico quanto seus outros filmes (com exceção de Jackie Brown). A primeira metade de Django Livre é assim. Tirando a trilha sonora e alguns movimentos de câmera que prestam homenagem aos anos 70, é como um filme dos irmãos Coen; engraçado, com situações e diálogos inusitados, mas também sério, denso. Não há como abordar a escravidão no sul dos Estados Unidos sem alguma seriedade, mas também não há como Tarantino fazer algo sem algum senso de humor – do começo ao meio, tal mistura é digna de mestre, mas também um tanto melancólica: o diretor finalmente cresceu? Com uma explosão insana de violência inacreditável, Tarantino manda a seriedade às favas e volta às características todas que os detratores tanto odeiam, mostrando de forma gloriosa que continua exatamente o mesmo – boa notícia para alguns, má notícia para os outros. Estilo a parte, Django Livre trata de questões raciais como há muito tempo não se fazia; sem medo algum de parecer incorreto, mas também sem forçar discursos sobre igualdade goela abaixo. Melhor do que qualquer coisa que Spike Lee possa fazer.

 

Flight/O Voo (estreia prevista para 08/2)

2 indicações

Ator, Roteiro Original

Um filme banal e esquecível de Robert Zemeckis (De Volta Para o Futuro, Contato, Náufrago, etc.) sobre um piloto interpretado por Denzel Washington que consegue aterrizar com sucesso um avião em pane. O acidente que poderia ter sido catastrófico mata apenas seis pessoas. Durante a investigação, porém, descobrem que ele estava sob efeito de álcool e drogas – ele precisa então lidar com o julgamento federal, a opinião pública e o próprio vício. A trama em si tem elementos interessantes, mas tudo mais, da direção à escolha de músicas, é puro clichê de filme dos anos 90. Até a atuação indicada de Denzel (deve ser cota) é risível. Em determinada cena, lutando contra a vontade de beber, ele abre o frigobar do quarto do hotel (ridiculamente cheio de bebidas alcóolicas), lambe os beiços e dá um gole seco – atuação digna do Sr. Madruga de Chaves.

 

The Impossible/O Impossível (em cartaz)

1 indicação

Atriz

O Impossível é dirigido por Juan Antonio Bayona, diretor do filme espanhol O Orfanato, terror excelente que não tem absolutamente nada de clichê. Com a capacidade do diretor, estrelas como Naomi Watts e Ewan McGregor, um elenco infantil de talento sem igual, sem falar no orçamento bem mais generoso, era de se esperar que O Impossível fosse magnífico, mas não é. Contém sim imagens poderosas que nos fazem sentir o desespero de um tsunami e a condição gravíssima da personagem de Naomi Watts, mas a trilha sonora constante, composta de violinos chorosos – como se o drama da situação não fosse suficiente – e algumas escolhas estéticas deveriam causar vergonha em qualquer pessoa que tenha visto uma quantia modesta de filmes nos últimos vinte anos. Afinal, estamos em 2013. Chega de câmera rodopiando personagem que procura alguém no meio de uma multidão.

7 comentários em “Oscar 2013 – Parte 1

  1. Gostei de todas as resenhas, Ieda. Direto ao ponto nos fazendo poupar tempo, humor e direcionar a apreciação para o que vale. Aguardo a parte 2.

    Quero destacar que adorei isso e me fez rir aqui:

    “Afinal, estamos em 2013. Chega de câmera rodopiando personagem que procura alguém no meio de uma multidão.”

    Chega mesmo!

  2. Rafael, eu gostei de Intocáveis, mas não é nada que a Globo Filmes não pudesse fazer se arranjasse um roteiro e um fotógrafo decente. É uma comédia bacana, simples – mas muito melhor também do que A Royal Affair, que acabou sendo indicado. Royal Affair é um dos filmes de época mais imbecis que já vi. Acaba aparecendo mais por ser de época, pela produção toda, mas imbecil, imbecil.

  3. Ieda, apesar de achar exagerada sua crítica a BOSW (o que Amelie tem a ver?), creio que o maior problema é que os porcos gigantes não têm nenhuma função narrativa. Poderiam simplesmente ser cortados do filme, sem prejuízo. Quem viu o trailer e os comentários pensou que era uma relação entre eles e aquelas pessoas. O próprio título em inglês ficaria melhor, sem eles. Mas também não achei tão ruim como você diz.

  4. Ieda,

    Acabei de assistir Flight… Você foi um pouco radical com Denzel W. Não é atuação de Oscar, mas “Senhor Madruga” é demais! rsrs

    No mais, tenho muito prazer em ler seus textos, justamente pelo tom personalista, de verdadeira conversação com os leitores. Boa sorte.

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