Hyppolite Taine – Arte e História

por Marcelo Consentino

“Quando Platão quer conhecer uma coisa que está à sua vista, o primeiro que faz é começar a correr na direção oposta, distanciar-se infinitamente dela, ir mais além dos astros e, desde um ‘lugar supraceleste’, chegando de volta, ver o que se pode dizer com sentido sobre as coisas deste mundo, que tanto carecem de sentido”. Isso dizia Ortega y Gasset, e tão afeito ele mesmo a essas viagens siderais não é improvável que entre idas e vindas tenha ouvido o segredo da boca do próprio mestre. Estranho método! Afastar-se das coisas para conhecê-las. Mas não haverá nisso algo mais do que curiosidade, uma não sei qual euforia apaixonada? Chesterton dizia que “só quem realmente deu a volta ao mundo inteiro tem pressa de chegar em casa”. E há aquela parábola do sujeito que encontra um tesouro escondido no campo, “mas o esconde de novo; e, cheio de alegria, vai e vende tudo o que tem para comprar aquele campo”. É como se o filósofo agarrasse pela gola a primeira coisa que visse pela frente e apontando à outra dissesse: “Você viu o que eu vi? Conte-me tudo!” E assim com a próxima, com mais uma, assim com todas, até o fim do mundo, até descobrir o que elas têm a dizer sobre a primeira e o que ela disse a todas. Vistas as coisas assim, seria acaso demasiado abuso reduzir a essência da sua filosofia a uma fórmula como esta: do um ao todo, do todo ao um? Da sua filosofia? Não seria de todas? Cada uma a seu modo, cada uma a seu tempo, claro. Mas sempre partindo de um impulso original, uma descoberta única, fascinante, a fim de uni-la a todas as outras coisas. O próprio Platão, enquanto se esforçava por unir idéias e coisas, passou a vida inteira tentando conciliar sua sensibilidade de artista, sua ambição especulativa e sua paixão pela glória do Estado com a existência enigmática do velho maltrapilho Sócrates, verdadeiro ponto de interrogação feito carne, que só sabia nada saber e que foi assassinado pelo Estado democrático de direito de então. E acaso não foi assim nos primeiros séculos da nossa era, quando os alexandrinos, como Fílon, Orígenes, Plotino; os gnósticos Basílides e Valentino; a Cabala ou ainda o chamado “Hermes Trimegisto”, tentavam de algum modo unir tudo à “centelha divina”, a semente da eternidade em nós, combinando a inteligência grega, o monismo ascético-místico do oriente ariano e a piedade semítica em fabulações teológicas tão fantásticas que parecem ser o sonho da razão, e é difícil decidir se na verdade são o seu pesadelo, sua alucinação ou sua grande síntese mística com a poesia? Tão difícil, talvez, quanto decidir se foi mais ingênuo ou prepotente o esforço, de resto sincero, dos filósofos modernos de Descartes a Hume, que encontrando o homem sozinho no mundo, sem um credo ou tradição, decidiram partir ora de sua experiência pura ora de sua razão pura em busca de todas as coisas. E que dizer do idealismo alemão, possivelmente o sistema filosófico mais ousado e sofisticado que já existiu – e, por isso mesmo, o mais perigoso também – tentando fundir o Universo, a Humanidade e Deus numa única idéia? Do um ao todo, do todo ao um – cada um a seu modo, cada um a seu tempo. E quando, pouco tempo depois, Hyppolite Taine (1828-93) tentará unir a arte a todas as coisas e todas as coisas à arte, o fará também a seu modo, que é o de seu tempo. E, de pronto, é isso o que faz a sua obra, antes mesmo de avaliarmos os seus resultados, tão interessante.

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