Uma encíclica problemática

O lançamento da nova encíclica papal, Caritas in Veritate, não provocou muito rebuliço na mídia – talvez por que ela apareceu no mesmo dia do funeral de Michael Jackson, talvez por que o que a imprensa espera é o encontro do próprio Papa com Obamis em L´Aquila -, mas alguns intelectuais católicos já leram e deram o seu pitaco. Como de hábito, poucos, salvo as exceções de sempre, perceberam o caráter problemático da encíclica – algo que, se não for bem pensado e estudado, pode trazer implicações sérias para o mundo político de hoje e de amanhã.

Quando uso o termo “problemático”, faço-o em dois sentidos: o primeiro é que a leitura do texto é repleta de zigue-zagues, e nota-se a tentativa do Papa de querer sair do beco-sem-saída onde se meteu – ele ataca a esquerda na sua agenda antropológica progressista-liberal, e também ataca os liberais com sua adoração ao deus mercado. O segundo uso é que, se a encíclica não cai na esparrela ideológica, propõe outra muito mais perigosa – a da era ecumênica. Não há outra maneira de se entender isso quando se lê o parágrafo 67 do texto:

67. Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em consequência maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum, comprometer-se na realização de um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da justiça, o respeito dos direitos. Obviamente, deve gozar da faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como as medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais. É que, se isso faltasse, o direito internacional, não obstante os grandes progressos realizados nos vários campos, correria o risco de ser condicionado pelos equilíbrios de poder entre os mais fortes. O desenvolvimento integral dos povos e a colaboração internacional exigem que seja instituído um grau superior de ordenamento internacional de tipo subsidiário para o governo da globalização e que se dê finalmente actuação a uma ordem social conforme à ordem moral e àquela ligação entre esfera moral e social, entre política e esfera económica e civil que aparece já perspectivada no Estatuto das Nações Unidas”.

(Obs: os trechos em itálicos não são meus e sim do próprio Papa. Mantive o formato original do texto como está no site do Vaticano)

Agora, temos que explicar o que é a era ecumênica. É um termo de Eric Voegelin para seu quarto tomo da série “Ordem e História” e sua raiz vem do termo grego oikoumene, que significa aproximadamente “ausência de fronteiras” ou de limites (Por favor, os especialistas em grego que me ajudem se estiver errado). O seu germe está no confronto de Sócrates com a polis ateniense e nos registros dos profetas hebreus, mas de fato começa com Alexandre Magno, estende-se pela Ásia, ganha sua completa consciência de princípios com Confúcio (alguns incluem Buda nesse mesmo período), fragmenta-se com a chamada civilização greco-romana, tem uma nova articulação com São Paulo e – antes que você possa recuperar o seu fôlego, caro leitor – ainda influencia o mundo moderno com sua idée-fixe de unidade entre os povos, com uma acentuação para a dominação global e sem se importar com a diversificação da cultura de cada povo soberano. A única coisa que verdadeiramente importa para quem viveu ou quer viver nesta era é a expansão da sua libido dominandi (usado aqui na terminologia de Pascal), do qual se constrói uma “segunda realidade”, alienada às necessidades do senso comum, e que se apropria de princípios éticos apenas como floreio retórico, para, na prática, manter a qualquer custo o seu ímpeto de dominar tudo o que vem pela frente, de territórios estrangeiros até a consciência individual (e especialmente, a sua consciência).

Atualmente, vivemos os restos do espólio desta era com o surgimento de entidades como a ONU, a União Européia, as ONGs, os próprios Estados Unidos da América, e todo aquele pessoal do Greenpeace.

(Um outro livro que fala sobre esse problema é A Evolução da Cidade de Deus, de Etienne Gilson; indicaria também as seções que envolvem o termo cosmopólis, de Insight, de Bernard Lonergan, além das palestras que o professor Mendo Castro Henriques deu no Brasil sobre Filosofia Política em Eric Voegelin, publicadas pela É Realizações, em especial sobre o tópico da poliarquia)

O problema do parágrafo 67 da encíclica é que a sua proposta de reformar a arquitetura global, propondo uma Autoridade política mundial é, ao mesmo tempo, uma ingenuidade, um anacronismo e uma contradição. Uma ingenuidade porque qualquer um sabe que, para criar tal organização, teria de gastar um montante de dinheiro que, alías, já foi usado, mas que jamais voltará para o bolso do povo (o tal bailout de Bush e Obama); um anacronismo porque não podemos mais viver com os restos da era ecumênica, muito menos esperar que a Igreja apoie uma Autoridade política mundial, sendo que, oras bolas!, era ela quem justamente cumpria essa função há algum tempo; e uma contradição porque se o Papa apóia essa mesma Autoridade, ela deve ser composta por seres humanos – que atualmente, são os mesmos que querem que a tal Autoridade aprove o “direito universal” ao aborto, à eutanásia e outras esquisitices científicas (tópicos que a encíclica critica sem hesitar).

“Ora” – já antecipo o engraçadinho – “mas você critica isso porque vai contra a agenda conservadora”. Uma ova, falastrão! Isso não tem nada a ver com a “agenda conservadora”. Tem a ver com o fato de que estamos a viver num mundo perigoso e, de todas as pessoas que eu não gostaria de ver enfurnadas neste busílis, o Papa é uma delas. Porém, não se trata de uma crítica – trata-se de uma simples constatação de um problema, que deve ser enfrentado por qualquer ser humano que se preza, seja um católico ou não. George Weigel, comentarista do Vaticano e articulista da National Review, percebeu o nó górdio e escreveu um artigo que está a causar frisson no mundo intelectual católico, especialmente por causa de trechos como estes:

“The encyclical includes a lengthy discussion of “gift” (hence “gratuitousness”), which, again, might be an interesting attempt to apply to economic activity certain facets of John Paul II’s Christian personalism and the teaching of Vatican II, in Gaudium et Spes 24, on the moral imperative of making our lives the gift to others that life itself is to us. But the language in these sections of Caritas in Veritate is so clotted and muddled as to suggest the possibility that what may be intended as a new conceptual starting point for Catholic social doctrine is, in fact, a confused sentimentality of precisely the sort the encyclical deplores among those who detach charity from truth.

There is also rather more in the encyclical about the redistribution of wealth than about wealth-creation — a sure sign of Justice and Peace default positions at work. And another Justice and Peace favorite — the creation of a “world political authority” to ensure integral human development — is revisited, with no more insight into how such an authority would operate than is typically found in such curial fideism about the inherent superiority of transnational governance. (It is one of the enduring mysteries of the Catholic Church why the Roman Curia places such faith in this fantasy of a “world public authority,” given the Holy See’s experience in battling for life, religious freedom, and elementary decency at the United Nations. But that is how they think at Justice and Peace, where evidence, experience, and the canons of Christian realism sometimes seem of little account.)”

Obviamente, Weigel foi atacado por todos os lados. Pode-se argumentar que ele foi “arrogante” ao presumir que o Papa teria “cedido” uma parte de seu pensamento para setores mais “vermelhos” da Igreja; pode-se até dizer que ele foi “paranóico” ao afirmar que Bento XVI está “isolado”; mas não se pode negar que ele apontou o dilema da encíclica com uma precisão dolorosa.

Da minha parte, creio que fico com Joseph Bottum, que, na tentativa de destrinchar a Caritas in Veritate em sua intricada trama de zigue-zagues políticos-sociais, escreveu o seguinte:

“(…) The call for a “true world political authority” appears in paragraph 67: “a reform of the United Nations Organization, and likewise of economic institutions and international finance, so that the concept of the family of nations can acquire real teeth.”

To understand this, I think, we have to read it in the light of a call for universal empire, which has been in the Catholic lexicon for a long, long time. The counter-theme of individual sovereign states has been in the Catholic lexicon for a while, too, and the encyclical might have entered here into an interesting discussion of that disagreement in modern Catholic thought. But, as things stand, I can’t imagine a worse time simply to demand universal empire without explanation, or a worse body than the United Nations to entrust with it.

The first naiveté, in Benedict’s version, is the notion that the UN could somehow be “regulated by law” when it itself would be the law, once it had eliminated the individual states (against which the encyclical sets itself when it complains of the UN weakened by “the balance of power among the strongest nations”).

The second naiveté is about the Church, which, in medieval and Renaissance calls for empire, stood as the extra-governmental institution that balanced the state. Now and for the foreseeable future, the Church is detested by the bureaucrats of the UN empire. It’s crazy of Benedict to think that international organization won’t move, with its power, to abolish as much of the Church as it can.

Let’s see, how about a universal right to abortion? How about hate laws that count against Catholics but somehow few others? Here’s a simple and, in fact, quite likely one: How about the great cathedrals all declared “Artistic Property of Mankind,” with ownership and “use oversight” given to UNESCO?”

Ou, como diria John Adams, o homem a quem os EUA devem a sua independência – e que era alguém que apenas atendia os ditames da sua consciência:

“Meu lema fundamental de governo é este: Nunca confie o cordeiro aos cuidados do lobo”.

37 comentários em “Uma encíclica problemática

  1. Há, por fim, a audiência da quarta-feira desta semana, na qual o Papa comenta a Encíclica:

    http://www.zenit.org/article-22099?l=portuguese

    Destaco:

    “Como critérios-guia por esta interação fraterna, na encíclica indico os princípios de subsidiariedade e de solidariedade, em íntima conexão entre si. Sublinhei, finalmente, frente a problemáticas tão vastas e profundas do mundo de hoje, a necessidade de uma autoridade política mundial regulada pelo direito, que se atenha aos mencionados princípios de subsidiariedade e solidariedade e que esteja firmemente orientada pela realização do bem comum, no respeito às grandes tradições morais e religiosas da humanidade.”

    Abraços!

  2. Caro Martim,

    Estou muito longe de ser um especialista em grego, mas se não me engano o termo oikoumene refere-se à extensão habitada do planeta (oikos = casa, etc). Não muda o seu entendimento do termo. Há um bom capítulo sobre o assunto no livro “A humanidade e a mãe-terra”, do Arnold Toynbee, que escreve bem para um historiador, apesar de meio teilhardista.

    Abraços,

    Igor

  3. Caro Igor:

    Obrigado pela dica sobre o termo! Conhecia a obra de Toynbee, mas nunca a li. Vou procurar em algum sebo e ler o capítulo indicado.

    Abraços

    Martim

  4. Caro Rodolfo:

    O editorial do Life News tenta salvar o raciocínio do parágrafo 67, mas o problema foi a “contradição” que continua insolúvel na encíclica: como o Papa pode dar, como solução prática, a reforma de uma arquitetura política global, se, justamente agora, os seres humanos que tentam construi-la querem justamente o contrário de todos os valores antropológicos defendidos pela Igreja (não só pelo Papa, mas pelo próprio Cristo)? Eis o xis da questão: o Papa escreveu para um mundo em concreto ou para o mundo de princípios? Nós sabemos que sua função é meditar sobre os princípios, mas também sabemos que a Igreja se move na História (aliás, a própria encíclica surgiu de um momento histórico específico – a crise econômica). Enfim, o que o Papa abriu no seu texto é um impasse que dói para o fiel – que fica entre aceitar a Autoridade política mundial ou defender os valores antropológicos cristãos.

    Além disso, o ponto da minha discussão é que não se trata da “defesa” da Nova Ordem Mundial e sim da aceitação da “era ecumênica”, que é muito mais uma forma mentis simbólica que reúne costumes, comportamentos, visões-de-mundo, que são lentamente cristalizadas em pensamentos e dogmas (para não dizer em livros de História). A “Nova Ordem” é apenas um resto de espólio do “ecumenismo” espiritual que o mundo está a sofrer – um “ecumenismo” que tem seus desdobramentos no sutil totalitarismo estatal e a degradação da pessoa.

    Para mim, o que me deixou preocupado na encíclica é o que Joseph Bottum assinala: teria sido prudente o Papa lançar esta idéia justamente nesse momento histórico?

    Abraços

    Martim

  5. Não li ainda a encíclica. Dois links abaixo. 1) O primeiro para diversas manifestações de intelectuais católicos em mesa-redonda na CWR. 2) O segundo, mais diretamente afeto à questão bastante tópica e muito relevante levantada por MVC, para quem tiver paciência de ler recorda quão antiga (e seguramente muito problemática) é a questão das relações Igreja-Império Mundial. O assunto é exemplarmente tratado por Dante no De Monarchia (foco do texto linkado). 3) A propósito, não é possível, claro, sintetizar Santo Agostinho e suas reflexões pertinentes à Cidade de Deus, no ocaso de um Império que se quis universal; mas não custa recordar o básico: as duas cidades (a divina e a dos homens, a do amor e a da cobiça ) coexistem na Igreja visível e em toda sociedade política. 4) Há uma tendência clara e recente do ponto de vista histórico (ie, coisa do século XIX para cá) de recuperação do ideal de “Império” (noção aliás muito trabalhada no pós- Revolução Francesa, em perspectiva descolada de tudo que se associava ao Sacro Império Romano-Germânico). 5) À luz do que precede, será que “imprudência” é a melhor maneira de qualificar o tal parágrafo (que estou lendo aqui fora de contexto)? Não se trataria antes, em face de inevitabilidades ao menos aparentes, de buscar (como se diria no Rio) “furar a onda”, indo ao seu encontro para evitar que caia direto sobre sua cabeça? 6) uma coisa é segura: a “autoridade” a que se refere Bento XVI como desejável não é a que assombra a “Cidade dos Homens” no horizonte do possível. Este é o mesmo Papa que encara com serenidade a hipótese do “pequeno rebanho”. 7) Do segundo link: “The empire is like the doctrine of the Two Swords: it is among the insistences of the West, which take different forms at different times. Dante’s Holy Roman Empire is long gone. So is Charles V’s. So, one suspects, will be the United Nations in its current form. Even today, though, we see that men are beginning to repeat in modern form the reproof that Dante wrote to his own obdurate city during an imperial siege:

    “Why are you stirred by this will o’ the wisp to abandon the Holy Empire and, like builders of a second Babel, to embark on new forms of state so that the Florentine sovereignty should be co-ordinate with the Roman?”

    http://www.catholicworldreport.com/index.php?option=com_content&view=article&id=121:cwr-round-table-caritas-in-veritate&catid=36:cwr2009&Itemid=53

    http://www.johnreilly.info/dwg.htm

  6. Com a ressalva de que ainda não li a encíclica inteira, eu tendo a encarar esse parágrafo 67 da mesma forma que o Ricardo Leal analisa em seu ponto 5) acima. Isto é, vejo duas possibilidades para a organização global: ou há uma ordem minima aceita e passível de ser exigida, o que demanda uma Autoridade Global ou há uma Babel cujos efeitos seriam mais pernósticos para a humanidade no longo prazo do que os riscos de eventuais barbáries pontuais (e reversíveis) como o aborto declarado direito humano.

    Tenho impressão que o pensamento do Papa é algo na linha de que os católicos (e os homens de boa vontade – expressão essa que sempre fugiu ao meu entendimento) não devem tentar defender seus valores negando outros também importantes por causa do medo de que as estruturas podem ser dominadas por homens com valores contrários. Devem, antes, tentar influenciar essas estruturas. Parece utópico isso hoje? Parece. Mas não há outro caminho!

  7. “O editorial do Life News tenta salvar o raciocínio do parágrafo 67, mas o problema foi a “contradição” que continua insolúvel na encíclica: como o Papa pode dar, como solução prática, a reforma de uma arquitetura política global, se, justamente agora, os seres humanos que tentam construi-la querem justamente o contrário de todos os valores antropológicos defendidos pela Igreja (não só pelo Papa, mas pelo próprio Cristo)? Eis o xis da questão: o Papa escreveu para um mundo em concreto ou para o mundo de princípios? Nós sabemos que sua função é meditar sobre os princípios, mas também sabemos que a Igreja se move na História (aliás, a própria encíclica surgiu de um momento histórico específico – a crise econômica). Enfim, o que o Papa abriu no seu texto é um impasse que dói para o fiel – que fica entre aceitar a Autoridade política mundial ou defender os valores antropológicos cristãos.”

    Esse comentário do Martim pra mim resume o rolo todo.

    E Encíclica, num sentido escolástico, VIRTUALIZOU o momento histórico pelo qual passa o Cristianismo.

  8. Cautela. A grande Tartaruga-Vaticano, reacionária no melhor sentido do termo, move-se devagar, mas sempre vê mais longe. À primeira vista fiquei chocado, já que estou cheio até o pescoço de soluções e princípios feitos, mas depois lembrei que sou um anão no ombro de outros anões.

    Basta lembrar do princípio da subsidiariedade, que é parte integrante da doutrina social. Com ele, afirma-se as soberanias locais e as estruturas intermediárias contra as imposições do alto.

  9. Antigamente em tristes tempos as encíclicas papais eram balizadas por sua concordância ou não com idéias marxistas; agora, em outros tristes tempos, as encíclicas papais são balizadas pelo fato de concordarem ou não com o pensamento de Voegelin, que ridículo.

  10. Ao sr. João Atos:

    Em outros tempos, sempre havia um marxista para explicar suas idéias; agora, temos sempre alguém que não consegue explicar o próprio resmungo. Isso sim é ridículo.

    M.

  11. Caro Júlio:

    Cautela eu tenho. Mas o problema – e a contradição entre os valores defendidos e a solução prática estão lá, evidentes. E, a meu ver, o princípio da subsidariedade (e da solidariedade) é retórica para boi dormir, uma vez que, independente dos princípios sociais, o que fica prejudicada é a visão antropológica defendida pela Igreja desde sempre. O que será mais importante: os princípios sociais ou o homem, imago Dei?

    Abração

    Martim

  12. Caro Ricardo:

    Sobre o seu item 5 (também argumentado pelo Wagner): “furar a onda” não é desculpa para defender, como solução concreta, uma Autoridade que exigiria (mesmo amparada por leis supostamente dentro da ordem jurídica e dos princípios sociais da subsidariedade e da solidariedade) um gasto astronômico de dinheiro que, para ser realizado, só poderia ser feito através de coerção. Enfim, o que faltou à Encíclica é uma visão espiritual das conseqüências do poder político – que está insinuada em algum trechos do texto, mas que se perdem no imbroglio social em que se meteu. A propósito, essa visão realista (i.e. em sentido de Sto. Tomás, não de Hobbes e et caterva) do Poder era a grande novidade do papa Bento XVI (João Paulo II também tinha em seus primeiros anos, mas, sabe-se lá porque, foi perdendo o vigor, talvez por causa da idade e da saúde, no final de seu pontificado); é só lermos as duas encícilicas anteriores (Deus Caritas Est e Spe Salvi), o discurso de Ratisbona, as próprias homílias que ele deu no Brasil e ali percebe-se uma grande desconfiança do Poder dos Homens. Infelizmente, na Caritas in Veritate, não há mais essa desconfiança; ele tenta comungar o Poder dos Homens com o Poder Divino, talvez porque a situação seja inevitável, talvez porque a própria História da Igreja sempre teve essa “mistura” em seu próprio eixo dramático.

    Abraços

    Martim

  13. Martim, sei que tens cautela. Mas o assunto não é simples. Conversei aqui com dois teólogos dos bons, e amanhã pretendo perguntar ao Rémi Braque o que ele acha. O princípio da subsidiariedade seria assim tão retórico, nesse sentido, como a encíclica, que faz parte da mesma doutrina social, uma das disciplinas mais difíceis dentro do magistério. Ela deve, de qualquer forma, ser lida à luz de séculos de tradição.

    Meu ponto é que uma ou duas afirmações, mesmo que importantes, se isoladas, não podem alterar nem abalar o conjunto. Mesmo uma encíclica inteira não tem esse poder. De qualquer modo, que é algo provocativo e problemático, no sentido filosófico do termo, eu concordo. E o papa pode errar: evidentemente não se trata de uma posição dogmática, ex cathedra; e isso não tira o seu caráter importante. Mas não são dois ou três ensaios que o dirão, mas o tempo (20 anos?). Ou talvez nunca saberemos. Eu estou disposto a rever toda a minha carta de princípios – bastante semelhante à sua – se alguém, com argumentos racionais, me convencer, por exemplo, que é necessário investir em um “imperium” em contraposição, mesmo orgânica e diplomática, ao globalismo ateu e piegas vigente, sob pena de se deixar tudo nas mãos dessa gentinha que, na surdina, literalmente financia abortos e homicídios em massa. Não me sinto capaz de dar minha opinião.

    Aliás, você já perguntou ao Barba o que ele acha? Abração!

  14. http://www.vatican.va/holy_father/paul_vi/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum_po.html

    Grato pela atenção, Martim. Bom; comecei a ler a encíclica e também a Populorum Progressio de Paulo VI, linkada imediatamente acima e de saída apontada por Bento XVI como a Rerum Novarum para os nossos tempos. 2) Vai levar tempo. Inteiramente sujeito a melhores juízos, já dá no entanto para perceber algumas coisas: a) que a tese do parágrafo 67, contextualizada com propriedade pelo JL, vem ao encontro do interesse muito maior naquilo que Paulo VI chamava de “universalidade da questão social”, para cuja resolução até mesmo certas manifestações nacionalistas podem tornar-se obstáculos a vencer (PP 3, e 62-63); b) que nessa moldura bem mais ampla uma determinada proposta de encaminhamento concreto, como a de CV 67, é feita à luz do que parece melhor ou menos ruim conjunturalmente; precisa mesmo de tempo para ser avaliada e de modo algum compromete o equilíbrio do documento. A esse respeito, apenas como exercício intelectual sem juízo de valor, poder-se-ia lembrar por analogia os parágrafos elogiosos de Pio XI, na Quadragesimo Anno, a aspectos do sistema corporativo fascista (ver link mais abaixo; artigo publicado na revista “30 Dias” em 2001); c) que “gastos astronômicos” já ocorrem no quadro desse “imperialismo internacional do dinheiro” a que se referia Pio XI em 1931; d) que justamente o que não falta na CV, a meu ver aliás bem ao contrário, é lucidez espiritual no trato com as questões do chamado “progresso humano”, que fica “privado de respiro” (em outras palavras, serve à cultura da morte) se ficar “fechado dentro da história” e de seus jogos de poder/domínio (CV 11). 3) No mais, parece-me claro que concordamos quanto ao que é permanente e irrompe no “seculum”; ao que é essencial mas inapreensível numa perspectiva hobbesiana (refiro-me ao que ela tem de pior; ie, Aristóteles virado pelo avesso, homens-lobo no lugar de seres naturalmente sociáveis, à imagem de Deus). Sinceramente, não gastaria esta meia hora blogando se não reconhecesse terreno comum. 4) Enfim: mais uma vez gostei muito dos comentários do JL. Leitor e admirador do Brague, também estou curioso para saber dele o que diz a respeito da CV, até onde alcanço um texto bem situado na doutrina social católica e à altura do melhor de Ratzinger (não creio que ele esteja alheio ao que assina).

    http://www.30giorni.it/br/articolo.asp?id=21089

  15. Caro Julio:

    Eu nunca mudaria a minha “carta de princípios”, mesmo se eu conversasse com três mil teólogos, e por um simples motivo: os fatos da História não mentem, meu caro. Toda vez que o Cristianismo se envolveu com questões de imperium, por assim dizer, se deu mal; a começar com Jesus Cristo, é claro, passando pelos apóstolos, até terminar com a perseguição religiosa feita pelos nazistas (foram cerca 5,5 milhões de católicos e protestantes em campos de extermínio, lembram-se, um número igual ao Shoah), comunistas e, agora, os globalistas da China e do Islã Radical. Isso sem contar com a perseguição de idéias que os burocratas da ONU adoram fazer em busca da “igualdade religiosa”. A Verdade e o Império não combinam, Júlio. E este é o problema exposto na encíclica porque o que ela propõe, no fundo, é utópico – e a utopia, como devemos saber, não cabe nunca neste mundo.

    Abração

    Martim

  16. “Idealizing technical progress, or contemplating the utopia of a return to humanity’s original natural state, are two contrasting ways of detaching progress from its moral evaluation and hence from our responsibility” (Caritas in veritate § 14).

    “Paul VI reflected on the meaning of politics, and the danger constituted by utopian and ideological visions that place its ethical and human dimensions in jeopardy” (Idem, ibidem).

    “All of humanity is alienated when too much trust is placed in merely human projects, ideologies and false utopias” (Idem, § 53).

    Isso ja descarta qualquer solucao utopica. Entre (i) uma solucao concreta *que algum interprete* julgue contradizer principios expressamente formulados no mesmo documento e (ii) esses mesmos principios, fico com estes. Nao eh com dois ou tres paragrafos que o redator do documento, de repente, jogou tudo para os ares e se vendeu ao diabo.

    Isso que vc disse, que verdade e Imperio nao combinam, ninguem questiona, embora ate o Thomas More tenha dado as suas escapadas (isso nao o impediu de ser canonizado). E nao duvido que, se fossem postos a prova, quase 100% dos intelectuais chiques que pensam como nos dois (como o proprio Voegelin, que na pratica nem cristao era) se venderia ao Imperio antes de um papa sequer sentir a tentacao de faze-lo.

    Eu posso estar errado. Voce tambem pode, nao? Depois te pago uma cerveja!

  17. Martim,

    ” é só lermos as duas encícilicas anteriores (Deus Caritas Est e Spe Salvi), o discurso de Ratisbona, as próprias homílias que ele deu no Brasil e ali percebe-se uma grande desconfiança do Poder dos Homens. ”

    Creio que um dos textos onde Ratzinger deixa mais claro sua, diria, não só desconfiança, mas, também, certeza da insuficiência do “Poder dos Homens” para o governo terreno é no famoso debate entre ele e Habermas na Univ. Católica da Baviera.

    ” E, a meu ver, o princípio da subsidariedade (e da solidariedade) é retórica para boi dormir,”

    Às vezes eu tenho essa mesma impressão quando ouço que é necessário a caridade ou a justiça para se referir ao ordenamento social. Mas, por isso parecer utópico na cidade terrena, deve-se abandonar sua pregação?

    E eu concordo totalmente com você que, quase sempre, a Igreja leva a pior quando surge a figura do ‘imperium’, mas, há alternativa? Essa ‘Autoridade Pública Mundial ‘ parece ser uma tendência crescente e quase inevitável para preencher um possível período de atomização do poder global. É chavão, eu sei, mas não há como haver vácuo perene de poder.

  18. Caro Júlio:

    Que eu e vc podemos estar errados, isso sim é outro fato. Entretanto, a questão não é sobre um erro da encíclica; não creio que seja um erro, mas sim a exposição dolorida de um problema que, do modo como está exposto, coloca mais um dilema para o fiel (ou o fiel ma non troppo, que é o meu caso) do que uma solução concreta e dentro dos princípios morais-antropológicos do Cristianismo.

    E mesmo com a “solução utópica” descartada nos trechos que vc assinalou, ainda assim o parágrafo 67 está lá, gritante, mostrando o contrário. Veja bem: não estou a ler a encíclica através de um único trecho; mas, se vc lê-la com atenção, perceberá que o raciocínio do Papa evita qualquer ideologia banal a qualquer custo; só no final, que há o parágrafo 67, que simplesmente sintetiza a tensão do raciocínio e, ao mesmo tempo, aponta para a única solução eficaz que, por sua vez, é “a ingenuidade, o anacronismo e a contradição” das quais eu já escrevi a respeito.

    Mas vc cometeu um erro sim, Júlio: Voegelin era, de fato, cristão. Podia não ser um católico – na verdade, ele até recusava algumas variações do protestantismo em que foi educado. Se vc quiser saber mais sobre isso leia os textos do James Schall, um padre amigo de Voegelin, em e que fala sobre os últimos anos de vida do filósofo alemão.

    A cerveja fica para depois do seu retorno.

    Abraços

    Martim

  19. Já que falamos de pontos problemáticos da Encíclica, entendendo-os como de difícil ou quase impossível aplicabilidade, queria trazer à discussão o ponto 40 (que reproduzo abaixo). Atuo há mais de 25 anos em grandes corporações empresariais, sendo que nos últimos 15 anos em cargos de diretoria, e, sinceramente, lendo o que o Papa escreve nesse ponto, apesar de me emocionar e reconhecer sua verdade, não vejo como aplicá-los sem voltar várias décadas atrás no arcabouço econômico mundial.

    “40. . As actuais dinâmicas económicas internacionais, caracterizadas por graves desvios e disfunções, requerem profundas mudanças inclusivamente no modo de conceber a empresa. Antigas modalidades da vida empresarial declinam, mas outras prometedoras se esboçam no horizonte. Um dos riscos maiores é, sem dúvida, que a empresa preste contas quase exclusivamente a quem nela investe, acabando assim por reduzir a sua valência social. Devido ao seu crescimento de dimensão e à necessidade de capitais sempre maiores, são cada vez menos as empresas que fazem referimento a um empresário estável que se sinta responsável não apenas a curto mas a longo prazo da vida e dos resultados da sua empresa, tal como diminui o número das que dependem de um único território. Além disso, a chamada deslocalização da actividade produtiva pode atenuar no empresário o sentido da responsabilidade para com os interessados, como os trabalhadores, os fornecedores, os consumidores, o ambiente natural e a sociedade circundante mais ampla, em benefício dos accionistas, que não estão ligados a um espaço específico, gozando por isso duma extraordinária mobilidade; de facto, o mercado internacional dos capitais oferece hoje uma grande liberdade de acção. Mas é verdade também que está a aumentar a consciência sobre a necessidade de uma mais ampla « responsabilidade social » da empresa. Apesar de os parâmetros éticos que guiam actualmente o debate sobre a responsabilidade social da empresa não serem, segundo a perspectiva da doutrina social da Igreja, todos aceitáveis, é um facto que se vai difundindo cada vez mais a convicção de que a gestão da empresa não pode ter em conta unicamente os interesses dos proprietários da mesma, mas deve preocupar-se também com as outras diversas categorias de sujeitos que contribuem para a vida da empresa: os trabalhadores, os clientes, os fornecedores dos vários factores de produção, a comunidade de referimento. Nos últimos anos, notou-se o crescimento duma classe cosmopolita de gerentes, que muitas vezes respondem só às indicações dos accionistas da empresa constituídos geralmente por fundos anónimos que estabelecem de facto as suas remunerações. Todavia, hoje, há também muitos gerentes que, através de análises clarividentes, se dão conta cada vez mais dos profundos laços que a sua empresa tem com o território ou territórios, onde opera. Paulo VI convidava a avaliar seriamente o dano que a transferência de capitais para o estrangeiro, com exclusivas vantagens pessoais, pode causar à própria nação[95]. E João Paulo II advertia que investir tem sempre um significado moral, para além de económico[96]. Tudo isto — há que reafirmá-lo — é válido também hoje, não obstante o mercado dos capitais tenha sido muito liberalizado e as mentalidades tecnológicas modernas possam induzir a pensar que investir seja apenas um facto técnico, e não humano e ético. Não há motivo para negar que um certo capital possa ser ocasião de bem, se investido no estrangeiro antes que na pátria; mas devem-se ressalvar os vínculos de justiça, tendo em conta também o modo como aquele capital se formou e os danos que causará às pessoas o seu não investimento nos lugares onde o mesmo foi gerado[97]. É preciso evitar que o motivo para o emprego dos recursos financeiros seja especulativo, cedendo à tentação de procurar apenas o lucro a breve prazo sem cuidar igualmente da sustentabilidade da empresa a longo prazo, do seu serviço concreto à economia real e duma adequada e oportuna promoção de iniciativas económicas também nos países necessitados de desenvolvimento. Também não há motivo para negar que a deslocalização, quando compreende investimentos e formação, possa fazer bem às populações do país que a acolhe — o trabalho e o conhecimento técnico são uma necessidade universal –; mas não é lícito deslocalizar somente para gozar de especiais condições de favor ou, pior ainda, para exploração, sem prestar uma verdadeira contribuição à sociedade local para o nascimento de um robusto sistema produtivo e social, factor imprescindível para um desenvolvimento estável.”

  20. Caro Wagner:

    Aqui, acho que o Papa não está tão “utópico” assim; na verdade, ele até aponta para um verdadeiro caminho prático. Já conheço empresas que tentam ir para esse prisma; estão engatinhando, é verdade, mas já é algo.

    Sobre seu comentário anterior, é claro que há alternativa à Autoridade política mundial. Chama-se simplesmente de “guerra”. Só assim os Estados soberanos voltarão a respeitar a diversificação cultural de cada um e, depois, a construir um princípio de solidariedade que seja concreto e que mantenha o delicado equilíbrio entre a preservação da Cultura e a necessidade de integrar mecanismos econômicos e sociais em um todo global.

    Para muitos – inclusive o próprio Papa – a globalização é um fato evidente. O problema, como bem apontou o Olavo de Carvalho em seu artigo sobre a encíclica, é que ela não pode se tornar de um fato para uma Religião Global, com características anti-cristãs (justamente o que ocorre nos dias de hoje – e que o Papa também indicou em seu texto).

    Abraços

    Martim

  21. Caro Martim, 19: e Constantino? E Carlos Magno? Fora do Império: e São Luís? Não que fosse ameno o convívio, longe disso; mas resultou fecundo em termos gerais. Há o ponto doutrinal (existe uma literatura ampla a respeito das relações Igreja-Império no Medievo, por exemplo; e não me refiro somente a fontes primárias); e existe o desafio, sempre, sim, muito problemático, de aplicar a doutrina para nortear as relações entre as “duas espadas”. São planos distintos – e no entanto o segundo, para quem é católico, está associado à própria economia (termo que Ratzinger utiliza com arguta ambivalência em CV, 2) da salvação; ie, à própria ação do Espírito neste “tempo favorável” DC. Haja prudência e discernimento – realismo. Sobretudo depois da paz de Westphalia, 1648, clássico divisor de águas nesse campo. 2) Lemos, 20: para mim faz sentido; mas admitamos: ainda sem comprometer o essencial, não seria difícil elencar alguns Papas, felizmente não entre os mais novos, que fizeram um jogo complicado ao movimentar-se nos dois planos que mencionei. Pense na dissolução dos templários e na dos jesuítas, por exemplo.

  22. Caro Ricardo, em todos os números de comentários (afinal, estamos a falar do mesmo tema): Eis o anacronismo que eu já falei. Os exemplos históricos de imperium cristão – a sociedade cristã total que Agostinho tanto desejava (aliás, influência constante no Ratzinger teólogo e uma sombra com quem Bento XVI sempre dialoga) – que vc citou são todos os momentos em que o poder espiritual e o poder terreno quase trocaram o que era de César com Deus e vice-versa. Mas repito: quase. Trata-se de um momento histórico que não podemos repetir – e aí apoiar a tal Autoridade política mundial, há um imenso mar de possibilidades que, no atual momento, não tendem a dar muito certo. Se isso não é anacronismo, não sei o que é.

    Abraços

    Martim

  23. Wagner, 21: nada como experiência corporativa, se o sujeito consegue aproveitá-la. Em linhas gerais, o que você enxerga ali também aparece no meu radar. Sobre 23, concordo com o Martim; nem todo mundo se movimenta pelo campo dando canelada, mesmo que as condições de jogo não sejam as de um campinho de seminário.

  24. Caro Martim,
    vamos ao Bowie, ao Bing Crosby ou a quem mais chegar; mas antes um reparo sobre Santo Agostinho como aparece no seu comment 26. 2) Bispo capaz de postular que a linha divisória da Cidade de Deus não passa necessariamente por quem faz profissão de fé católica, o homem era demasiado realista para botar suas fichas em “imperium” cristão sem quaisquer qualificações. Seu realismo é proverbial. O “De Civitate Dei”, cujo subtítulo é “contra os pagãos”, está repleto de passagens sobre a dificuldade de operar racionalmente na arena política. 3) Ao acaso: “Estendida pela terra toda e nos mais diversos lugares, ligados pela comunhão da mesma natureza, a sociedade dos mortais divide-se com freqüência contra si mesma e a parte que domina oprime a outra. Deve-se isso a que cada qual busca a própria utilidade e a própria cupidez e a que o bem que apetecem não é suficiente para ninguém nem para todos, por não ser o bem autêntico.” (DCD, XVIII, 2). 4) Daí, claro, as guerras. Hoje em dia com artefatos atômicos, etc. Provavelmente Agostinho continuaria sustentando o óbvio; que “Paz” a qualquer preço é inaceitável. Também provavelmente com uma cautela redobrada: “Parte da cidade terrena veio a ser imagem da Cidade celeste; não simboliza a si mesma, mas a outra e, portanto, serve-a.” (DCD, XV, 2). Como observa um comentador, às vésperas do saque de Roma em 410 ele continua a admitir, muito realisticamente, que até na política existe a possibilidade de algum progresso no sentido da racionalidade. 5) Mas então cairíamos aqui noutra conversa; já passa das 10 da noite e você deixou claro seu ponto de vista: estaríamos caminhando para o “breaking point” final, “autoridade” ilegítima ou guerra. Tão iminente? Conversa meio centrífuga (inercial portanto) no que concerne à “Caritas in Veritate”. 5) Segunda à noite, julho de 2009, hemisfério sul. Hm. Invento que não foge ao tema o Horowitz tocando Scarlatti em NY, em 1968: http://www.youtube.com/watch?v=zpyKoOfDHp8&feature=related

  25. Como relata Sandro Magister, o papa deu dois presentes a Obama: a Caritas in Veritate e a Dignitas Personae. Uma no cravo outra na ferradura? Por fim, o trecho do Angelus citado por Magister:

    “Potrebbe disegnare foschi scenari per il futuro dell’umanità ‘l’assolutismo della tecnica’ che trova la sua massima espressione in talune pratiche contrarie alla vita. Gli atti che non rispettano la vera dignità della persona, anche quando sembrano motivati da una ’scelta di amore’, in realtà sono il frutto di una ‘concezione materiale e meccanicistica della vita umana’, che riduce l’amore senza verità a ‘un guscio vuoto da riempire arbitrariamente’ e può così comportare effetti negativi per lo sviluppo umano integrale”.

    e o artigo de Magister: http://magister.blogautore.espresso.repubblica.it/2009/07/12/il-fuori-programma-di-benedetto-xvi-con-obama/

  26. Wagner, gostei do link do Allen. Se tanto falei em Medievo e baixa antigüidade, não foi por anacronismo; sim pelo motivo simples de que naquele período, como neste pelo qual passamos, deslocava-se a imbricação entre geração de riqueza, legitimidade política e controle territorial. Os estados-nação tal como os vemos hoje têm uma história; não existiram sempre assim (para evitar riscos de má interpretação, continua havendo lugar para o natural patriotismo no meu entender; basta lembrar do princípio da subsidiariedade). 2) Da entrevista de Brague linkada no comentário 18: “Who can say that Christianity has had the time to translate the totality of its contents into institutions? I have the impression that instead we are still at the beginning stages of Christianity.”

  27. nessa encílica o Papa defede a tese de que ele é o mais preparado para figurar como autoridade política mundial, escanteiando os seus maiores rivais, o Bono e o Dalai Lama….

  28. James Schall sobre a CV; texto completo no link; excerto mais abaixo.

    http://ignatiusinsight.com/features2009/schall_caritasinveritate_july09.asp

    When it does not agree with technical, theoretical, or popular social and political concepts, at least the encyclical seeks to state accurately what is at issue. It addresses the controverted issue intelligently and accurately. It is better simply to “disagree” or “agree to disagree” than to arrive at common grounds that are really denials of the basic differences. The Church can live with differences. It cannot live with untruths on any side, especially its own. Even in the case of contingent, practical matters—which politics and economics mostly are—what is looked for is the most proper, most probable way of incorporating truth into an action or polity.

  29. Comentário tardio, mas ainda vale notar: 42 anos passados, o parágrafo 67 da “Caritas in Veritate” postula exatamente o mesmo que o parágrafo 78 da “Populorum Progressio”.

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