O que significa torcer para um time de futebol? Significa ficar feliz quando ele vence, triste quando ele perde.
O futebol é jogado por dois times tentando chutar uma bola dentro de duas traves. A arbitrariedade das regras e do objetivo interno ao jogo não é argumento contra nosso interesse; todo jogo tem objetivos que, vistos de fora, são irrelevantes; o que interessa neles é justamente a habilidade necessária para cumprir esses objetivos dentro das regras.
O que é um time? Não é um grupo de pessoas, pois os jogadores e técnicos, que são o que importa para os torcedores, mudam de time para time sem escrúpulo algum. Também não há nenhuma relação entre os jogadores de um time e alguma origem regional, cultural ou étnica (vamos fingir que esse tipo de critério estabelecesse de fato algum vínculo comum entre torcedor e time); o Palmeiras já teve uma ligação, por exemplo, com a colônia italiana, mas hoje ela não existe mais por parte do time, embora alguns descendentes italianos ainda enxerguem tal vínculo. O time é, estritamente falando, uma marca. Uma marca sem nenhum produto por trás.
Se adoro Coca e detesto Pepsi, ao menos imagino que é porque prefiro o produto de uma ao da outra. No caso dos times, os produtos, isto é, os times em si, não existem; são pessoas que poderiam integrar, e provavelmente integrarão ao longo de suas carreiras, diversos times. A única coisa que distingue um do outro são a cor do uniforme, a logomarca, as músicas; ou seja, a embalagem. Imagine que as marcas Coca e Pepsi continuassem a existir, mas periodicamente o produto a que um dia chamamos “Coca”, no outro dia passa a ser embalado como “Pepsi”, e vice-versa, e no geral cada latinha tivesse uma mistura indistinta de ambos. Isso é o futebol.
Deixemos um pouco de lado esse caráter fluido dos times (cujos jogadores mudam de um para outro). Suponhamos que o futebol de clubes mudasse suas regras, e que cada time tivesse um estoque fixo de jogadores que não trocasse de equipe. Ainda assim, a relação do torcedor com o time seria muito diferente da relação do consumidor para com um produto. O gosto de um indivíduo pela Coca-Cola decorre de ele ter bebido Coca. Bebeu o líquido; gostou do produto; em consequência, tornou-se fiel consumidor da marca. A utilidade que derivamos do produto precede, e é causa de, nosso apreço pela marca. No futebol, a vitória ou o gol de um time só dá alegria para quem já torce por ele. Portanto, a ordem é inversa; primeiro torce-se pelo time; em consequência disso, aquele time passa a dar prazer ou dor ao torcedor.
E o que leva o torcedor a escolher seu time? O fato de alguma outra pessoa torcer para ele (pais ou outros familiares, em geral), ou o fato do time estar vencendo muito ultimamente; por isso a geração que cresceu em 70 tem muitos santistas, e a minha geração tem muitos são-paulinos. O time que ganha muito numa determinada época aumenta sua torcida.
O primeiro motivo para se torcer é indireto. A torce para o Corinthians porque B torcia; B porque C torcia, etc. Até alguma causa primeira cinquenta anos atrás que nem torcia para valer e cujo motivo pode ter sido algo como “o primo do meu vizinho é reserva do time” ou “todo mundo diz que eu pareço com o goleiro”. Por causa desse sujeito, de cinquenta anos atrás, que tomou uma decisão meio arbitrária de gostar mais de um time, hoje, um torcedor com 8 elos de distância do primeiro, ama, idolatra seu time de tal forma que chora e considera o suicídio se ele não levar o Paulistão.
O segundo motivo é igualmente arbitrário. Em algum momento da sua infância, você viu um time ganhando e gostou dele. Encantou-se pelo Raí, quis participar do sucesso dele, e virou são-paulino.
Futebol é esporte de rivalidade. Ganhar é sempre ganhar de alguém. O ser humano adora se sentir superior aos demais, e mostrar essa superioridade imaginada de alguma maneira. Nos casos menos ridículos, a superioridade deve-se a algo que a pessoa fez ou conquistou: “eu sou melhor do que você, veja meu salário / meu carro / minha namorada / minha nota na prova!”. Nos casos mais patéticos, a aura de superioridade com a qual o indivíduo gosta de se revestir vem de algo que não tem absolutamente nada a ver com suas ações: “Sou melhor que você; meu time ganhou do seu!”. Para diminuir a distância entre um e outro, o time, que não tem objetivamente nada a ver com o torcedor, passa a integrar a própria identidade do torcedor. “Eu sou corinthiano!” ou ainda “Eu sou Corinthians!” ou ainda “Nós somos Corinthians!”, e todas as expressões de devoção eterna, de entrega da vida, de lealdade incondicional. Qualquer coisa para tapar um pouco o fato de que essa parte de sua identidade nada mais é do que uma logomarca escolhida sem motivo algum e que, não obstante, o torna capaz de chorar se os homens que jogam com ela estampada na camisa perderem. O desejo de pertencer a um grupo quase sempre vem junto do desejo de se impor e de se exaltar perante grupos rivais (se eu não posso ser melhor que ninguém, posso ao menos diluir minha identidade em um coletivo que seja melhor do que outro coletivo), e o futebol cumpre esses desejos.
Um time não representa valor nenhum. É só uma logomarca gerida como uma empresa. A gente se esquece, mas é sempre bom lembrar o quanto seu time é não-você. Às vezes me parece que, se o torcedor conseguisse, por um segundo que fosse, ver claramente, objetivamente, o quanto seu time do coração não é ele próprio e nem se interessa por ele e nem se refere a ele de maneira alguma, o amor pela camisa acabaria naquele mesmo instante.
Nada do que jamais ocorreu ou ocorrerá de importante na sua vida terá alguma importância para o seu time. Alguns dos eventos felizes da sua vida, sem dúvida, você relaciona a seu time (como quando ele venceu o campeonato no dia do seu aniversário); mas essa relação existe única e exclusivamente dentro da sua imaginação. Os jogadores do time – e lembre-se, nem eles são o time – não estão nem aí para seu aniversário. A British Petroleum, a Coca-Cola, o governo da Bolívia e o planeta Marte têm mais importância direta, objetiva, na sua vida do que o Corinthians e o Palmeiras; mas você não estaria disposto a morrer por nenhum deles, estaria? E nem entoar hinos de louvor e trocar sua foto pela logomarca deles.
Pense numa pedrinha perdida na superfície lunar. Ela está ali há bilhões de anos, sendo lentamente corroída pelo atrito da poeira da Lua; fora isso, praticamente estática por todo o sempre. Nenhum homem jamais a viu. Pense o quão indiferente ela é à morte do seu cachorro, ao casamento da sua irmã, ao seu diploma universitário e à salvação da sua alma. Depois que você morrer, depois que o continente americano inteiro for aniquilado em uma guerra nuclear, a pedra continuará ali, impassível. Agora coloque o brasão do seu time nessa pedra. Esse é seu time. E você, torcedor, vai chorar de raiva e bater num anônimo a seu lado se essa pedra rolar para a esquerda, e exultar de alegria incontrolável, buzinando até as duas da manhã e torrando R$100 em rojão, se ela rolar para a direita. Saudável não é, né? “Pedra lunar, minha vida, minha história, meu amor!” E a pedra ali, imóvel, bruta.
A importância do time dura apenas tanto quanto o torcedor acreditar nela. E o verdadeiro trabalho do time/empresa é justamente fazer com que muitas mentes torcedoras criem essa relação imaginária de pertencer a um time, e atribuam importância a ele, pois é disso que eles vivem. Não há nada de intrínseco no futebol que determine que seus jogadores e agregados (técnicos, cartolas, narradores, comentaristas, etc.) tenham remunerações maiores que as do time de bocha de um clube da terceira idade. A única diferença está nas mentes dos torcedores, que abrem mão de si mesmas para se identificar a um time que, como já dito, nada tem a ver com elas. Ao conseguir criar esse vínculo, as logomarcas apreendem e fazem rodar por quantidades incalculáveis de riquezas, recursos incompreensíveis, que financiam riquezas nababescas de gente que em nada contribuiu para sua vida. Pode ter certeza que essa riqueza vem de você. E o que é pior: você não foi rouabdo; você a entregou voluntariamente.
Seu desejo de pertencer a algo e contar vantagem no facebook é tal que você está disposto a sustentar a riqueza de jogadores e cartolas, que só servem para que você possa se sentir melhor do que alguém. E se você está sustentando esse pessoal, algum custo você está pagando, ainda que não perceba, e embora o dinheiro não esteja sendo tirado diretamente de sua carteira.
A indústria do futebol é coisa séria. Pense em todos os uniformes, bandeiras, álbuns de figurinha, jornais e ingressos que são vendidos, contabilizando milhões de Reais facilmente. E a maior fatia dela não está aí. O dinheiro que seu time faz não vem só dos ingressos e nem da venda de bolas e camisetas. A real fonte da riqueza do seu time, que ele não pode perder de jeito nenhum, é o interesse e a atenção consciente do torcedor. Enquanto você estiver prestando atenção, eles estão ricos. Se você para, eles estão pobres.
Na camisa de cada time, além da logomarca do próprio time, está a logomarca de alguma(s) outra(s) empresa(s). Paga-se muito dinheiro para colocar o nome da marca ali. E paga-se esse dinheiro porque se sabe que milhões estarão olhando para ela. Da mesma forma, as emissoras de TV pagam muito dinheiro para poder transmitir os jogos dos times, o que por sua vez atrai o seu olhar para a tela da TV, e permite que a TV venda pequenos espaços e intervalos nessa tela para empresas que também querem que você olhe – apenas olhe – a marca delas.
A troca é a seguinte: você dá duas horas da sua quarta-feira e do seu domingo; duas horas de atenção consciente e interesse ativo – que poderiam ser empregadas no seu livro, na sua esposa, etc. Além disso, você oferece também horas de pensamento, preocupação, discussão e antecipação ao longo da semana. Imagine o quanto de tempo e espaço é gasto em discussões e especulações absolutamente sem base sobre qual time é melhor e sobre quem vai ganhar um jogo futuro ou ainda quem mereceu ganhar um jogo passado. Se como passatempo essas discussões já são absurdas, imagine profissionalizar-se nelas e ganhar dinheiro para participar dessa conversa fiada enquanto outros assistem.
Enfim, você dá sua mente para os times, as emissoras, os jornais, os comentaristas. Em troca, você ganha a inclusão em um coletivo que lhe dá a oportunidade de se gabar sem ter mérito para os membros de outros coletivos e sair às ruas berrando sem motivo. A troca é incerta, pois você também vira alvo potencial do ego-coletivo alheio; mas a mera possibilidade de se sentir superior, de ver seu time ganhar o campeonato (lembre-se: você poderia torcer, com igual afinco e interesse, por um time de bocha no clube da terceira idade), já vale a troca. (E a prova de que ela vale, para você, é que você está ali torcendo). Em troca, os times, seus jogadores e dirigentes, ficam indizivelmente ricos, muito mais ricos do que você jamais será. Eles ficam ricos porque vendem essas suas horinhas de atenção consciente para empresas que querem apenas ser vistas.
E aqui chegamos a um ponto que eu realmente não entendo. O que as empresas têm a ganhar? Será que a Iveco, empresa de motores e caminhões, realmente espera recuperar os R$650 mil que ela pagou só para estar na camiseta do Corinthians na partida contra o Santos? Alguém neste mundo compra um caminhão – um investimento de centenas de milhares de Reais e uma decisão cara e que terá impactos reais numa empresa de transportes – porque a marca do caminhão estava na camisa do Corinthians? O mesmo vale para o BMG, banco que patrocinou o Santos. Alguém guiará seus investimentos/empréstimos pela camisa do Santos? De duas, uma: ou toda a loucura criada ao redor da publicidade e do marketing é uma bolha, e mais cedo ou mais tarde as empresas perceberão que os gastos enormes em mega-campanhas de marketing não valiam a pena; ou a humanidade está irremediavelmente perdida. Não há terceira opção.
Qual a resposta certa? Considerem que, mesmo sabendo de tudo isso, ontem, na final da Libertadores, deixei a TV ligada durante o jogo. Meu coração apertou, e realmente me senti como se aquelas bolas chutadas dentro das traves fossem um evento com importância histórica. Na verdade, homens vestidos com logomarcas venceram uma partida de futebol. O produto comercializado nessa transação milionária foram nossos olhos e nossas mentes.
Outro motivo para se torcer para um time é geográfico. Geralmente se torce pelo time de sua cidade, assim como pela seleção de seu país. Numa cidade sem um time expressivo, porém, se torce para um time grande. Aqui no interior do Nordeste é muito comum encontrar pessoas que torcem para um time local e um nacional.
Joel,
Eu também nunca entendi direito como funciona o lucro das empresas de marketing e publicidade. Acho que no final das contas é isso mesmo que você disse. Uma ilusão idiota na qual todos acreditamos. Como o sistema financeiro. E assim continuamos todos.
Quatro pontos:
1. Pedra Lunar Futebol Clube… caramba, que belo nome.
2. Os corinthianos tem algo para se identificar sim… ensino médio a completar! aahahah. Esta piadinha é para lembrar que vc pode identificar um estereótipo ao time, nao so valores. O São Paulo FC se beneficia muito que a sua “marca” ainda eh associada a uma torcida ilustrada e de status, ainda que tenha tantos (ou mais) pés-rapados quanto os “curitianos”. E os algozes do São Paulo tambem tentam colar um estereotipo negativo nele, sao os os bambis, time de GLS
3. Nao subestime o zoomorfismo nos times. O Gambá, o Bambi, o Porco, o Peixe, o Galo… E com o zoomorfismo vao valores… No caso do Santos é mais interessante, porque é um zoomorfismo geografico. Nenhum time carioca (e olha que muitos vieram de regatas!) se associa com o mar como o Santos de Santos se fez (nem o Vasco, que poderia e muito!).
4. Por outro lado, Joel, por não acompanhar futebol eu me sinto alijado das conversas das maioria. Comecei a compensar isto tendo um estoque de piadas lidas via twitter. Sim, nao acompanhei o jogo, mas o xiste de “agora com a Libertadores so temos o Ensino Medio para zoar os corintianos” ou “o campeonato do Corithians é a profecia maia” ou “o corinthians tem mais gays na torcida e os saopaulinos tem mais mentirosos” ou “pelo sim, pelo nao, a policia de Toquio esta aumentando os efetivos” rendeu boas risadas (e integracao) na rodinha. E nao eh para isto que jogamos conversa fora?
5. Mas os torcedores tambem tem esta sensacao de inutilidade futebolistica. Uma vez estava no telefone a parte acessando o twitter, coisa inutil tb, tao inutil quanto torcer. Como o pessoal da rodinha sabe que invisto na Bolsa, ouvi a seguinte frase de um colega: “Enquanto estamos perdendo tempo com futebol, o fulano ai esta ganhando dinheiro na Bolsa”. Nao era verdade (mais perco que ganho; estava no twitter, nao na corretora) mas senti que eles tinham nocao da inutilidade do futebol
Vai, Corinthians!
Certeza que o autor do texto é São Paulino!
Joel, dias atrás li uma frase que bem resume a minha opinião sobre o tema:
“Dizer ‘que bom que ganhamos’ depois que seu time de futebol ganha é como dizer ‘que bom que fizemos amor’ depois de ver um filme pornográfico.”
Joel, minha única conclusão do texto é que não gostas de futebol!
Abraço!
O futebol é, para meu gosto, o mais belo esporte. Mas não consigo discordar de quem o vê como alienante, ou o ópio do povo.
“A importância do time dura apenas tanto quanto o torcedor acreditar nela”, você diz. Agora, troque a palavra ‘time’ por qualquer outra coisa que você valorize (religião, poesia, partido político, etc.) e a conclusão é a mesma e é óbvia: as coisas têm valor porque acreditamos que elas têm. Inventamos essas grandes paixões para nos recrearmos com elas, mas depois – e aí concordo contigo – nos esquecemos de que é uma invenção nossa…
Não acho loucura o homem comportar-se de forma irracional. Loucura seria racionalizar tudo.
Com o Fluminense ganhando agora no intervalo, um pouco na linha do oitavo mas também do terceiro comentário penso que o negócio é uma decorrência – com potencial destrutivo mas não apenas – de um interesse gregário perfeitamente humano, a ligação com os times servindo também como vetor para ligação com determinados símbolos que ganham contorno e se completam por causa da competição. O prazer olímpico de um campeonato resulta de acompanharmos confortavelmente a interação a) de um grupo humano (um “time”) que se empenha e com o qual escolhemos nos identificar e b) de um “acaso” providencial, que ao longo do tempo ajuda a criar e reforçar tradições. A fazer uma história, como nas nossas vidas ou em nossos países, etc. No mais, ainda sendo espectador muitissimo ocasional, observo que o artigo deixa de lado o interesse do jogo em si como espetáculo: por que dizemos, vg, que este gol ou lançamento é mais bonito que tal assim assado? Mas voltando aos símbolos e tradições, a mística “tongue in cheek” do Nelson Rodrigues explica melhor… Agora ao segundo tempo!
O futebol é o mais entediante dos esportes, com raríssimas excecões. Em qual outro esporte uma equipe “melhor” pode perder para uma “pior”, numa tortura de tédio durante noventa minutos?. O futebol é uma piada de mau gosto na qual todos acreditamos. Não é à toa que é o esporte brasileiro por excelência.
Como se disse acima, loucura seria racionalizar tudo. E, ainda assim, me são claros motivos para gostar de futebol.
No texto fala-se muitos de motivos, digamos, externos, que levam alguém a gostar de futebol.
Mas deve-se pensar se há algo que somente o futebol pode trazer.
Acredito que gostamos de qualquer entretenimento porque é oportunidade de ver algo extraordinário, que só pode ser alcançado por certas elites.
Como extraordinário foi, numa final de copa do mundo, um cara com as pernas tortas deixar um sueco com a bunda no chão e um moleque de 17 anos tratar dois rivais gigantes como cachorrinhos.
Sim, desde Pelé e Garrincha acompanhamos futebol com a esperança que tais coisas se repitam, como extraórdinário está sendo o Barcelona.
Escolhemos um time porque queremos dizer que tínhamos sido geniais em escolher uma marca antes que ela dispontasse. É como um investidor na bolsa. A diferença é que não se ganha dinheiro, apenas a satisfação de se estar certo. Pense no santista fanático que tanto tempo passou sem ganhar título mas foi recompensado pelas façanhas de Elano, Diego e Robinho e depois por Neymar, Ganso e Robinho.
Óbvio que vimos heróis em campo.
Se o direito teve Hans Kelsen, o futebol teve o exilado Puskas. E nomes como esse nos fazem admirar aqueles que fazem algo novo, que desafiam o que está estabelecido, não para sepultá-lo, mas para mostrar o quanto os anteriores deixaram de fazer. E sempre é inspirador quando um herói, como Ronaldo, supera certas dificuldades e volta ao topo de sua profissão.
Certos salmos falam de como as coisas não dão certo mesmo quando fazemos tudo certinho… O futebol mostrou com Puskas, Cruiff e Zico que nem sempre a eficácia anda com a eficiência.
Óbvio que muitos torcem por condições geográficas. Mas esse é um bairrismo como qualquer outro. Quando um paulista decide torcer pelo Vasco vemos um elogio ao livre-arbítrio criado por Deus.
O texto também fala dos patrocínios… mas esquece que essa “paixão” existia antes dele. Pior seria se essa “paixão” nunca fosse reconhecida e o esporte deixasse de existir por falta de apoio.
Enfim, muitos torcemos pelos motivos acima.
Mas talvez compreenda-se melhor após uma visita ao museu do futebol. Principalmente naqueles dez minutos de vídeo de Pelé e Garrincha.
Joel, é simples, isso de torcer.
Trata-se de algo que foi ensinado na infância. O sujeito aprende a fazer isso com o pai, ou com os colegas, ou na escola.
O que se aprende a fazer na infância, tende a ter uma longa persistência
Depois dos bons comentários já feitos, acrescento que é possível identificar outra “mística” por trás da identificação com um time de futebol.
O ser humano possui um instinto competidor que o esporte abriga com civilidade: ao mesmo tempo que ele dá um espaço aceitável para a disputa, há regras que direcionam as motivações dos envolvidos e há objetivos que guiam a excelência dos atletas, e aqueles de alto rendimento elevam o corpo a uma habilidade e uma capacidade superiores – não se trata da arbitrariedade de um fenômeno tão ordinário como foi dito.
Por isso, com esse instinto competidor abrigado pelo esporte (e o chamado “espírito esportivo”), o torcedor tem algo fora do comum para ver – algo que civiliza e dá um sentido de excelência ao desejo de disputa, pois é exigida uma estratégia, uma habilidade e um esforço às vezes apaixonado para se atingir a meta. O que me faz ver no esporte algo mais intimamente necessário ao ser humano (que assim se ocupa das táticas para a vitória no esporte ao invés da guerra) do que uma pedra na lua.
Mas a identificação com um time também me parece passar por motivos menos arbitrários do que torcer por algo que “não tem nada de você”. Ora, nós torcemos por aquilo em que identificamos os valores nos quais acreditamos, e quando ficamos felizes pela vitória desse algo é porque enxergamos uma prova no mundo de que, com esses mesmos valores, é possível sobreviver e triunfar. É assim com a nossa empatia com pessoas também: ficamos felizes no sucesso daquelas com que sentimos que compartilhamos os valores, porque temos a capacidade da empatia e porque somos capazes de sentir que há, sim, “algo nosso” ali provando que está certo.
O exato vínculo desse tipo de valores com os times de futebol é algo que eu não sei explicar muito bem, mas sei que ele existe, porque um time tem uma história que você acompanha, tem a sua própria mística de heróis, de perfil estratégico, que influencia não só a interpretação de uma verdadeira unidade em um time – mesmo que ele possa mudar de jogadores, técnicos e gerenciadores -, mas também influencia esses próprios profissionais envolvidos. Quem nunca ouviu falar na motivação de um jogador de futebol entrando em um grande time, jogando no seu próprio estádio?
Acho que o texto subestima a capacidade de empatia do ser humano, a função civilizadora do esporte em relação aos nossos instintos competitivos, e o perfil histórico e cultural que um time que desempenha uma técnica, estratégias, etc., consegue assumir.
Complementando a unidade que um time de futebol assume com um perfil pelo qual as pessoas torcem, lembro que a história dos times de futebol, por se envolverem em algo incomum, ganha a evidência para fazer parte da própria cultura: pois o São Paulo é aquele time que colocou o Raí em campo e foi campeão do mundo em 92, 93, etc. Por mais que os jogadores sejam outros hoje, há uma bandeira sendo carregada, que acho que consegue representar um minicontexto cultural legítimo.
Grato a todos pelos comentários e críticas!
Acabei passando uma impressão demasiada de condenação ao futebol ou ao gostar de assistir futebol, coisa que não me passava pela cabeça; como se achasse “um absurdo!” que alguém torça. Eu estava mais é olhando para um fato que me deixa perplexo, e que é sim de certa maneira “absurdo”, mas não no sentido de imoral, e sim no de não parecer fazer sentido algum. Afinal, eu também, embora não seja fã, estava lá assistindo a final da libertadores.
Ao mesmo tempo em que vejo essa paixão pelo futebol como uma escolha de viver na mais pura ilusão, reconheço que, por ser uma ilusão partilhada, ela acaba tendo diversos efeitos positivos. Por exemplo: as pessoas se relacionam, bebem juntas, se emocionam juntas, criam, fortalecem e celebram vínculos, por causa do futebol. Mas poderia ser igualmente por causa da pedrinha lunar…
Como dito por outros, há tipos de identificação com um time (origem geográfica, nacionalidade, por exemplo), que parecem criar vínculos mais objetivos – supondo que esse tipo de vínculo (“viemos de um território controlado por um mesmo Estado”, ou ainda “falamos a mesma língua”) não seja, ele próprio, também ilusório. Mas no futebol brasileiro atual esse não é o caso. Evidência: São Paulo e Rio, as duas maiores potências, têm diversos times; time que ganha mais angaria mais torcida; muito brasileiro torce contra time brasileiro se esse time for “rival” deles. Então as questões de origem, cultura e nacionalidade não parecem ser nada relevantes para a torcida dos grandes times brasileiros.
E os times não representam nada. O Corinthians não representa – ou seja, não há base objetiva nenhuma para ver nele – valores como honestidade, integridade, amor ao próximo, ou seja lá o que for. O mesmo vale para todos os times. Nunca, em momento algum, se trata de uma rivalidade, digamos, entre valores como “espontaneidade e alegria de viver” e “disciplina para alcançar seus objetivos”. Seria ridículo colocar esse tipo de leitura na disputa entre times.
Enfim, queria mais é gerar algum espanto frente a esse fenômeno que é a paixão nacional pelo futebol, que representa coisas muitíssimo diferentes para torcedores, times, empresas patrocinadoras, etc. E deixar a indagação: qual desses diversos olhares sobre o jogo é o mais verdadeiro, ou menos ilusório: o do torcedor que chora de alegria com a vitória de “seu time” ou o da empresa que lucra milhões com essa mesma vitória? Para onde eu olho para descobrir a resposta: UM desses dois interessados na partida realmente saiu mais rico.
Sim.. mas há algum sentido em alguma coisa nesse mundão sem Deus??
É tudo vaidade meu filho…
O futebol é uma espécie de um gênero maior, que é o jogo. O jogo é uma atividade que tem um valor em si mesmo, daí a arbitrariedade das regras. Na definição de Johan Huizinga:
“O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da ‘vida cotidiana’.” (cfr. Huizinga, Homo Ludens)
O jogo tem um caráter lúdico que é um componente importante da condição humana, é algo que está ligado de uma maneira muito íntima como nossa constituição enquanto seres humanos. É impossível excluir o jogo da sociedade humana, de tal maneira que praticamente não achamos vestígios de civilizações que prescindiram de jogos.
Parece-me uma grande bobagem acusá-lo de “demência”. Ele está aí, faz parte da nossa vida, da nossa condição e com tal é um bem. Hoje é o futebol, em outro momento foi outro jogo qualquer, mas inegavelmente ele está aí, intimamente ligado ao nosso modo de interagir com a realidade.
O que você descreveu vale para para qualquer esporte, mas tem um detalhe importante que vai além da paixão clubística, que é o prazer de ver pessoas comuns criando momentos marcantes. Por exemplo, ver jogadores como Nadal, Federer e Djokovic no tênis praticarem finais incríveis, ou belas jogadas de Messi e Neymar entre tantos outros ótimos esportistas, a lista vai longe… Se alguns torcedores levam tão a sério a ponto de “prometerem a vida”, certamente eles tem problemas e provavelmente iriam canalizar essa loucura em outras áreas, mesmo que não existisse esporte algum.
Segundo o último comentário o futebol, ou qualquer outro esporte, é uma droga, pois sua função é nos levar a uma consciência diferente da “vida cotidiana”. Existem outros meios mais eficazes de se conseguir isso. Menos perigosos e menos desgastantes também.
Caro Sérgio, concordo com seu comentário; mas atente à diferença entre jogar um jogo, que é do que Huizinga parece estar falando, e torcer fervorosamente enquanto outros jogam. É desse segundo caso que eu estou falando.
Nada é mais saudável que enfrentar moinhos de vento. A demência começa quando se tenta racionalizar e enxergar causas diretas na luta contra os moinhos.
650 mil não é um investimento tão alto em publicidade… E infelizmente, acho bem difíficil afirmar, dada o formato atual (já bem estabelecido do mercado de publicidade e marketing) que é uma bolha….
“[…] por isso a geração que cresceu em 70 tem muitos santistas, e a minha geração tem muitos são-paulinos. O time que ganha muito numa determinada época aumenta sua torcida.”
=
Não. Na verdade, a geração que cresceu nos anos 1960 tem muitos santistas. Na geração da década de 1970 há muitos palmeirenses, arrebatados pela Segunda Academia de Ademir da Guia, Dudu, Leão, etc. (o mesmo ocorreu na década de 1990). Um abraço.
Isso aí foi escrito por um Palmeirense!! VAI CORINTHIANS, MINHA VIDA, MINHA PAIXÃO, MEU TESÃO!! LOUCO POR TI CORINTHIANS!!