Viagem à Itália II – O Natal é para todos

Um mês foi o tempo que passei na Itália; um mês é o tempo que passou desde o primeiro post sobre a viagem. Mas viajar não é bater ponto, e escrever é aceitar que o tempo passa.

Então voltemos a uma tarde chuvosa. Havíamos almoçado no Trastevere e a garoinha que caía não deixou dúvidas quando um taxi apareceu. Era véspera de Natal e todos me diziam que seria impossível conseguir um taxi às nove da noite para ir ao Vaticano. Perguntei ao motorista se era mesmo tão difícil:

– Ma certo… C’é Natale per tutti!

– Vabbè… ma non ci sono taxisti mussulmani?

Èh… ma non è tanto una questione religiosa… Perchè oggi c’è da mangiare. [vira para trás como se a rua fosse um detalhe desprezível]. È Il giorno che si mangia di più in tutto l`anno!

Isso me lembra da resposta dos italianos à proibição de cruzes em locais públicos e todo o rebuliço que se seguiu: prefeitos indignados, senhoras chorando, cruzes de 10m em praça pública, etc. e etc. O pessoal da Dicta ficou todo contente, como se fosse um gesto realmente heróico. Não sei não, acho que mais preciso foi meu taxista: non è tanto una questione religiosa, perchè c’è da mangiare!

Por lá, nada substitui a teatralidade do gesto; e nada passa muito da teatralidade do gesto…

*****

25.12.2009

– Hai vissuto un giorno storico ieri!

– Non lo sai, Principe, ero proprio li. La ragazza era a due passi di me!

Essas foram as únicas palavras que consegui dizer ao anfitrião no almoço de Natal – e elas não expressam completamente a frustração da noite anterior. Ao contrário do que havia previsto o taxista no Trastevere, encontrar um taxi foi a parte mais fácil daquela noite.

No dia anterior havia conseguido um convite todo especial para a Missa do Galo. Vermelho. Com lugar marcado. Na décima segunda fila. Tudo indicava que seria uma noite de Natal muito especial – e não seria um atraso a acabar com o programa. A missa começaria às dez da noite e o convite avisava que “a entrada será permitida a partir das 20hs30″. “Vamos chegar às nove; é cedo o suficiente para não correr risco e, afinal, temos lugar marcado” –  foi o que pensei. Mas não o que aconteceu.

Chegamos à Piazza San Pietro e o que impressionou não foram as colunas de Bernini, mas uma fila que fazia um caracol de duas voltas entre elas. “Mas meu convite é vermelho”. Perguntei a um guarda onde seria a entrada e ele começou a acompanhar a fila com os olhos: era a mesma para todos. Pensei em furar a maldita, mas logo senti um misto de vergonha e medo – “furar fila de missa é Inferno na certa!”

Quarenta e cinco minutos se passaram e quando finalmente entramos na basílica uma sensação especial tomou conta de todos. Era como se estivéssemos na final do campeonato italiano, Roma x Lazio. Eu devia mesmo era ter furado aquela fila e chegado ao meu lugar em paz. Mas que nada, nesse momento até as Carmelitas davam cotoveladas umas nas outras para garantir o seu cantinho. Uma desordem completa.

Oito cotoveladas depois, cheguei à lateral da igreja rumo ao bendito lugar marcado, mas agora para ouvir da guarda papal que não poderíamos entrar. “É uma questão de segurança. O papa está chegando e lá dentro já está tudo lotado”, dizia o mais bravo. “Daqui a pouco a gente dá um jeito”, dizia o outro, mais caridoso com as várias pessoas que como eu tinham ficado presas naquela fila sem sentido.

E de repente entra o Papa. Agora sim uma comoção real, capaz até de ultrapassar a coluna que bloqueava completamente minha visão da cena.  Foi sem ver nada que ouvi apenas um grito histérico, seguido de um silêncio completo. Devem ter tido vários gritos e o silêncio certamente não foi completo. Mas não importa: para mim foi um grito e o mais completo silêncio. Vocês lembram da história. Só voltei ao normal quando cinco guardas passaram exatamente na minha frente arrastando uma moça com a brutalidade esperada para ocasião.

“Viva il Papa”. E a multidão respondeu: “Viva il Papa”. A música voltou a tocar e minha esperança de chegar ao lugar foi embora junto com o Cardeal que passou numa cadeira de rodas. O papa levantou, a missa prosseguiu e tudo o que conseguia ver era uma coluna da Basílica de San Pietro. Ainda tentei achar um lugar, furar o bloqueio, subornar o guarda… Não, antes de subornar o guarda simplesmente reconheci que todo aquele teatro – a fila, a multidão, a louca – tinham acabado com minha chance de assistir à Missa do Galo. Fui-me embora.

*****

“Mas e o Príncipe?” – dirá o leitor curioso.

Na Itália é assim: nada passa da teatralidade do gesto porque tudo está na teatralidade do gesto.

Um comentário em “Viagem à Itália II – O Natal é para todos

  1. Oi Guilherme,

    To te escrevendo por aqui porque nao encontrei teu email no site.

    Mas entao, moro na França e esse ano vou passar natal em roma com minha familia. Lendo teu post sobre a missa do galo, fiquei curioso pra saber co,o voce conseguiu convite pra missa. Eh possivel que se consiga facilmente?

    Outra coisa, quanto tempo voce considera bom pra chegar para a fila? 20 hs seri suficiente? Apos a missa tem restaurantes abertos para que possamos fazer uma ceia legal?

    Aguardo resposta.
    Obrigado,
    Laerte

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