Uma luta muito antiga…

Neste post esclarecedor, Richard Fernandez explica e comenta as raízes da luta entre cristãos e muçulmanos que desembocou, por exemplo, no massacre  de 500 pessoas que ocorreu na cidade de Jos, na Nigéria, há cerca de uma semana – e que foi tratado com desprezo pela mídia e pela casta política (obviamente, se as vítimas fossem muçulmanas e não cristãs, tenho certeza de que a reação seria diferente).

Fernandez se inspira nas observações do prof. Philip Jenkins, que afirma claramente que o futuro do Cristianismo não se encontra mais no Ocidente secularizado e sim no Terceiro Mundo africano. Vejam só um trecho:

The relationship between Christianity and Islam poses a challenge for at least half of the 20 nations expected to have the world’s largest populations by 2050. By present projections, three of these future mega-states—Nigeria, Ethiopia, and Tanzania—will be almost equally divided between the two faiths. In several others, like the Congo, the Philippines, Russia, and Uganda, predominantly Christian nations will have Muslim minorities of 10 percent or more. Mainly Muslim states will coexist with comparable Christian sub-populations in Indonesia, Egypt, and the Sudan. In all of these places, if relations between the faiths do not improve over the next 40 years, prospects for civil order are terrifying. The world’s roster of failed states would have several new members.

6 comentários em “Uma luta muito antiga…

  1. Já eu acho que o cristianismo e a figura de Jesus em particular, está mais atual do que nunca no ocidente. Enquanto que em rincões da África e América Latina os fiéis voltam-se para o Cristo histórico, aos moldes conservadores, as universidades do ocidente revelam um Jesus que peregrinou no deserto com os essênios, que foi alquimista e mago, foi aberto a novas idéias e interessou-se por esoterismo e plantas.
    Um suma, um belo upgrade nos velhos conceitos estabelecidos

  2. “Neither of these issues are fit subjects for a respectable foreign policy journal article, but that doesn’t mean we won’t be dealing [with] the consequences of these non-existent trends in a few decades.” Muito engraçado, observar que tantos cristãos africanos e asiáticos, com as suas próprias marcas culturais, estão quem sabe aos poucos zooming in no que concerne aos fundamentos do que é realmente civilizado, ao mesmo tempo em que tantos europeus culturalmente cristãos encontram-se zooming out, upgrading com brejeirice os “velhos conceitos estabelecidos”. Tendo a concordar. Claro que é mais fácil dizer isso em algum ameno café europeu ou até no Starbucks ali da esquina, bem longe daquela região nigeriana (ou da barra pesada na Malásia: http://acutilante-jptfernandes.blogspot.com/2010/02/os-martires-modernos-do-cristianismo-in.html). A constatação continua de pé, no entanto. E arrisco dizer que esses africanos e asiáticos tocados pelo cristianismo tem pelo menos a chance de amenizar, no que lhes concerne, a tendência contemporânea à politização (e conseqüente degradação) das próprias matrizes culturais. Portanto, chance de acesso a padrões de convívio social afinados ao mesmo tempo com o direito natural e com a modernidade, atravessando a crise do estado-nação e aos poucos configurando unidades de ordem política efetivamente funcionais. Já na matriz cultural islâmica, esse desafio de religar direito natural e modernidade, em meio à crise do estado-nação “pós-westphaliano”, parece vir sendo recusado em proveito da politização radical do Islã – ou seja, em proveito de um certo islamismo enraizado na sua tradição mas que não precisa necessariamente confundir-se com o Islã. Um islamismo que se alia a várias tradições mainstream do marxismo ocidental na ânsia por chutar o pau da barraca. Elaborações melhores sobre o tema encontráveis em Bassam Tibi, por exemplo. Mas para explicar a raridade dessas conversas em publicações “respeitáveis”, basta lembrar Mário Vieira de Mello: a “grande tara da época presente” é o “culto excessivo do poder e (…) uma indisfarçável indiferença pelo problema da cultura”.

  3. http://www.africamission-mafr.org/islam_courants.htm

    No link acima, muito didática e despretensiosamente, um bê-a-bá sobre o Islã e suas correntes a) popular/de convivência, b) sufista, c)laicizante/reformadora; d) convencional/oficial; e) político/islamista. Em francês e inglês. No link a seguir, ensaio do jesuíta Samir Khalil Samir sobre Bento XVI e o Islã, “When Civilizations Meet”: http://chiesa.espresso.repubblica.it/articolo/53826?eng=y. No mesmo diapasão sereno e despretensioso, o ensaio reproduz palavras de Bento XVI em encontro com lideranças muçulmanas na Alemanha: “Only through recognition of the centrality of the person can a common basis for understanding be found, one which enables us to move beyond cultural conflicts and which neutralizes the disruptive power of ideologies.” É isso aí.

  4. A área de comentários do outro post sobre a Nigéria está bloqueada, então insiro aqui umas observações adicionais, ancoradas em ensaio de Bassam Tibi (“The Challenge of Politicised Islam”). 1) Primeiro, conversando com um amigo soube da existência de alguém que reflete e publica no Brasil sobre Islã político: Peter Demant ( http://www.espacoacademico.com.br/033/33liv_econtexto.htm). A julgar apenas pelo texto que linkei, ele parece trabalhar de um ângulo normativo (defesa do diálogo, etc), nem por isso logicamente menos razoável. 2) Demant mesmo, nesse texto curto, aponta algo de evidente, compartilhado por Bassam Tibi e tantos outros: a “rejeição do modelo ocidental” no islamismo auto-referente embute uma anti-utopia totalitária como alternativa ao estado-nação secular, pós-Westphalia. Essa anti-utopia tem uma extraordinária capacidade mobilizadora e desestabilizadora, mais ainda em um contexto no qual a ordem associada ao “modelo ocidental” já se estiola por outros motivos, internos digamos assim ao próprio modelo (não resisto a apontar o entusiasmo de Michel Foucault pela revolução de Khomeini como sintoma típico de um desses motivos internos, ie, um relativismo anti-humanista obcecado por relações de poder). 3) O Irã pós-revolução e a Irmandade Muçulmana a partir dos anos 70 são exemplos de articulação de uma “ordem islâmica” incidente sobre as relações internacionais, na qual o “sistema islâmico” (“nizam Islami”) totalizante é proposto explicitamente como alternativa ao estado-nação secular. Nessa perspectiva, perdem inclusive relevância as divisões tradicionais entre sunitas e xiitas. 4) Perdem relevância até porque na perspectiva do Islã político os simbolismos religiosos é que ganham proeminência em detrimento de sua substância; e isso em moldura que também explicitamente persegue uma “ordem internacional mais justa” associada à “ordem de Deus”, “hakimiyyat Allah” (Sayyd Qutb famosamente é um ponto de referência nesse contexto). 5) Uma “Pax Islamica” viabilizaria essa “ordem mais justa”, como alternativa radical à “Pax Americana”, ou percebida como “Americana”. A retórica do Irã, com esse horizonte, não é mais nacionalista e sim universalista, como a dos revolucionários franceses e russos dos séculos XVIII e XX. É o que ajuda a explicar o “modus operandi” de Teerã atualmente, por exemplo, nos jogos de poder em sua área de influência ou interesse. 6) Muito além de se lançar contra a hegemonia política do Ocidente, o projeto islamista investe contra as normas e valores de seu modelo, bem como contra a ordem que os sustenta. 7) Daí a importância (OK, normativa) de recordar que essa visão, ainda que muito difundida, não é a do conjunto das lideranças políticas e religiosas do universo cultural islâmico. Apontar a diversidade existente nesse universo que partilha um mesmo terreno simbólico, etc, não é frescura politicamente correta, mas atitude realista que (talvez ainda) viabiliza outras possibilidades de interação além do conflito. É o que sugere o ensaio do jesuíta no link mais acima.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>