Estar no Rio de Janeiro durante a última semana foi uma experiência – desculpem o chavão – inesquecível. Nunca vi a cidade tão alegre. É algo diferente do carnaval – pelo qual, por sinal, não nutro nenhuma simpatia – ou do ano novo; é muito mais forte, profundo, inspirador. Não é uma festa pelo nada, simplesmente para extrapolar e buscar uma diversão. Pairava no ar um sentido espiritual, a busca por algo maior. Transcendente, vá lá. Que seria mais fácil de encontrar e tocar com a ajuda de outras pessoas, que haviam vindo ao Rio pelo mesmo motivo.
O ambiente nas ruas era festivo. Gente de tudo quanto é lugar, com as cores, formas e línguas as mais diversas. Ao mesmo tempo, elementos que as uniam: um conjunto de convicções, a fraternidade que deve haver entre os cristãos – que às vezes está tão sumida… –, valores, e o amor a Deus e à Igreja.
Pois é, não dá para tratar da JMJ sem reconhecer que esses milhões de jovens, que representam uma parte minúscula dos fiéis do mundo, amam essa entidade misteriosa e inexplicável – para os que não acreditam nela – chamada Igreja Católica. Por isso seguem com alegria e afeto ao Bispo de Roma, sucessor daquele Pedro que um dia foi feito o chefe de um grupo de doze Apóstolos.
É impressionante o carisma, a simpatia e a incisividade do Papa Francisco. Mas não tenho dúvidas de que tudo isso é potenciado, e muito, pelo cargo que ocupa. Não sei se existe outro no mundo – acho que não – que permanece há dois mil anos, passando por todas as vicissitudes da história. E esse cargo – não a pessoa que o ocupa, que pode ou não ser santa – tem sobre si uma promessa espantosa: “o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares na terra será desligado no céu”. Não é brincadeira.
As homilias e discursos do Papa foram marcantes. Na Via Sacra, ao tratar da cruz e colocar aos jovens a opção entre ser Pilatos, covarde e que deixa matar Jesus, ou Simão Cireneu, que ajuda Jesus, era notório como todos ficaram tocados.
Durante a vigília do sábado, a lembrança de que a oração, os sacramentos e a caridade são os caminhos para mudar a si mesmo e o mundo foi animadora. Mais poderoso ainda foi o tempo de adoração ao Santíssimo Sacramento: milhões de pessoas em silêncio – em silêncio mesmo, dava para ouvir o mar – diante do que aparenta ser pão, mas que é o próprio Jesus Cristo, materialmente presente e próximo de nós. Não havia como não se emocionar, por poder participar de uma cerimônia presidida pelo Papa, em um local tão bonito, com tanta gente, diante da Eucaristia.
A Missa de domingo foi um belo fecho. Um dia de clima bonito, depois de chuvas e, para padrões cariocas, um frio glacial (uns 17 graus). A liturgia rezada com respeito. Passei pelos bares da orla – cheguei um pouco tarde – e as pessoas se acotovelavam diante das telas de televisão, totalmente absorvidas. Não havia conversas nem ninguém comendo ou bebendo, todo mundo voltado para a Missa. O mesmo acontecia na praia, como regra praticamente universal.
Há muita gente que vai escrever sobre esses dias, com mais competência e inteligência do que eu. Mesmo assim, quero dizer algumas coisas que me vêm martelando nesses dias. Primeiro, a força da Igreja. Chega dessa ladainha medíocre que ela cometeu não sei quais crimes, que os padres não prestam, que o Vaticano tem penico de ouro, que os cardeais fizeram um churrasco de Galileu e sei lá mais o quê. Houve falhas clamorosas de gente da Igreja na história. Santo Agostinho dizia que as melhores pessoas que ele conheceu pertenciam à Igreja Católica, e as piores também. Bom, não tenho muita certeza dessa citação, mas acho que ela é verdadeira. Conforme o adágio latino, corruptio optimi, pessima! OK. Mas estamos falando de uma coisa ótima.
Se juntarmos todos os crimes cometidos por cristãos – os verdadeiros crimes, não os que professores sectários ou ignorantes inventam – e colocarmos ao lado do bem que essa instituição trouxe, falando em uma dimensão meramente humana, o desequilíbrio é gritante. O saldo é incomensuravelmente positivo. Quanto gente heroica, generosa, preocupada com o próximo, gentil, decente. Que é assim porque acredita, por um catequista lhe ter ensinado, por ter podido contar com a ajuda de um sacerdote, por rezar, reconhecer seus defeitos e pecados e recomeçar.
A força da Igreja está diretamente relacionada à sua unidade. A qual está fundada no Bispo de Roma. Nenhuma outra religião encontrará tantos fiéis espalhados por todo o mundo, todos unidos e governados por uma mesma estrutura, participando dos mesmos sacramentos e compartilhando uma fé comum. Uma prima minha era católica e se tornou evangélica; agora, o marido dela brigou com o pastor, e isso deu origem a uma dissensão, que quer fundar uma nova igreja. Com todo respeito, aonde isso vai chegar? Pode ser essa a Igreja de Cristo?
Outro ponto ligado à unidade são os sacramentos. Eles estruturam o povo fiel. Pois bem, apenas a Igreja Católica e as ortodoxas os mantêm na sua maior parte. Em especial a Eucaristia, que é o principal. E a confissão, sinal de humildade do pecador, de bondade de Deus e esperança para todos. A Jornada carioca teve um esteio importante nos sacramentos, que são uma linguagem universal. Mais ainda, trazem Deus para tão perto de nós, que outras confissões não podem aceitar que isso seja possível. No entanto, está tudo na Sagrada Escritura, na Tradição, na vida dos cristãos desde o século I.
Há a preocupação com a diminuição da porcentagem dos católicos no Brasil. Bastante razoável. Contudo, não podemos ser superficiais sobre esse problema. Muitos dos que saíram, já não estavam. Eram católicos meramente nominais. É uma pena que não foram ajudados, recuperados e alimentados, e caíram muitas vezes nas mãos de gente aproveitadora. Representa uma falha clara da Igreja, à qual o Papa se referiu em seu discurso, forte, aos bispos da América Latina.
Mas a fé não é uma questão de números. Os países do norte da Europa são em uma porcentagem extraordinariamente alta formada por batizados e, oficialmente, pertencentes a uma religião. Só que a imensa maioria não acredita em nada. Mais do que se preocupar pelo número de católicos, se está caindo ou não, é importante zelar pela qualidade da vida e da fé dos que estão nas igrejas, e podem espalhar a doutrina aos que não a receberam ou perderam.
Conheci há uns anos um sacerdote simples, sem qualquer atrativo humano especial, que trabalhou alguns anos na favela da Maré, aqui no Rio. Ele me disse que, quando chegou à paróquia, ela estava às traças, com um punhado de católicos no meio de um mar de evangélicos. Com um trabalho normal, mas sacrificado, fez o que se espera de qualquer padre: celebrou bem a Missa, sentou-se para atender confissões, visitou doentes, rezou o terço com os fiéis… Resultado: em dois anos, a paróquia dele transbordava. Sem exagero.
A força da doutrina, da liturgia e da tradição católica é espantosa. Fico hoje boquiaberto com frequência, mesmo a conhecendo desde que nasci, vendo o quanto há para aprofundar e aprender. No doutorado de filosofia, tenho lido Nietzsche, Kant, Hegel, Descartes, Heidegger e tutti quanti. Pois bem, a leitura desses autores me reforçou que a cosmovisão católica, dentro da qual cabem várias linhas filosóficas, apesar de São Tomás de Aquino ser o Doctor Communis, é a melhor resposta que existe. Como reconheceu Edith Stein, discípula de Husserl e posteriormente canonizada, ao ler a autobiografia de Santa Teresa: “aqui está a verdade!”
Os católicos não podemos ser triunfalistas nem soberbos. Ao mesmo tempo, devemos valorizar o que recebemos, muitas vezes sem mérito nosso. Nasci em uma família que sempre deu o exemplo de uma vida cristã e reta. Sei que hoje isso é cada vez menos comum. Por isso mesmo, não posso depreciar o que recebi, ter vergonha ou me impressionar com as críticas que se fazem à Igreja. Ao contrário, devo amá-la mais, conhecê-la, aproximá-la dos outros.
O Papa Francisco representa a salvação da Igreja? Ele seria o primeiro a não admitir uma colocação dessas. Primeiro, porque a Igreja nunca esteve quebrada. Melhor, dizem que ela está faz dois mil anos, mas não parece um diagnóstico muito certeiro… Segundo, Francisco não é um contraponto a Bento XVI. Tanto que aproveitou o que este último deixou para escrever sua primeira encíclica – sobre a qual vale a pena tratar outro dia –, e trata seu antecessor com enorme respeito. Sabe que temos muito que agradecer ao papa que era Ratzinger. Terceiro, Deus sempre nos surpreenderá através da Igreja. Como fez ao escolher um argentino em quem quase ninguém apostava, e nem figurava entre os 40 nomes mais prováveis, segundo a redação do Osservatore Romano. Quando parecer que existem grandes problemas, o dono da Igreja escolherá e aplicará o melhor remédio, que são muitas vezes totalmente distintos dos esperados e profetizados. Antes, precisávamos de Bento; agora, é Francisco; amanhã haverá um diferente, como ontem existiram outros, e Deus guiará e preservará essa sua Filha, que segue por aí, levando tapas de quem não a entende, mas amada por milhões, como esses jovens que trouxeram ao Rio sua alegria neste final de julho.
Só uma pergunta: não vão mais disponibilizar os textos completos das outras edições?
Cíntia, obrigado pelo interesse. Há alguns problemas pendentes antes que isso seja possível para as edições mais recentes. Avisaremos no site quando isso acontecer…
Ótimo artigo, Renato – escrito com realismo sóbrio e convicção vibrante.
Sem dúvida, o caminho para a renovação da Igreja passa pelos exemplos impressionantes do bom padre, seu conhecido, e do padre francês Michel Marie Zanotti. Este último, tendo sido nomeado para uma paróquia de Marselha que não parava de perder fiéis, tomou como primeira providência escancarar – literalmente – as portas da igreja, além de ser fazer reconhecível pelo uso constante da batina e sempre disponível para confessar e aconselhar. Medidas simples, mas de profundo impacto. Em poucos meses o número de fiéis saltou de 50 para 700!
Já em relação à inesquecível passagem do Papa Francisco entre nós, o que mais me intriga é a aprovação entusiástica da grande mídia a ele – ao que parece, querem instrumentalizar o homem, pondo-lhe a capa de progressista. Exemplo disso é a leitura enviesada que certos jornalistas andam fazendo das declarações do Papa sobre o lugar dos homossexuais na Igreja. Vamos ver se o Papa terá a lucidez de ir contra essa suspeitíssima corrente midiática pró-Francisco.
Gilberto Luiz B. Edson