Bravuras e bravatas

por Raimundo Carrero

Eram os olhos. Vinham de longe, de bem longe. Atravessavam a cozinha, passavam pela sala de refeições e chegavam ao quarto, onde ele permanecia quase o dia inteiro, brincando. Cavalgava sobre colchões, galopes segurando no travesseiro feito crinas, os calcanhares batiam nos flancos da cama. Flancos? Que flancos? Sem explicação, por favor, sem explicações, Sereno. Muitas vezes vestia uma calça de tecido forte, brim ou algodão, cinto largo de couro, sapatos, camisa de meia.

Percebeu, no entanto, que a menina não via – não o via. Isto: nem ele nem a cama. Não os via. Uma cama de inocente, tanto inocente era: escondida pela parede. Puxou-a, puxou-a para o centro do quarto, bem diante da porta.  Deus sabe quanto sacrifício. Quanto empenho. Chegou a ter medo de estourar a veia do pescoço, lhe disseram isso, várias vezes, fazer esforço além da conta custava a ruptura da veia no pescoço, morria ciscando no chão, feito galinha com o pescoço quebrado. Sem fôlego, sem controle, as pernas batendo, os braços também. Nem valia o esforço, de forma alguma valia.

Valia, sim, valia. Não valia era cavalgar no cavalo da cama, feito de travesseiros, colchão, lençóis, sem que ela visse. Ela quem? Quem era que não via? Ela, a menina que ficava espiando de longe, lá da dispensa, onde antigamente guardavam os mantimentos da casa sem refrigerador. Mantas de carne verde pendurada, cebola, lingüiça, e no armário queijo, manteiga, condimento – chamavam assim, não é verdade? Condimentos. Os condimentos de pimentinha, alho, essas coisas que tinham, quase sempre, uma garrafa de vinagre ao lado. Azeite? Não, azeite não.

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