Compra obrigatória do mês

Antes que setembro termine, com os Zelayas e os Polanskis da vida a encherem a minha cabeça com seus atos estúpidos, tenho de lembrar ao querido leitor que sempre pára por essas plagas de que há um livro que ele deve obrigatoriamente comprar, sem pestanejo ou reclamação: Blood Meridian, de Cormac McCarthy, publicado aqui pela Alfaguara com o título de Meridiano de Sangue.

Há alguns dias o blogueiro da First Things, Joe Carter, fez um post com a seguinte provocação: quem seria o maior romancista americano atual? As opções eram Philip Roth, Thomas Pynchon, Don DeLillo e, claro, o nosso Cormac.

Carter escolhe McCarthy pelas seguintes razões:

(I’m going with Cormac McCarthy for the contentious and possibly spurious reasons that (a) he is the master stylist of the age, (b) his works cover a broader thematic range than the others, (c) he’s a timeless literary genius whose works will still be read in the next century, (d) he can whip all of the these other guys (not just on the page, but—if it came down to it—in a bar fight), and (e) he’s a fellow Texan.)

Concordo com todos os motivos acima, exceto pelo fato de que McCarthy ser um cumpadi do Texas – afinal, defendo algumas ações de George W. Bush, mas não sou tão fã de jeca assim.

Pessoalmente, creio que Cormac McCarthy entra para a história da literatura justamente por quatro livros que escreveu: além de Blood Meridian, temos The Crossing (a segunda e melhor parte de uma tal de Trilogia da Fronteira), o minimalista The Road (que lhe deu o prêmio Pulitzer) e, last but not least, Suttree, o único romance no século XX que, na minha modesta visão, pode se igualar ao Ulysses de James Joyce.

Em todos esses livros a linguagem é perfeita, o ritmo da história flui como o desenvolvimento dos personagens (isso não significa que há propriamente uma história ou um enredo tradicionais nos livros de McCarthy) e, em especial, somos apresentados a uma visão de mundo peculiar, que não hesita misturar o catolicismo angustiado de um fiel em permanente dúvida, a mística de um Meister Eckart (todos os livros de McCarthy são descrições de um alma que se debate com a noite escura, com o Mal e com a violência dentro de nós mesmos), o estoicismo frente ao sofrimento humano e uma ternura inusitada por pessoas que não têm muita coisa a perder.

O resto da obra de McCarthy não é ruim, é apenas irregular e não atinge os picos já mencionados – e aqui incluo No Country for Old Men, um bom romance policial-metafísico que se tornou um filme medíocre nas mãos dos irmãos Coen.

Contudo, com Blood Meridian, estamos com Cormac no ápice de suas forças. Há o estilo elevado, uma mistura de Bíblia do King James, Shakespeare, Melville e Faulkner; temos a violência tão belamente descrita que se tornou fascinante vê-la na sua mente; temos, dessa forma, uma meditação implacável sobre o fascínio do Mal em nossas vidas; e, claro, temos uma das figuras mais macabras na literatura recente: o Juiz.

Por essas razões e outras, o leitor deve comprar o livro e saborear também uma tradução ousada que merece meus kudos pela ambição realizada (cortesia de Cassio de Arantes Leite, que explica seu processo de tradução nesta entrevista reveladora dada ao Digestivo Cultural).

E para que você tenha um gostinho da fascinação de que o livro de McCarthy causa em seus leitores, fiquem com essa aula em duas partes, dada pela professora Amy Hungerford que, com seu jeitinho de Laura Linney, mostra o que não se deve fazer para interpretar tamanha obra-prima.

(Há um momento em que ela própria reclama que existem momentos na leitura de Blood Meridian que são realmente chatos. Ora, ó pá, o livro tem esses momentos porque um dos temas de toda a obra de McCarthy é justamente o fato de que o mundo, do jeito que está tomado pela violência humana, é de uma chatice insuportável)

4 comentários em “Compra obrigatória do mês

  1. Eu incluiria na lista dos melhores “All the Pretty Horses”, o primeiro tomo da “Trilogia da Fronteira”.
    E realmente “Blood Meridian” tem partes monótonas (e eu pensava que era somente eu quem achava).
    E não posso deixar de registrar que Joe Carter só escolheu o Cormac como o melhor porque são compadres.
    Afinal, Philip Roth e Thomas Pynchon, tanto quanto o compadre, são inigualáveis.

  2. Tenho uma edição americana do Blood Meridian pela Vintage International e, a julgar pela péssima tradução do No country for old men pela editora Alfaguara, não sei se é bom conselho essa compra. A não ser que tenham mudado o tradutor. Enfim, não é difícil achar os originais por aí.

  3. Quando perguntei a alguém o que havia de Bíblia do King James em Cormac McCarthy, antes de o ler, foi-me dito: o uso de polissíndeto. Muito, mas muito mais frequente porém do que na Bíblia é o polissíndeto na “Demanda do Santo Graal”, em que, basicamente, um monte cavaleiros sai rodando por aí e arranjando brigas, em episódios frouxamente relacionados uns aos outros. Será “Blood Meridian” um romance de cavalaria infernal?

    Aliás, McCarthy aparece como exemplo no verbete “polysyndeton” da Wikipedia. Ele e a Bíblia.

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