Última defesa de André Rieu frente Lang Lang

Embora a discussão sobre André Rieu pareça ter se alongado, me vejo obrigado a retornar ao maestro. Antes de tudo, em um primeiro texto, onde o comparo a Lang Lang, me vi causando forte comoção entre os eruditos – recentemente cheguei a ser acusado de ser um ignorante musical. Mas preciso retornar ao tema pois meu argumento central seguiu intocado: afinal, que tipo de universo mental é este da apreciação clássica, que faz com que avaliemos performances como um desdobramento da ética?

Uma rápida olhada nos comentários suscitados nas redes sociais pode servir para ilustrar a celeuma. Grosso modo, podemos dizer são uma versão curiosa do politicamente correto, a ser resumida como “Rieu e sua orquestra representam a decadência da indústria cultural massificadora de nossos dias”.

Estes críticos estariam melhor em uma espécie de ECO 92 dedicada não ao meio ambiente mas à “programação das rádios”. E como todo eco-chato, tenho certeza, sairiam dali legislando de forma proto-totalitária sobre aquilo que devemos ou não ouvir – tudo, é claro, para o nosso próprio bem e o de nossos ouvidos. Este viés crítico, como toda militância, conta com sua referência entre os doutos. Um respeitável professor de uma das instituições mais importantes do ensino de música do Brasil, elogiando o artigo do Leonardo Martinelli, manda ver:

Esses gênios em fazer $ com música híbrida (ou hermafrodita) não convertem essa horda de hereges ignaros em apreciadores do biscoito fino europeu. Eles apenas criam um gênero paralelo, e gostam dele, fruem dessa outra corrente. Dificilmente eles passam à casta da boa música clássica, eles entram em uma canoa criada para bater-lhes a carteira, e gostam disso. Não gostam de Bach ou Beethoven, gostam daquilo ali. Para quem citou Adorno, que se referia ao ‘som eunucóide da jazz-band’, ele simplesmente gastaria três edições da [Revista] Concerto para demolir esses novos ícones. Parabéns aos ‘Meninos da Concerto': vocês estão criando uma pequena ‘Sorbonne’ musical com essas proposições. A César o que é de César, ao Rieu Rien.

O público de Rieu é portanto feito de “hereges” e tolos que sentem prazer em ver sua carteira batida. Aquilo que Rieu faz não é digno de nota, pois não é Bach ou Beethoven – a Rieu, sequer as batatas, a Rieu nada! O professor explica o que para ele faz, ou deveria fazer, esta “pequena Sorbonne”: com ela “teremos evoluído no sentido de um espírito de crítica, pela discussão, pelos conflitos que nos mostram soluções ou caminhos.” Dada máxima vênia ao professor, me permito entender que a solução é a da exclusão daquilo que não gostamos! Tanto assim que segue com uma analogia não muito feliz mas absolutamente relevante para entender o meu texto anterior:

O fato de Rien ter despertado esse debate não lhe dá mérito algum. Na história, Hitler, Stalin, o Golpe de 64 foram péssimos, genocídios, e não foram, pra dizer o mínimo, necessariamente merecedores de qualquer coisa que não os livros de história e um exemplo do que não deve ser seguido…

Não à toa, esta forma de crítica se desdobra nas tantas e indelicadas referências ad hominem que pululam em nossas redes – “o que não entendo é do porque essas pessoas ficam dando atenção a alguém medíocre como ele”, “sinceramente algo ruim tem mesmo é que ser esquecido!” ou “na Holanda, o nome Rieu = Riool – significa esgoto – Andre Riool!”.

Se você acha que contra estes pouco se deve dizer, são nada além de torcida organizada, está errado. O “não falemos de Rieu, ele não é dos nossos, ele não é importante”, pode parecer inócuo, mas não é. Quando se espalha que Rieu não tem mérito algum sobre o debate, advoga-se, conscientemente ou não, a chamada espiral do silêncio em torno do violinista. Suponho que, se nossos músicos clássicos tivessem o poder das gerações da MPB da década de 70, Rieu seria ostracizado no Brasil. Eu detestaria pensar que se dependesse de meus amigos Rieu acabaria como Wilson Simonal. Não por ser a favor da ditadura mas por ser pouco sofisticado.

E olha que coisa: a Rieu devemos todo o mérito do debate. Ou a maior parte do mérito, já que o outro devemos à Revista Concerto. Mas a Revista se mostrou relevante exatamente por não ser a Sorbonne – o texto de Martinelli, que provocou tudo isso aqui, tem a qualidade extraordinária de se posicionar inequivocamente sobre um assunto que não está intramuros. A César o que é de César. Olhando para o mundo, saindo da toca – coisa que todo músico clássico tem medo, e a Revista Concerto não tem -, querendo ou não, gostando ou não, lidando com o mundo para além de uma casca de nós, será inescapável admitir que no Brasil, neste primeiro semestre de 2012, tivemos apenas dois assuntos relevantes na editoria “música clássica”: a transmissão ao vivo pela web do primeiro concerto da Temporada Osesp, e a vinda de André Rieu e Lang Lang. Foram os únicos assuntos que saíram do consumo do gueto e, por isso, se colocaram no diálogo aberto com toda a sociedade.

Não importa quantas críticas se façam sobre a falta de homenagens ao saudoso maestro Eleazar de Carvalho, não importa quanta reclamação se publique sobre crossover – o Brasil ainda vai transformar o papel do “crítico musical” no de “cobrador musical”, no estilo do protagonista do conto de Rubem Fonseca –, com exceção daqueles dois assuntos, tudo o mais que se publicou durante este primeiro semestre foi feito para consumo interno, papel gasto estritamente para nós, tarados pela boa e velha música clássica. Alguns de nós preferimos que siga assim. André Rieu e Lang Lang, ao menos pelo trabalho que fazem, posso imaginar, parece que não.

***

O assunto Rieu/Lang é bom para outras averiguações. Aproveite a mesa necessariamente eclética do final de semana, puxe papo sobre música clássica e veja o que é passível de empatia. Em qualquer ambiente, seja com senhores cultíssimos, seja com seu amigo do treino de jiu-jitsu, sobrará como assunto em comum a figura controversa de John Neschling na Osesp (papo antigo, mas sempre requentável), a vinda de André Rieu e Lang Lang, a transmissão pela internet dos concertos web.

Então a pergunta: as pessoas precisam de música clássica ou a música clássica precisa das pessoas? O sujeito que mais admiro em São Paulo é um marceneiro que veio, como muitos de nós, tentar a vida por aqui. Com força e caráter extraordinários não precisa, do ponto de vista da coragem e trato social, um segundo sequer das sinfonias de Beethoven; Richard Wagner, por sua vez, conhecia a obra completa do gênio de Bonn. Não trocaria minhas tardes com um por tardes com outro.

Por isso a pergunta é boa. Foi recolocada, em outro contexto, pelo professor André Egg de Curitiba em um artigo bastante curioso, de título controverso, “Em defesa da música clássica contra Leonardo Martinelli”. De André conheço apenas um ensaio, ao qual sempre recorro para minhas aulas do “Falando de Música”, que discorre sobre o Partido Comunista e o movimento nacionalista musical brasileiro.

A despeito do ponto central ser de fato excelente – ponto central que é resumido na pergunta acima – é claro que o artigo é um pouco ingênuo. Sobretudo por confundir seu diagnóstico com uma eventual solução, e esta sugerir que a música clássica precise de menos “clássicos” e mais “contemporâneos” nas salas de concerto (não, Egg não sugere que Rieu é um representante da Neue Musik, como comentam maldosamente alguns pelo Facebook…); escrevendo a partir de Curitiba, Egg deve evidentemente espelhar um pouco as cores locais da programação e acusar aquilo que sente falta. Mas, é claro, deste particular não seguimos tautologicamente para o geral pois, evidentemente, não é o caso em toda parte. Em São Paulo não faltam concertos com música contemporânea (para alguns, há até demais), há fãs de Brahms e Rieu aos montes – inclusive, conheço quem seja fã dos dois ao mesmo tempo.

Ouso dizer que não falta sequer público para concertos contemporâneos. Falta é capilaridade – em música nova, ouvimos sempre as primeiras que são as últimas audições. O problema dessa relação “contemporâneos x público” é antiga, e na tradição clássica remonta o século XIX. A síntese do problema, desde então, parodiando Millôr, é que a maior parte dos compositores contemporâneos não são compositores… e, ouvindo bem, nem são assim tão contemporâneos!

***

Para terminar, Guilherme Malzoni retorna ao dilema: por quê Lang Lang faria tão mal? Não faria pois não faz. É todo esse o argumento do meu ensaio original – que reivindica a Rieu o que é de Rieu. O caso é que a crítica quer que ele seja também um educador, um intelectual, alguém à altura de Mozart para solfejar Mozart em público. Mas na prática pouco importa se Rieu, Emerson Lake & Palmer e Michel Teló assumem Beethoven de ouvido, e saem umbigando-o por aí – isso nada tem a ver com Beethoven, meu Deus! Beethoven está morto e nem a Berliner Philharmoniker regida pelo Papa o trará de volta. O único dever moral de um intérprete é com os vivos, não com os mortos, e por isso a cultura – e a história – da performance é tão diferente da história das composições a que estamos habituados.

Assim como quer de Rieu o que ele não pode dar, a crítica assume de Lang, por default, o que ele não estaria apto a entregar – a renovação. Por isso Lang faria mal, pois como educador ou renovador é uma piada. Pouco importa que seu público tenha na Sala São Paulo uma nova versão de uma sonata inteira de Schubert – o mais provável é que quem ouviu o Schubert de Lang tenha achado Schubert um chato (vide referência de Guilherme sobre Beethoven) e tenha saído dali curtindo a “Campanella” de bis. Acharam a “Campanella” mais legal que o Schubert – na verdade, para o grosso do público, como para mim, Schubert só serviu para retardar a chegada da “Campanella”. Todos naquela ocasião vilipendiamos Schubert pois queríamos mesmo ouvir o bis!

Preferir Liszt a Schubert… Faz algum mal essa escala de valores? A princípio não. Guilherme está certo, e Lang está mais a vontade com Liszt pois ambos estão mais ao nosso gosto de guitar heroes que o melancólico Schubert ou o heroico Beethoven. A música clássica é eclética e muito mais democrática que seus defensores: ela comporta com facilidade Bruckner, a “Campanella”, Lang Lang e Pierre Boulez. O que acontece é que, por vezes – e isso aconteceu com Rieu – a crítica, para renegar um de seus patinhos feios, assume como critério primeiro para avaliação de performance o impacto didático do artista. Aí temos problema. É neste sentido, apenas neste, que se Rieu poderia fazer mal, Lang faria ainda mais. Mas meu ponto todo é que não devemos ter este pressuposto quando assitimos um concerto de música clássica, assim como não podemos ter esse pressuposto quando assistimos um show do Bob Dylan. Para quem quer aprender temos o “Falando de Música”, o Conservatório de Tatuí, um acervo enorme de gravações, estudos musicológicos vários…

Não deveríamos fazer das salas de espetáculo meros espaços educativos. Não seria bom nem para o espetáculo nem para a educação. Quanto aos fãs de Rieu: os intelectuais precisam perceber que as pessoas não são piores apenas por gostarem de diversão. Aliás, é bom que gostem. E, em diversão, Lang e Rieu são mestres e não fazem mal algum a ninguém.

10 comentários em “Última defesa de André Rieu frente Lang Lang

  1. Me pergunto se os críticos de comentários destrutivos e não construtivos já presenciaram algum show do André Rieu, já sentiram a magia que é estar ali, porque sim, a música tem que ultrapassar a barreira do auditivo, ela é muito mais do que isso, ela te envolve, preenche, inflama e transborda, você atinge uma elevação espiritual, e eu senti isso no show do André Rieu e de sua orquestra, pois ele não está ali sozinho, há uma gama de profissionais excelentes e é do conjunto todo que sou fã, o trabalho deles é complementar e tem valor e qualidade. Não nego que posso sentir o mesmo se ouvir as mesmas músicas interpretadas por outros músicos, é que está a magia permissiva da música, ela não se restringiu ao Beethoven, ao Bach, ao Strauss, e a nenhum outro, para nossa sorte!
    Só porque o André Rieu e sua equipe tentam tocar de um jeito mais próximo do público, usam de simpatia e bom humor, misturam músicas mais do gosto popular, não é argumento para taxar o trabalho deles como ruim, ou sem qualidade.
    Eu estive lá e na minha percepção superou minhas expectativas a respeito da qualidade musical deles, e é isso o que importa para mim, para o público alvo dele e para a música.
    Quem se apresenta o faz para o público e deve saber o que o público quer e o que o público gosta, diminuir suas carrancas, abaixar o nariz e demonstrar algum prazer pelo que estão fazendo não deveria colocar em questão a qualidade do seu trabalho.

  2. O problema é que esse tipo de análise é simplória… Esse tal Leandro é um tipinho relativista que não sabe analisar estilisticamente as obras, não importa o público, não importa nada somente a obra em si e a de Rieu, Yanni, Kenny G. etc. não tem valor.

  3. Giovana, o mais triste é que você é tão simplória e tem tanta dificuldade de separar o certo do errado que chega a ser triste sua alienação…

  4. O Rieu é kitsch puro e simples. É falsa alta cultura, como esta revista. Há algumas décadas no Brasil existiam pessoas com bom gosto que falavam publicamente e pelas quais os outros mediam sua ignorância. Hoje, essas pessoas são pouquíssimas e se restringem a ambientes familiares já quase degenerados. Daí vir um sujeito dizer que no fundo todo mundo acha Rieu divertido.

  5. Opa, agora que pude ler os comentários – acho que meu próximo post deveria chamar “como queriamos demonstrar”! Pra começar, “esse tal é um tipinho” é uma maneira extraordinária de fazer referência a quem não conhecemos… deixo de lado a educação deste senhor cultíssimo e grande analista musical, o absolutista que parece ser Ricardo da Mata, o tolerante com tanto orgulho de sua sabedoria ao ponto de considerar razoável chamar uma senhora de simplória e alienada apenas por gostar do que gosta – e o que gosta não ser o que ele aprova. Responderia a Augusto, que se esforçou por sair do alto de seu bom gosto familiar já quase degenerado, se ele não houvesse reproduzido o que em nenhuma parte tenha dito. Concordo, Rieu é, a sua maneira, kitsch. Só não sei se puro e simples – isso seria um bom tema para debate. No mais adoraria poder dizer, como esses garotos: “em música clássica, a alta cultura c’est moi” (quase o escrevi), mas tenho a suprema sorte de contar com amigos que me dão algum senso de ridículo. Abracabraços!

  6. Leandro,

    Eu concordo quando você descreve a frustração sem propósito das pessoas que procuram provar que Rieu, *nele mesmo*, está “errado” e que o tratam como um proselitismo, uma blasfêmia da qual as pessoas deveriam se afastar com a mesma urgência da busca pela salvação da alma. Acho que aqui, como eu sempre digo, a separação entre o gosto pessoal e critérios de valor precisa ser feita pra nos darmos conta de que ninguém vive exclusivamente da coerência do mundo ideias: não aplicamos a nossa crença no apolíneo ao fazer piadas bobas, não deixamos de ouvir música lavando a louça ou de outras maneiras levianas e teoricamente “inapropriadas”, não deixamos de desenhar tosquices por diversão, etc. De onde se vê que, na prática, gostar de coisas “ruins” não é tragédia nenhuma, e o contrário é que seria inconcebivelmente artificial.

    O que eu acabo entendendo desse tipo de reação das pessoas é que como ouvintes de música clássica elas obviamente não gostam de ver o seu gênero musical ser confundido com André Rieu – confusão ameaçadora de fato, porque ela acontece e parece sim haver algo daquela definição clássica de “kitsch” no Rieu: o apelo não à emoção estética causada pela própria música (clássica), mas antes à emoção social de como é chique se emocionar com a música (clássica) (daí o reforço desproporcional de elementos já associados a certas emoções e ideias, para que o público tenha a ilusão de as estar experimentando (algo que o texto do Martinelli ajuda a identificar)).

    Enfim, concordo com você que a frustração dessas pessoas poderia ser amenizada, ao que acrescento essa separação mais resignável entre a atividade intelectual de buscar valores na arte e a nossa conduta pessoal diária.

    Mas sobre a crítica *exigir* que Rieu seja didático e nos ensine a verdadeira música, eu tenho uma pergunta: será que a crítica exige isso dele ou a crítica é que assume uma função didática e, nessa posição, se vê obrigada a denunciar o que seja um clichê musical a quem se interessar em lê-la?

    Porque posso dizer por mim que eu não exigiria do Rieu fazer absolutamente nada de diferente na sua *música* atual – que pode ser brega à vontade enquanto atender a essa demanda estética. O único incômodo que sinto é com a maneira como ele anuncia essa música: a proposta pode ser brega, não sou doutrinador contra nada, mas avaliar como a sua proposta se realiza de maneira incoerente – deixando-se confundir com o que não é – é uma desonestidade se formos situá-lo na imagem que ele assume. E nisso eu concordo plenamente que a questão ganha relevância quando se desdobra para a ética, porque musicalmente, nele mesmo, não haveria o que dizer do Rieu senão reconhecer que ele é kitsch, o que exigiria da nossa preocupação tanto quanto o Michel Teló.

    E nesse sentido mais uma vez eu não vejo como o Lang Lang seja comparável a ele em desserviço de uma imagem desonesta, porque a identificação ou não de um intérprete com um compositor, a “chatice” da sua interpretação em alguns tipos de obras, não me parece um critério seguro para dizer que um intérprete faz mal à música clássica. Ou então todo intérprete que não foi bem sucedido em alguma apresentação ou gravação mereceria ser visto dessa maneira! Pra mim a diferença do Lang Lang e do Rieu nesse sentido é que o Lang Lang, por pior que se saia na sua interpretação, diz exatamente aquilo que vai tocar, ou seja, fica aberto aos ouvintes para ser julgado pelo que faz. Já o Rieu parece embarcar naquela coisa do kitsch e isso, se a crítica fizer questão de abordar, é algo que tem consequências desonestas artisticamente em qualquer sentido. (Por isso a função desse esclarecimento da crítica a quem se interessar e o tiver perdido de vista).

    Abraços!

  7. Dois pontos, então. Primeiro, a citação do John Dewey: “A educação não é a preparação para a vida; é a própria vida.”. Segundo, um apelo à tua sinceridade. Já não existe burguesia a ser escandalizada. Os que distinguiam categoricamente o belo do feio estão agonizando. Por que pisotear mais com esses lugares-comuns relativistas?

  8. Leonardo caro, acho que você tem toda razão. Mas considero, sobretudo, que quem faz do Rieu “o maior maestro de todos os tempos”, o grande campeão da música clássica, é o Faustão e que tais: ou seja, é problema de recepção, não necessariamente da intenção do sujeito – e por isso não consigo ver dilemas éticos. Não sei como eu me comportaria no lugar dele, talvez com a mesma sincera modéstia, que aliás, ele não esconde. Sobre apresentar arranjos de compositores, não há muita solução – hoje li em alguma parte que Rieu era uma espécie de McDonalds e eu gostei: afinal, faz-se ali um hamburger bem mequetrefe, mas dificilmente poderíamos dizer que não é um hamburguer. O Mozart ou sei lá que mais de Rieu é mequetrefíssimo, mas que fazer? Há público pagante, e eu não costumo dar lições naquilo que faz a quem ganha mais que eu. Quanto ao papel da crítica em si, concordo completamente – aliás achei a crítica que deu origem à discussão, que saiu pela Revista Concerto, uma peça excelente; toda a celeuma é por conta de meu questionamento do tom inquisitório presentes em parte dos tantos comentários públicos que ela suscitou (e de certa forma, cultivava latentemente). Mas acho que todos nós, do mundo clássico, precisamos mesmo disso: alguém para discutir apaixonadamente. Eu detesto Rieu e Lang, mas adoro poder pensá-los como fenômenos da nossa cultura! Abraços queridos. L

  9. Augusto caro, não há relativismo: em nenhum momento considero o Rieu algo bom por ser famoso ou algo bom em si – acho-o apenas talentoso no que faz, um mestre do entretenimento. Se o que faz é do capeta ou dos deuses, não faz o menor sentido, pois o gajo não está a tirar nosso dinheiro (como muitos artistas que temos por aí) ou a doutrinar ninguém. Quem lá vai, vai porque quer! Podemos fazer inúmeros artigos sobre que tipo de simplificação ele faz; podemos tentar entender porque tais simplificações fazem tanta gente babar; podemos inclusive tentar achar os dilemas éticos sobre corrupção do texto original e tal (aí seria o máximo, pois há muito mesmo o que dizer, embora estejamos em terreno técnico). Mas nada disso, nada, nos permitiria justificar calar a voz de Rieu. Eu estarei sempre do lado do humanismo, tal como definido pelo Clive James – “Humanism wasn’t in the separate activities: humanism was the connection between them. Humanism was a particularized but unconfined concern with all the high-quality products of the creative impulse, which could be distinguished from the destructive one by its propensity to increase the variety of the created world rather than reduce it. Builders of concentration camps might be creators of a kind—it is possible to imagine an architect happily working to perfect the design of the concrete stanchions supporting an electrified barbed-wire fence—but they were in business to subtract variety from the created world, not to add to it. In the connection between all the outlets of the creative impulse in mankind, humanism made itself manifest, and to be concerned with understanding and maintaining that intricate linkage necessarily entailed an opposition to any political order that worked to weaken it.” Abraços!

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