Trilogia do Androide

Para falar de Prometheus é necessário falar de Alien. O filme mais recente de Ridley Scott surgiu como uma prequel do clássico de 1979, logo se tornou um projeto diferente, mas ainda ambientado no mesmo universo. Não há relação direta com os personagens de Alien, a tecnologia exibida em uma nave, com espaços abertos e hologramas sofisticados, não pode ter antecedido a outra, repleta de monitores arcaicos e botões piscantes do chão ao teto, mas há dois elementos que conectam os dois filmes; o alienígena, é claro, e o androide. Cabe aqui falar de ainda outra obra do mesmo diretor, Blade Runner. No filme de 1982, quatro replicantes, robôs de aparência perfeitamente humana, se rebelam e sequestram uma nave espacial para retornar ao planeta Terra e encontrar seu criador. Tal busca é semelhante aos nossos esforços no campo da filosofia, da religião e das humanidades em geral. De fato, é muito difícil separá-los dos humanos e identificá-los como robôs, pois possuem personalidades e vontades próprias. Por haver androides assim nos três filmes, seria cabível, portanto, considerar Prometheus como a terceira parte de uma “Trilogia do Androide”, em que a humanidade (ou a suposta falta dela) é discutida, culminando, é claro, na questão do criador supremo – quem nos criou? E por quê?

O robô David (outra interpretação excelente de Michael Fassbender) é o personagem mais interessante de Prometheus. Amado pelo dono Peter Weyland (Guy Pearce sob quilos de maquiagem), fica ressentido quando ouve que lhe é como um filho, apesar de não ter alma, ou quando qualquer um faz alusão à sua condição de coisa. Sozinho enquanto os humanos dormem durante a viagem espacial, assiste Lawrence da Arábia, clareia e penteia os cabelos para ficar parecido com Peter O’Toole, repete suas falas, joga bola, estuda uma nova língua. David parece o robô carismático de Wall-E; ama a humanidade e deseja fortemente fazer parte dela – mas possui também um lado tenebroso. Dissimulado e vingativo, leva em consideração quem o trata educadamente e quem faz questão de considerá-lo como uma mera máquina. Além disso, tem o desejo demasiado humano de ser não só mais uma criatura, mas também um criador. Sem entregar muito, é graças a David que uma nova espécie surge no universo. E o experimento, como é de se esperar, não dá muito certo.

Comecei falando de Alien, mas é crucial colocá-lo um pouco de lado ao assistir Prometheus – que tenta ampliar e complicar o que era bom justamente por ser simples: sete pessoas presas com uma criatura mortal. A tagline de Alien, “no espaço, ninguém pode te ouvir gritar”, é lembrada até hoje porque trata do mesmo elemento que torna assustadores filmes passados em lugares remotos como O Enigma de Outro Mundo (The Thing, 1982) ou até o claustrofóbico Abismo do Medo (The Descent, 2005). O que importa na trama é a dificuldade de fugir ou de pedir ajuda. A falta de um espaço confinado é uma das fraquezas do novo filme. A nave de Prometheus é tão espaçosa que seria possível viver com um alienígena sem nunca se deparar com ele. Mesmo assim, há bons momentos de suspense, como um procedimento cirúrgico realizado às pressas que acaba sendo uma das cenas mais enervantes de todos os filmes citados. Outro grande trunfo de Alien, contudo, era a heroína escondida, quase apagada no começo do filme – na verdade, ela é até antipática, quando se recusa a resgatar o colega atacado alegando que isso colocaria a todos em perigo (como de fato acontece). Isso permite que não saibamos de cara quem será o líder, quem será o traidor, quem sobreviverá, etc.. Em Prometheus, a heróina é logo estabelecida, o que tira a surpresa das dinâmicas sociais da tripulação e empobrece os personagens.

Elizabeth Shaw (interpretada pela sueca Noomi Rapace, dos filmes da Trilogia Millenium e de Sherlock Holmes 2) é a cientista responsável pela missão espacial em busca dos nossos “engenheiros” extrassiderais. Em cavernas espalhadas pelo planeta (a que aparece no início é a mesma do excelente filme em 3D de Werner Herzog, A Caverna dos Sonhos Esquecidos) há pinturas rupestres que apontam um mesmo mapa no espaço, que ela interpreta como um convite de nossos criadores para desvendarmos os segredos de nossa origem.

Assim como David que pergunta por que foi feito e recebe a resposta “porque nós podíamos”, Elizabeth também acaba decepcionada. Mesmo assim,  ainda faz questão de usar o crucifixo do pai e de não perder a fé em encontrar uma razão para tudo. Tal postura pode parecer ingênua, mas é justamente o que nos separa dos androides. Em Alien, Ripley (Sigourney Weaver) arrisca a própria vida para salvar um gato. Logicamente não faz o menor sentido – mas ela o faz porque é humana.

Em suma, Prometheus é um filme falho, mas interessante, tenso e bonito (que merece ser visto em IMAX 3D e sem grandes exigências).

Um comentário em “Trilogia do Androide

  1. Concordo plenamente. Realmente por eu considerar Blade Runner meu filme favorito, foi um pouco difícil a digestão de Prometheus. Realmente não tem como perceber a homenagem à Alien. Algo que não tem como negar é a fotografia que ele proporciona é de tirar o fôlego. Acho que realmente o roteiro podia ter sido melhorzinho. Talvez algum produtor tenha novamente colocado o dedo e decidido alguma coisa que saberemos daqui há alguns anos como o foi com Blade Runner…

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