Dos reclusos aos canalhas…

…passando pelos refratários à Revelação, hoje temos de tudo um pouco.

Vamos começar com V.S. Naipaul, grande escritor, grande polemista e, ao que parece, grande voyeur sado-masô que, de tempos em tempos, gostava de bater e/ou de levar uma porradinha básica de sua amante. Ao sabermos disto através de sua biografia autorizada (????), The World is What It Is, escrito por Patrick French, pergunto-me, a lá Leo DiCaprio em Shutter Island, se é melhor viver como um bom homem ou morrer como um monstro (ou, como diria Wystan Hugh, você acha que escrever um poema vai te salvar do inferno?). Sam Schulman faz a mesma pergunta.

Se você acha que Naipaul foi longe demais na exploração de sua vida pessoal, então vamos ao polo oposto. Que tal saber um pouco mais sobre Grigory Perelman, o russo que resolveu a Conjectura de Poincaré, ganhou um prêmio de 1 milhão de dólares, recusou, deu uma banana para todo mundo e foi para a casa da mãe para continuar a comer laranjas? Este artigo da New Yorker é antigo (foi publicado em 2006), mas há a curiosidade de ter sido escrito por Sylvia Nasar, a mesma autora de A Beautiful Mind, a biografia de John Nash, outro maluco-beleza que anda pelos palácios dos números e das equações impossíveis.

(Aviso do leitor Pedro: o texto de Nasar foi traduzido pela revista piauí:  http://www.revistapiaui.com.br/edicao_12/artigo_263/Concavo_e_convexo.aspx)

Como sempre se pode chegar a extremos – e se achou que Perelman foi longe demais na sua reclusão voluntária – é porque ainda não vimos nada a respeito do rei dos reclusos, o monarca dos anacoretas, o monge das vocações literárias, o único escritor que realmente pode se afirmar que sabia escrever em todo o século XX: J.D. Salinger. Nesta comovente reportagem da New York Magazine, o editor Roger Lathbury conta como traiu as intenções de Salinger quando este decidiu, do nada, publicar seu conto Hapworth 16, 1924 – e com isso colocou toda uma multidão de leitores no limbo por mais quatorze anos. Remorsos à parte, o ensaio prova que Salinger não era tão recluso assim; era capaz de marcar um almoço na National Gallery sem ser notado por ninguém e sem ter nenhuma perturbação. Em outras palavras: no reino dos eremitas, Perelman still rules!

Agora, se quiser por outros caminhos, mais sérios, mais sisudos, indico a leitura deste artigo de Thomas Hibbs sobre a busca angustiada de Leo Strauss em querer encontrar uma filosofia que não tivesse qualquer componente metafísico. Se deu certo? Não sei; o que sei é que Strauss é um dos grandes da Filosofia Moderna, mas é interessante observar que até os grandes podem errar – e feio, muito feio.

11 comentários em “Dos reclusos aos canalhas…

  1. Pingback: Tweets that mention Dos reclusos aos canalhas… | Dicta & Contradicta -- Topsy.com

  2. O problema que ele resolveu foi a conjectura de Poincaré, não conjuntura. Não sei se li esse artigo da Nassar, mas ele argumentava que uns chineses tentaram tirar dele o mérito da prova. Ele já era uma espécie de recluso, havia entrado em uma Universidade Russa pequena só para estudar este problema, sem ninguém a incomodá-lo. Só ficou um pouco mais recluso.

  3. Caro Fernando:

    Obrigado por ter reparado no meu erro. Já corrigi a expressão. Isso é o que dá quando um analfabeto em matemática se mete onde não se é chamado!

    Abraços,

    Martim

  4. Erro normal. E pode se meter no assunto, ué. Hehe. Lembrei que foi este o artigo que eu li, na época. Achei a razão da desistência dele válida, apesar de extremada. Alguns desistiriam somente dos envolvidos no imbroglio.

    Abraços,

  5. Olha o que um leitor de Cleveland escreveu na Amazon sobre “A Bend in The River” do Naipaul:

    “Of the hundreds of books I have purchased and read, there are two that I have ripped up and have thrown in the garbage. This book is one of them, the other is Upside Down: A Primer for the Looking-Glass World by Eduardo Galeano. This book starts out interestingly enough, but by the part of the novel where the main character spits on the female character I had realized that I was reading a book written by a grotesque, simple-minded, worthless grub of a human being.”

    Vai ter sensibilidade assim lá n’Ohio que o parta.

  6. Que exagero, quanta injustiça!

    O tal Salinger, ainda lerei, deve ser muito bom mesmo…

    mas quer dizer que Hemingway e Fritzgerald não estavam à altura???

  7. Caro André:

    É isso mesmo, vc acertou! Salinger é superior a Fitzgerald e a Hemingway. Escreveu menos, e melhor. Franny and Zooey é do mesmo nível que O Grande Gatsby e os contos de Nine Stories são superiores ao de Hemingway. Ah, sim, leia antes de reclamar, por favor.

    Rgs

    M.

  8. Uma coisa é “Salinger é superior”, ou “Salinger é o melhor”

    Outra coisa é “Salinger é o único e nada mais presta”

    Quando fui comprar O Apanhador no Campo de Centeio tinha acabado no estoque… mas ainda lerei!

  9. Nas notícias literárias, não sei se vocês viram o artigo da Newsweek sugerindo que a Library of America estaria forçando a barra (“jumped the shark” foi a expressão usada) na expansão do seu cânone, particularmente com a inclusão de Shirley Jackson (nunca ouvi falar) — mas enfim, o fato é que saiu agora a lista dos lançamentos para o próximo ano, e dêem só uma olhada:

    Philip Roth (Operation Shylock, Sabbath’s Theater: 6th in the series)

    H.L. Mencken (Prejudices: 2 volumes)

    Saul Bellow (Mr Sammler’s Planet, Humboldt’s Gift, The Dean’s December: 3rd in the series)

    John Kenneth Galbraith (The Affluente Society & Other Writings, 1952-67)

    Lynd Ward (Six Novels in Woodcuts: 2 volumes)

    Civil War – The First Year (the first of four volumes)

    John Adams (2 volumes)

    Henry James (the 15th in the series, and the 6th volume of novels)

    Quite the jump, eh?

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>