O fim do humor nos tempos da cólera

Pensei que estávamos quites, ao menos por algum tempo: era uma carga já bastante grande a perda de um ator realmente extraordinário e dedicado ao humor como foi Chico Anysio. E eis que me chega a notícia da morte de Millôr.

Com a saída de Chico Anysio e Millôr Fernandes do cenário nacional não perdemos o humor: perdemos pessoas com a mais sofisticada das inteligências. Marcelo Consentino realizou uma virtuosística reflexão a respeito do assunto na Dicta 4, e ali desdobra seus elementos, com as devidas aberturas metafísicas.

Pouco tenho a acrescentar; meu depoimento é indecorosamente pessoal. Conheci Millôr na casa de Cesarina Riso, e tive o prazer de sua convivência por diversas vezes, nas festas extraordinárias que tínhamos todos à reunião de Chico Caruso, Geraldo Carneiro, Wagner Tiso, Marcinho Montarroyos, Marcos Portinari e uma patota eclética – eu, caçula tímido e calado, qual Forrest Gump entre figuras extraordinárias. É um fato sabido, o gênio carioca: irreverente, jamais deixa a seriedade do trabalho se transmutar no ar casmurrão de quem se leva muito a sério.

Millôr trazia consigo essa espécie de leveza insustentável, e talvez por isso tenha sido a única pessoa que tive o prazer de conhecer que jamais tenha envelhecido – sua obra evitou sempre a tentação do auto-plágio, a tentação do cacoete. Quando o conheci, Millôr já era eterno, e todos ali sabíamos disso.

Difícil perder um gigante. A partir de hoje, o Brasil terá, pela primeira vez em 87 anos, que viver sem o gajo. Não tenho a menor dúvida: jamais seremos os mesmos.

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