Sobre o “terrorismo cristão”

Agora que o consenso dos bem-pensantes já decidiu que Anders Breivik era cristão, neo-liberal e membro do Tea Party, olhemos para o depoimento que ele próprio deixou.

“Se você tem um relacionamento pessoal com Jesus Cristo e Deus, então você é um cristão religioso. Eu e muitos outros como eu não temos necessariamente um relacionamento pessoal com Jesus Cristo e Deus. Acreditamos, contudo, no Cristianismo como uma plataforma cultural, social, moral e de identidade. Isso nos faz cristãos. … A Cristandade européia e a cruz serão o símbolo no qual todo conservador cultural pode se unir em nossa defesa comum. Ele deve servir como o símbolo de união para todos os europeus, sejam eles ateus ou agnósticos.” (pág. 1309 do manifesto)

Ou seja: por admissão própria, Breivik não é um cristão religioso. Bem, o Cristianismo é uma religião. Uma religião que gerou, junto com outras influências, uma cultura e uma civilização a que chamamos de ocidentais. Breivik é “cristão” apenas no sentido de querer preservar essa cultura historicamente ligada ao Cristianismo, mas que não se confunde com ele. Afinal, é possível ser cristão sem ser ocidental: coptas, maronitas e siro-malabares são todos cristãos, mas não são ocidentais. O Cristianismo dessas terras data de antes de existir uma civilização ocidental propriamente dita, à qual sempre correu paralelo. Assim, podemos até dizer que Breivik gosta e adere a um dos frutos do Cristianismo, embora rejeite a árvore (embora mesmo isso seja altamente questionável; pois a ética consequencialista que o criminoso usa para justificar seus atos é justamente uma das coisas que tem servido para destruir o Ocidente).

Mark Juergensmeyer, no Huffington Post, argumenta que, se Breivik não é um terrorista cristão, então Osama Bin Laden não era terrorista islâmico, pois seu foco também era mais político que religioso. Primeiro há que se ver se a relação de Bin Laden com o Islã era meramente cultural e política. Se for o caso, então de fato Bin Laden também não era propriamente um terrorista islâmico. Agora, o mero fato de dar muita importância à política e à história não faz dele, necessariamente, um muçulmano meramente cultural. A adesão sincera a uma religião, principalmente quando essa religião se preocupa com o mundo e com a sociedade, como o Cristianismo e o Islã, não é incompatível com uma forte preocupação política. Bin Laden falava mais de política e história do que de teologia; e daí? Não é preciso ser teólogo para se aderir, profunda e honestamente, a uma religião.

Se Osama era muçulmano, não sei. Sei que Anders Breivik pode até se dizer cristão, e alguns podem até chamá-lo de cristão; só tenhamos em mente que esse “Cristianismo” é, pela própria admissão do terrorista, essencialmente diferente da religião cristã, que condena inequivocamente o massacre de inocentes.

Um comentário em “Sobre o “terrorismo cristão”

  1. Uma pergunta que nenhum cristão fez: que Igreja ele freqüentava? Se não freqüentava nenhuma, não era cristão, menos ainda fundamentalista.

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