Compare essas duas posições: “Lugar de bandido é na cadeia! Roubou? Matou? Então tem mais é que pagar pelo que fez!”; “Eu acho que a função da prisão tem que ser sempre recuperar o presidiário. Punir por punir não faz sentido; é até cruel. O importante é a reinserção social do preso.”. Agora responda: qual dessas duas posições procede de um espírito mais humanitário, mais preocupado com o bem do ser humano? Talvez você pense que é a segunda, mas engana-se. A primeira posição é de longe a mais humana, e vou mostrar o porquê.
Então humanitário seria punir por punir? Mas a mera punição é o que você faz com qualquer animal, como faria, por exemplo, com o seu cachorro, quando quer inibir um de seus comportamentos inadequados. Humanitário é, sim, reeducar um ser humano que comete um crime. Ao invés de fazê-lo sentir “na própria pele o mal que cometeu”, devemos fazê-lo sentir no coração e na mente.
Punição por punição não é justiça. É vingança! gera mais ressentimento, mais violência…
Além do mais não é nada cristão…
Recuperar, ressocializar é a principal finalidade, pois o crime geralmente reside na ignorância ou na patologia.
As penitenciárias do Brasil hoje são muito mais do que punição, são tortura, sadismo, pura vingança. O sujeito sai muito pior do que entra…
Ele não virtualizou as outras funções da punição, ao meu ver, Luciano.
Ele simplesmente mostrou que a mais importante delas é sim o “reparo de uma injustiça”.
E se você discorda disso, fundamente.
São os acidentes da realidade brasileira capazes de nos fazer repensar o conceito de punição?
Corrigem-se os acidentes ou corrige-se o conceito? Você escolhe.
O cachorro é punido para que não mais faça mal-criação. É punição com sentido educativo.
A punição como restabelecimento da justiça só existe quando falamos de homens.
Concordo que seja bom recuperar o culpado na medida do possível (tem uma disposição interna, uma decisão que só ele pode fazer que não é determinada por nenhuma causa externa). Mas essa, como quis mostrar, não é a consideração primária.
Se fosse, a inocência ou culpa do condenado seria uma consideração secundária, quando na verdade todo mundo aceita que ela seja a mais importante.
Renan, eu sei que ele não virtualizou os outros conceitos. Estou discordando que a punição seja a principal finalidade precípua da chamada justiça criminal.
Ademais, a punição não necessariamente é reparadora. Se um sujeito comete um homicídio, por exemplo, seu encarceramento não ressucitará o falecido. Nesse caso, ela está mais próxima do conceito de vingança. Aliás, Niezsche foi um dos que alertava para essa idéia de vingança nesse conceito de justiça.
Acredito que fundamentei a minha discordância. Além do mais, coloquei um elemento de realidade na discussão, por julgá-lo importante para o entendimento. Diferentemente de você, acredito que a realidade deva nos fazer repensar os conceitos, na medida em que estes não são mera abstrações, mas representações que tentam apreender algo do real.
“Apenas um homem é punido para se restabelecer uma ordem de justiça perdida.”
Vai me desculpar, Joel, mas essa frase é vazia.
Durkheim afirmava que “a reação social que constitui a pena é devida à intensidade dos sentimentos coletivos que o crime ofende; mas, por outro lado, ela tem por função útil manter esses sentimentos no mesmo grau de intensidade pois estes não tardariam a se debilitar se as afensas que sofrem não fosem castigadas” (As Regras do Método Sociológicos, cap. V, pag. 98)
A pena vista unicamente como castigo, está longe de “restabelecer uma ordem de justiça perdida”. Ela apenas apazigua esse “sentimento ofendido” a que Durkhiem se refere. E isso não se confunde com a idéia de justiça!
A penalização nada mais é que vingança estatizada, burocratizada, criteriosa. E a vingança, por sua vez, tem por única função propiciar essa catarse coletiva dos sentimentos ofendidos…
A função humanitária da pena, por definição, só pode residir na sua efeito educativo…
Errata: “principal finalidade precípua”, escrita anteriormente, ficou redundante. Subtraia um dos termos.
Opa, erro meu.
Apenas um homem CULPADO pode ser punido para se recuperar uma ordem de justiça perdida.
Tire essa consideração, e cai-se na conclusão de que é aceitável punir inocentes. E não é aceitável punir inocentes.
Portanto…
O “culpado” já estava subentendido. Mas não mudou nada nas refutações que te fiz. Portanto… (digo eu, hehehe)
A punição promove uma catarse sentimental? Em muitos casos sim.
Mas note que isso não vale sempre. Em muitos casos, temos pena e compaixão do criminoso, mas nem por isso deixamos de defender que ele seja punido.
Em outros casos, sabemos que punir um inocente (mas culpado na visão popular) pode sim promover essa catarse sentimental, mas nem por isso defenderíamos uma barbárie dessas.
O sentimento de catarse das vítimas e de quem simpatiza com elas também não é o principal a ser considerado, embora, diferentemente de você, eu não considere tais sentimentos como errados em si mesmos.
Em geral, uma injustiça gera em nós um sentimento de ultraje e indignação, que clama por vingança, reparação.
Esse sentimento é, se moderado por outras considerações, algo bom.
Essa configuração sentimental do ser humano revela uma percepção moral e metafísica da realidade. Via de regra, a partir do momento que sabemos que alguém é inocente, a punição dessa pessoa deixa de ser emocionalmente satisfatória. Por que isso acontece? Porque essa percepção da culpa e da ordem moral que o criminoso viola está arraigada na nossa natureza.
Como todos os sentimentos, é passível de abuso, de excesso, de uso desordenado. Mas nem por isso deixa de ser bom. Temos esse sentimento de indignação por algum motivo.
Você mesmo diz que devemos levar em conta os dados da realidade para tratar dos conceitos. Ora, e esse desejo de reparação não é um dado da realidade que deve ser levado em conta? Por que você supõe, de antemão, que ele seja sempre algo mau e errado em si mesmo?
Por que é aceitável encarcerar um homem culpado de um crime num “centro de recuperação” por 10 anos e não é aceitável fazer o mesmo com um outro homem inocente, mas igual ao primeiro em tudo o mais?Porque a culpa ou inocência do sujeito é o fator mais importante em jogo!
Considerações sobre recuperação, sobre segurança da sociedade, sobre os sentimentos das vítimas, etc vêm apenas depois!
Joel, a discussão começou quando você afirmou que a punição do culpado seria a função mais “humanitária” na justiça criminal. Eu discordei, alegando que punição (ou castigo) pode ser aplicada a qualquer animal irracional, fato que retiraria, em última análise, o seu estatuto de “humanitário”.
Diferente disso, aleguei que a reeducação ou ressocialização seria a finalidade principal no estabelecimento de uma justiça criminal verdadeiramente humana, já que iria restituir ao criminoso os valores sociais aos quais ele deveria ter aderido, mas, por uma razão ou outra, não aderiu. Afirmei tudo isso sem que tenha descartado a validade e legitimidade de todas as outras pretenções retributivas ou restitutivas encontradas no conceito de penalidade (em suas palavras: “punir, dissuadir, proteger”).
Não confunda as coisas. Citei o Durkheim precisamente porque concordo com ele. A punição tem como moto original essa idéia de restauração de um sentimento ofendido. Isso é absolutamente legítimo e necessário para que a sociedade não siga ruma a anomia. Entretanto, essa reparação ao sentimento ofendido possui também um outro nome: chama-se vingança. As pretenções punitivas do Estado, por meio de suas sanções, nada maissão que uma espécie de vingança institucionalizada. Embora seja estatal, ela também gera uma devida reparação, ou seja, proporciona ao ofendido a catarse necessária para aplacar o seu sentimento de dignidade ofendida. Tudo isso é absolutamente legítimo! Porém, que não se confunda catarse com “linchamento, revanche, exercício arbitrário das próprias razões”, ou algo do gênero… Eu consenti que a catarse pode ser feita atendendo aos requisitos de uma sociedade civilizada e dentro do que se chama de “Direito do Estado”.
Mas isso, obviamente, não é a função mais humaitária da justiça! Até um animal reage em sua própria defesa quando se vê alvo de um ataque “injusto”, muito embora ele não tenha qualquer idéia do que seja a Justiça!!!!!
Você pode alegar: o animal não tem sentimentos, não tem idéia do que seja uma “dignidade ofendida”. Mas talvez o sentimento ou dignidade ofendida seja apenas um falso pretexto, ou uma “máscara”, para que o ser humano dê vazão a sua eterna sede de vingança, de modo a impingir ao outro tanto mal quanto este lhe causou.
A questão é: qual das duas finalidades é necessária e suficiente para que uma punição seja justa?
Finalidade suficiente: nenhuma delas, pois todas se complementam.
Finalidade necessária: todas elas a um só tempo, na medida em que cada uma tem sua função.
Punição justa? Defina o que você entende por justiça. Os gregos e romanos diziam que justiça é “dar a cada um o que lhe é devido”. Ou seja, nos sugere uma idéia de proporcionalidade, equanimidade, etc.
Mas a sanção retributiva, diferentemente da reparadora, jamais poderá ser proporcional, no rigor da palavra, pois retribui um mal com outro essencialmente diferente. Por exempo: como retribuir ao autor de homicídio uma sanção equânime? A única maneira seria condenando-o à pena de morte! Mas isso fere alguns outros princípios éticos que compôem a idéia de justiça. Ademais, para esses casos, a legislação só prevê a pena privativa de liberdade, algo, portanto, substancialmente diferente.
Mas nem para os gregos a proporcionalidade significava uma punição rigorosamente igual ao delito praticado. Se assim fosse, eles deveriam punir estupro com estupro, por exemplo, o que não faziam.
Para haver a proporcionalidade, basta que crimes leves recebam penas leves, e crimes graves, penas graves.
Recuperação é necessária na punição? Não parece ser verdade. Afinal, punimos até mesmo pessoas para as quais vemos pouquíssima ou mesmo nenhuma chance de recuperação. Isso é verdade no caso de punições pesadas (criminosos que vão para a cadeia afirmando, e lá continuam a afirmar, que assim que saírem voltarão para o crime sem remorso algum) e mais ainda para penas mais leves (multas, por exemplo, nas quais a recuperação do punido nem sequer é levantada).
Em segundo lugar, há criminosos que se recuperam ANTES de serem punidos, ou durante sua punição, e nem por isso deixamos de puni-los ou interrompemos a punição. Um assassino se arrepende profundamente logo depois de matar, e muda sinceramente de disposição. Mesmo que saibamos ser esse o caso, ele ainda tem que ser punido pelo que fez.
Assim, a recuperação do punido, ainda que uma consideração importante, não precisa estar necessariamente presente em toda e qualquer punição. Já a idéia de retribuição, de dar ao criminoso aquilo que ele merece (um mal), isso sim, sempre tem que estar presente.
Uma citação de Leonardo Polo ajudaria:
“A vingança é, definitivamente, uma tendência humana. Só é uma tendência distorcida se se escapa da liberdade, o que ocorre com frequência. É útil considerá-la para mostrar que as más tendências comportam um déficit de liberdade que as empobrece e isola. Por isso devem se fortalecer, porquanto a virtude moral é a mediação entre a liberdade pessoal e a natureza do homem. É próprio da liberdade resistir à ofensa e reclamar justiça. O sentido livre do castigar a ofensa tem por objetivo a correção e a defesa da ordem. […] O vício no qual se pode cair é fixar-se no puro castigo […] o que odeia confunde a ofensa com o ofensor. O ódio é o sentimento que surge do desvio da vingança, que a isola. Por isso o ódio é obsessivo. É evidente que aquele que odeia perde a liberdade diante do mal, posto que devolve o mal com o mal. E mais ainda: o que odeia propriamente não se vinga, posto que só tem em conta o mal sofrido como motivo que alimenta o seu ódio. Isso é vicioso e inumano: é a crueldade. Não é um bizantinismo distinguir a vingança e o ódio, o castigo e a crueldade, que cede ao mal ao invés de corrigi-lo e reestabelecer a ordem perturbada” (Quién es el hombre, pp. 140-141, tradução minha).
Ao que me parece, quem não consegue distinguir entre ódio e vingança caiu em alguma falácia iluminista, hobbesiana ou rousseauniana. Ao que parece é esse o caso de Durkheim e de quem o subscreve, embora não tenha o mínimo interesse, no momento, de verificar documentalmente essa crítica.
Abraços!
Uma dúvida: a pena não é um bem para o criminoso?
Apenas complementando: para Platão (se não me engano) o injusto agressor faz mais mal a si próprio do que ao agredido. Portanto, a pena somente repara a desordem (que é um mal objetivo) que o injusto agressor fez a si próprio.
Ou seja, a pena é dar ao injusto agressor aquilo (um bem) que lhe é devido (sem desconsiderar os outros fins dela).
Se não for isso eu tenderia a aceitar a tese de que a punição é apenas uma vingança institucionalizada e não aplicação da justiça.
É incorreta essa visão?
Julio, falácia seria colocar no mesmo saco a vingança e o ódio, como se não houvesse matizes nos sentimentos. A vingança, representada no castigo, é uma forma de aplacar esses sentimentos ofendidos, como disse Durkheim, e que não necessariamente precisa chegar aos paroxismos de um ódio assassino do “olho por olho e dente por dente”.
Não sei se isso é iluminista, hobesiano, rousseauniano, mas rotular idéias tampouco ajudo a compreender as coisas.
Eu poderia dizer que o castigo não é nada cristão, já que Jesus nos ensinou o perdão… Mas, enfim…
O castigo é tão cristão como o perdão; teologicamente, a justiça e a misericórdia são precisamente dois atributos complementares da bondade divina. Se você suprime um dos dois, terá tudo – por exemplo uma divindade paz e amor new age ou uma má interpretação do deus vétero-testamentário -, menos um deus cristão. O mesmo vale para a ética natural e para a teologia moral. Mas como disse Chesterton, as coisas simples são sempre as mais difíceis de provar.
Acho que o amigo Luciano está confundindo as coisas. Um morto não pode ser sujeito passivo de um delito, afinal ele não é mais titular de direitos. Por isso a titulariedade do interesse ou da reparação passa, segundo o CP, ao cônjuge, ascendente ou descendente.
O sentimento de vingança é algo subjetivo, mas de forma alguma é um ato jurídico. São coisas totalmente distintas. O Estado tem caráter impessoal, não toma “as dores” da vítima, apenas pune, de forma legítima, a conduta tipificada como crime.
Quanto à pena, novamente a confusão se faz. Em primeiro lugar, uma conduta criminosa (dolosa ou culposa) é um ato antijuridico. Antes da reabilitação do agente, há a punição legal. São coisas distintas. Tanto que temos dois códigos distintos para discutir tais assuntos, embora sejam complementares.
Concordo, todavia, que a fase de cumprimento da pena é extremamente mal praticada em nosso país. Depois dela imposta – mediante o devido processo legal -, o seu cumprimento se dá em caráter estritamente desumano (no sentido de deseducar ainda mais o agente, tornando-o ainda mais propenso a cometer novamente um crime).
Saudações,
Ronald
Roland, não estou confundindo as coisas. Está tudo explicadinho aí, e acho que você não entendeu. Em nenhum momento eu disse que um cadáver era titular de direitos, o que seria absurdo. Nesse caso do homicídio, a pretensão punitiva é sempre do Estado e será feita em nome tanto do interesse particular quanto do coletivo. Quando falo em “reparação”, não estou usando o sentido jurídico do termo, isto é, de uma idenização, por exemplo. Estou falando no sentido de uma ação do Estado que de maneira vicária aplaca o desejo de vingança. Esse desejo pode ser particular (seja da vítima ou de seus familiares) ou coletivo, pouco importa. Você já presenciou um criminoso ser linchado nas ruas? Esse mesmo sentimento de ódio da turba é que o Estado tenta aplacar quando aplica uma pena a todo infrator. Esse monopólio da violência por parte do Estado faz com que essa vingança se faça por meio – aí sim – de um ato jurídico de acordo com as leis vigentes.
É óbvio que sob o ponto de vista formal o desejo de vingança jamais será um ato jurídico. Porém, estamos fazendo aqui uma análise mais filosófica ou sociológica, como queira, e não uma discussão doutrinária entre rábulas. Então, não confunda o formalismo conceitual do Direito, com todas as suas ficções jurídicas, com a relalidade social e antropológica em que vivemos.
Roland, não estou confundindo as coisas. Está tudo explicadinho aí, e acho que você não entendeu. Em nenhum momento eu disse que um cadáver era titular de direitos, o que seria absurdo. Nesse caso do homicídio, a pretensão punitiva é sempre do Estado e será feita em nome tanto do interesse particular quanto do coletivo. Quando falo em “reparação”, não estou usando o sentido jurídico do termo, isto é, de uma idenização, por exemplo. Estou falando no sentido de uma ação do Estado que de maneira vicária aplaca o desejo de vingança. Esse desejo pode ser particular (seja da vítima ou de seus familiares) ou coletivo, pouco importa. Você já presenciou um criminoso ser linchado nas ruas? Esse mesmo sentimento de ódio da turba é que o Estado tenta aplacar quando aplica uma pena a todo infrator. Esse monopólio da violência por parte do Estado faz com que essa vingança se faça por meio – aí sim – de um ato jurídico de acordo com as leis vigentes.
É óbvio que sob o ponto de vista formal o desejo de vingança jamais será um ato jurídico. Porém, estamos fazendo aqui uma análise mais filosófica ou sociológica, como queira, e não uma discussão doutrinária entre rábulas. Então, não confunda o formalismo conceitual do Direito, com todas as suas ficções jurídicas, com a relalidade social e antropológica em que vivemos.
Julio, meu amigo, o castigo nunca foi cristão. Ele pode até ser teólogico, mas jamais foi ou será cristão. Jesus ensinou a perdoarmos uns aos outros. Todos aqueles que se acharam no direito de “atirar a primeira pedra”, foram advertidos sobre seus próprios pegados. O único títular do direito de castigar é Deus, haja vista a sua justiça divida.
Isso é simples e fácil de provar…
Errata: Jesus nos ensinou a perdoar uns ao outros