Uma droga de poder

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Em uma longa entrevista à revista Guernica, David Simon, o homem que nos deu The Wire e Treme, mostra como é a sua visão de mundo. Muitos pensarão que se trata de mais um esquerdista (e é verdade), mas não se pode deixar de pensar que ele fala uma grande verdade ao expor o seguinte raciocínio:

Bill Moyers: Are you cynical?

David Simon: I am very cynical about institutions and their willingness to address themselves to reform. I am not cynical when it comes to individuals and people. And I think the reason The Wire is watchable, even tolerable, to viewers is that it has great affection for individuals. It’s not misanthropic in any way. It has great affection for those people, particularly when they stand up on their hind legs and say, “I will not lie anymore. I am actually going to fight for what I perceive to be some shard of truth.”

You know, over time, people are going to look at The Wire and think, “This was not quite as cynical as we thought it was. This was actually a little bit more journalistic than that. They were being blunt. But it was less mean than we thought it was.” I think, in Baltimore, the initial response to seeing some of this on the air was, “These guys are not fair and they’re mean. And they’re just out to savage us.” But it was a love letter to Baltimore.

Este cinismo sobre as instituições políticas faria muito bem ao nosso Brasil brasileiro. Ao ler a entrevista de Simon, não pude deixar de pensar sobre o seguinte trecho de O Poder, livro obrigatório de Bertrand De Jouvenel que finalmente foi publicado por aqui através da Peixoto Neto (que, por sua vez, lançou mais três livros importantes: Radicais nas Universidades, de Roger Kimball, Parcialidade, de Bernard Goldberg, e O terrorismo intelectual, de Jean Sevilla):

A tendência [atual] é a destruição de todo o comando em proveito apenas do comando estatal. É a plena liberdade de cada um em relação a todas as autoridades familiares e sociais, paga por uma completa submissão ao Estado. É a perfeita igualdade de todos os cidadãos entre si, ao preço de seu igual aniquilamento diante do poder estatal, seu senhor absoluto. É o desaparecimento de toda força que não venha do Estado, a negação de toda a superioridade que não seja consagrada pelo Estado. É, em uma palavra, a atomização social, a ruptura de todos os laços particulares entre os homens, mantidos juntos apenas por sua comum servidão para com o Estado. É, ao mesmo tempo, e por uma convergência fatal, o extremo individualismo e o extremo socialismo.

O livro de De Jouvenel foi escrito na década de 40; a obra de David Simon foi feita na primeira década de 2000.

Sinal que vivemos tempos muito interessantes.

5 comentários em “Uma droga de poder

  1. Interessantes, sem dúvida. Desde que levemos em conta que o trem que vai nos atropelar realmente consegue capturar nosso interesse.

  2. “É, ao mesmo tempo, e por uma convergência fatal, o extremo individualismo e o extremo socialismo”.

    Somente um sábio pode dizer tais palavras>

  3. Boa entrevista mesmo, Martim!

    Engraçado que seria quase impossível ler uma entrevista dessas com um autor de novelas/seriados/séries brazuca.

    Aqui na terrinha as pessoas não têm dramas pessoais, dúvidas existenciais ou comportamentos contraditórios. Nunca.
    Todos sao ou maus ou bons. E seus comportamentos ou são dignos de um Pol-Pot ou de uma Madre Teresa. Jamais algo duvidoso ou questionável. É sempre preto no branco, nunca cinza. Não há dúvidas sobre a “verdade” dos personagens. E para os maus sempre há a possibilidade de redenção nos últimos capítulos.

    As séries mais elogiadas – por aqui também – são aquelas em que tais problemas (fundamentais e aparecem na boa literatura desde sempre) aparecem nos personagens, para os quais o enredo torna-se em grande parte irrelevante.

    Basta que se veja os posts sobre as primeiras temporadas de House, todos os elogios a The Wire e, mais recentemente, à The Good Wife.

    Enfim, esperemos alguma entrevista de Manoel Carlos ou Sílvio de Abreu onde esses problemas e as tonalidades do cinza entre o certo e o errado apareçam. Ou, claro, de um inacreditável, Tiago Santiago e seus “bons revolucionários”…

  4. Há muito tenho percebido a discrepância entre a abordagem dos problemas nas séries americanas e na (toc, toc, toc) teledramaturgia brasileira. Infelizmente, acredito que os autores só entregam o que o povo quer e o brasileiro é um povo superficial, ainda está na adolescência em seu desenvolvimento. Se algum desses autores tentar fazer algo vagamente parecido com House ou The
    Wire é fracasso na certa.

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