Peter Handke estava cansado, já tinha dado uma entrevista, ao que parece falou bastante, apetecia-lhe beber vinho, tinha pouca vontade de conversar, embora a sala estivesse cheia, e com Auster e Coetzee na fila da frente. Handke vestia de preto, como de costume, é magro, cabelo ainda comprido mas mais escasso e grisalho, olhos vivos, óculos pequenos, um humor um pouco arisco mas fino e um inglês muito mau. Não foi antipático, mas é reservado, ou tímido, ou simplesmente não lhe apetecia conversar. O João Lopes e eu bem tentámos, mas Handke não estava in the mood, e nem com as perguntas do público se mostrou mais solícito. E no entanto, ensaiou algumas respostas ao que eu mais lhe queria perguntar, algumas bastante boas, que cito de memória. Porque é que os austríacos dizem coisas terríveis sobre a Áustria, como fazem Bernhard e Haneke? Handke: «Eles não são representativos, os austríacos gostam da Áustria, eu gosto da Áustria». Depois de anos a evitar a política, envolveu-se em grandes polémicas políticas, como reagiu a isso? «Não o procurei, veio ter comigo, mas isso acabou por me dar uma espécie de destino». A «Europa Central» é apenas um conceito «meteorológico», como disse uma vez? «É uma ideia meteorológica, geográfica; como ideia política é detestável, foi a ideia de Europa Central que fez com que portássemos como nos portámos com a Jugoslávia». Como é que alguém que gosta de Hofmannsthal, de Wittgenstein e das questões da crise da linguagem escreveu oitenta livros? «Tenho um problema com a linguagem, mas quando escrevo finjo que não tenho». Robert Walser morreu quase esquecido, depois de trinta anos num hospício, mas hoje é reeditado em todas as línguas; acredita na justiça da posteridade? «Há um provérbio alemão que diz: Diga isso ao ouvido de Deus».
Depois disso, só o silêncio.