Teologia no American Idol

Desde que o movimento da auto-estima ganhou força (impulsionado em grande parte por Nathaniel Branden, ex-pupilo e ex-amante de Ayn Rand – para quem, inclusive, já nos anos 40 e 50, a auto-estima era um conceito importante, embora com um significado muito mais são), julgar e criticar as ações alheias é um pecado gravíssimo. Esse sentimento tem sim alguma origem no “não julgar” bíblico, mas as diferenças são mais profundas que as semelhanças.

A máxima dos evangelhos é antes de tudo um chamado à realidade, que exige, em primeiro lugar, não se deixar levar pelas aparências, mas julgar “com justiça”. Em segundo, não tomar uma ação alheia, por pior que seja, como representação fiel da totalidade do caráter do agente. Isso para criar em todos a consciência de que mesmo no pior dos próximos pode haver um valor desconhecido que o torne superior a quem o julga. A prostituta está mais próxima do céu do que o fariseu. É um alerta contra a tendência quase natural a condenar nos outros o que seria justificado em si mesmo. Julgamentos precipitados podem ferir a sensibilidade de seus alvos, mas não é para preservar o ego alheio que devemos nos abster de julgar; a meta é, antes de tudo, preservar-nos do orgulho, fonte de todos os pecados, e assim fortalecer o amor ao próximo.

Na auto-estima contemporânea, o objetivo é justamente preservar o ego alheio em seu auto-contentamento, por mais distante da realidade que esteja. Essa nova política do “não julgar” permite que cada construa para si sua bolha de ilusões e auto-justificativas sem medo de que seja estourada pelo graveto alheio. (A construção da bolha, contudo, não é um processo especificamente moderno; repete-se em cada indivíduo humano desde que as coisas deram errado num certo Jardim.) Assim, todos podem nutrir a ilusão de serem homens bons, talentosos, honestos, bem intencionados, sem medo de que apontem os defeitos que ignoram ter. Ninguém julga e ninguém é julgado; I’m ok, you’re ok; auto-estimas intactas, o rei desfila nu e todos se prostram em reverência.

Causa alguma surpresa, então, que os programas de maior sucesso da TV, reality shows, tenham o julgamento como elemento central. E mais: arrisco a dizer que a diversão de assisti-los reside exatamente na expectativa dos juízos negativos e da honestidade brutal que será desferida contra o participante indefeso. O ridículo será, finalmente, objeto de riso – a justiça será feita. O que seria do American Idol sem Simon Cowell? (Leitores de hábitos mais educados, perdoem o mergulho no que há de mais vulgar e massificado na cultura pop.) Isso revela algo sobre a constituição moral humana, ou ainda sobre a relação entre homem e Deus? O padre Robert Barron acha que sim.

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