Melhores do ano – parte II

Continuando com nossa série de presentes de Natal que gostaríamos de dar para você, leitor, mas não podemos, apresentamos agora as escolhas de Jonas Lopes, que, se não fosse pelo fato de sofrer do Mal de Montano, sem dúvida seria o nosso futuro Edmund Wilson.

Por Jonas Lopes

Alguns grandes livros de 2010:

Ficção contemporânea

Javier Marías – Seu Rosto Amanhã: 3. Veneno, Sombra e Adeus. Finalmente os leitores brasileiros têm à disposição a integral do estupendo romance em três partes do escritor madrileno (e não uma trilogia, como alguns críticos brasileiros imaginam…). Nessa meditação sobre o tempo, o medo e a indefectível tendência humana de trair o próximo, Javier Marías conseguiu levar ao extremo sua particular arquitetura literária, formada por períodos quilométricos, digressões metafísicas que duram dezenas de páginas e insights sobre Oxford, a ditadura de Franco e o serviço secreto britânico. Não por acaso, a crítica internacional tem feito comparações com Proust e Henry James. Dá para contar nos dedos quantos autores vivos conseguem ainda levar o romance de ideias a tal patamar.

Philip Roth – A Humilhação. Roth dispensa apresentações: desde Operação Shylock, de 1993, não para de produzir obras-primas. A novela A Humilhação integra uma tetralogia sobre a morte composta ainda por Homem Comum, Indignação e o recente Nemesis, programado para sair no Brasil em 2011. Mais uma vez Roth explora o massacre que é a velhice através da história de Simon Axler, ator dedicado aos grandes personagens do cânone teatral (Falstaff, Tio Vânia, Peer Gynt) que um dia simplesmente perde a magia. A abordagem do autor, mais uma vez, é cáustica: mais do que se preocupar com a proximidade do fim e com seu senso de finitude, Axler precisa encontrar um modo de apodrecer dignamente. Uma chance ocorre quando se relaciona com uma mulher bem mais jovem. Quanto à atmosfera do livro, impossível não pensar em Death, poema de Yeats (que tem um verso utilizado como referência por Roth para o título de outra obra, O Animal Agonizante): “He knows death to the bone/ Man has created death”.

Juan José Saer – O Grande. Saer morreu tragicamente cedo, em 2005, aos 67 anos, e sua produção continua saindo a ritmo de conta-gotas no Brasil (corra atrás de A Pesquisa e As Nuvens). Inspirado na Grosse Fuge de Beethoven e na Nona Sinfonia de Schubert, O Grande ficou inacabado. Nada que atrapalhe o ritmo febril e tortuoso do texto saeriano, tão ensaístico quanto o de Marías. Algo mítica, a trama trata do retorno de Willi Gutiérrez à região natal, no norte de Argentina, depois de trinta anos vivendo na Europa. Em sete capítulos, um referente a cada dia da semana, Saer destrincha as mudanças ocorridas na população da pequena e abafada Rincón devido a esse inesperado regresso.

Ficção clássica

Henry James – Os Embaixadores. Pode parecer mentira, mas aquele que concorre seriamente ao posto de mais perfeito livro de Henry James – e que the master himself considerava o seu predileto – nunca tinha sido editado no Brasil. Agora foi, graças aos esforços da Cosac Naify e do crítico e professor Marcelo Pen, estudioso da obra do escritor (vale a pena ler sua tese de doutorado, que traça paralelos pertinentes entre este romance e Memorial de Aires). Exemplar típico do estilo tardio de James, Os Embaixadores é uma obra-prima de transição entre a velha narração novecentista e o nascente modernismo. Em poucos trabalhos percebe-se tão bem como o americano aproveitou a rápida carreira de dramaturgo (abortada pela incompreensão e estupidez do público) para criar uma prosa alusiva, rica em sugestões e ambiguidade. Por meio de um narrador espertamente incerto e não-confiável, James vasculha cada canto da consciência de Lambert Strether e induz o leitor a confrontar os conflitos morais antes mesmo do protagonista.

Liev Tolstói – Ressurreição. Ainda tem muita gente que associa os livros do final da vida de Tolstói às ideias sobre moral, religião e arte que o gênio russo adotou na época. Bobagem. Como negar as imensas qualidades de A Sonata a Kreutzer ou de Khadji-Murát (aliás, também relançado este ano)? Ressurreição encaixa-se nessa categoria: por vários anos o romance foi considerado uma mera pregação. Azar de quem não reconhece o impacto desse mergulho nos meandros da redenção. Trata-se, em especial, de um ataque feroz ao desejo do Estado de nos conduzir como carneirinhos. A tradução é de Rubens Figueiredo, agora debruçado sobre o monumental Guerra e Paz. Encontro marcado, portanto, daqui a um ano, nesta mesma lista, neste mesmo blog.

Mas houve muito mais coisa em 2010, inclusive de não-ficção, como O Outono da Idade Média (Johann Huizinga), O Poder da Arte (Simon Schama), Aforismos (Karl Kraus), O Tempero da Vida (Chesterton) e Arte Moderna na Europa (Giulio Carlo Argan). Na literatura brasileira, destaco livros de três gêneros: poesia (Em Alguma Parte Alguma, de Ferreira Gullar), conto (Uma Fome, de Leandro Sarmatz) e romance (Passageiro do Fim do Dia, de Rubens Figueiredo). Entre as reedições, As Viagens de Gulliver enfim ganhou versão de um tradutor digno, Paulo Henriques Britto, e tivemos novas edições de Bellow, Cheever, Bioy Casares, Bulgákov, Carver, Gógol, Sebald, Sarmiento…

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