A Perseguição e os machos alfa

Em 2008, Liam Neeson, ator indicado ao Oscar por A Lista de Schindler, surgiu como um improvável, porém eficaz, herói de ação em Busca Implacável, filme dirigido por Pierre Morel e escrito por Luc Besson (criador do maravilhoso O Profissional), em que um agente aposentado da CIA se utiliza de suas habilidades para resgatar a filha sequestrada por criminosos em Paris. A lógica por trás de Busca Implacável, e também de O Profissional, é que a ação precisa estar ligada a um drama ou motivação pessoal, do contrário não podemos realmente senti-la ou sequer torcer pelo herói. Taken, nome original de Busca Implacável – no Brasil os filmes de ação sofrem de uma febre de títulos genéricos e inexpressivos – foi um sucesso tremendo (a sequência já está em pós-produção) porque acompanhamos um homem de meia-idade usando tudo o que aprendeu em vida para reaver a filha o mais rápido possível. Quando Neeson, com sua voz grave e sedosa de leão mítico, tão perfeita como Aslan em Nárnia, fala com o sequestrador pelo telefone, sentimos a aflição de um pai desesperado, mas resoluto; “eu vou te procurar, eu vou te encontrar e eu vou te matar”.

Depois de Busca Implacável, Neeson interpretou Zeus em Fúria de Titãs e Fúria de Titãs 2, fez Esquadrão Classe A e atuou ao lado de Diane Kruger em Desconhecido, outro filme de ação (semelhante, mas não tão bom quanto Busca Frenética, de Roman Polanski) proveniente do sucesso de 2008. A Perseguição, escrito e dirigido por Joe Carnahan, de Esquadrão Classe A, também tenta pegar carona na nova demanda por filmes de ação protagonizados por Neeson.

Com o título original The Grey, literalmente “O Cinza” ou “Os Cinzas” (uma alusão óbvia aos lobos, mas talvez também à maturidade do personagem e à zona intermediária entre vida e morte, bem e mal), A Perseguição é um filme de ação com pretensões poéticas sobre um grupo de trabalhadores de uma petrolífera que sobrevive a um acidente aéreo no Alasca e que precisa, então, lutar contra o frio, a fome e uma matilha de lobos selvagens. Em sua resenha, o crítico americano Roger Ebert disse ter sentido pena quando soube que Sarah Palin, ex-governadora do Alasca, atirava em lobos de um helicóptero, mas que depois de assistir ao filme achou até pouco. De fato, os bichos são apresentados como criaturas inteligentes e cruéis, que não matam apenas para se alimentar, mas também por questões territoriais. E, assim, começam os paralelos entre lobos e homens.

Com a velha dinâmica de Resta Um, os homens vão morrendo por motivos variados: um em decorrência dos ferimentos do acidente, outro que não resiste ao frio e assim por diante, mas o ataque de lobos ainda é o perigo principal. Lobos secundários, os ômegas, atacam aqueles de menor influência no grupo (e nem sempre saem vitoriosos). Tudo culmina, é claro, na batalha entre os machos alfa: o chefe da matilha e o líder dos sobreviventes.

Infelizmente, os personagens não são tão bem elaborados como em outros filmes de dinâmica parecida (como Alien, o Oitavo Passageiro, de Ridley Scott ou O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter, em que mesmo as mortes dos personagens secundários são profundamente sentidas). Em A Perseguição, houve uma tentativa sincera de torná-los únicos e até mesmo complexos. Há um engraçadinho (que nunca tem graça), um revoltado (que acaba pedindo desculpas por ser babaca), um cara legal que se preocupa com os outros etc., mas não é o suficiente; a maioria deles não ganha o devido trato ou tempo para que nos importemos realmente. Atribuir filhos, esposas ou familiares aos sobreviventes, apresentados em fotos ou pequenas histórias, não é suficiente para que eles ganhem vida ou personalidade. Até Neeson, com sua performance impecável, capaz de tornar interessante até a leitura em voz alta de uma lista telefônica, não está tão bem como estava em Busca Implacável – simplesmente porque seu papel não é tão bom.

Mesmo assim, o filme foi um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos e deve agradar muita gente por aqui também, principalmente aos homens. Em Busca Implacável, o público feminino podia ao menos almejar uma identificação com a filha sendo resgatada pelo pai heroico ou então com o conflito da mulher que tem sua filha sequestrada e precisar recorrer às habilidades do ex-marido, adquiridas na profissão que fez justamente com que eles se separassem. Já em A Perseguição, entre metáforas para machos alfa, machos ômega, e os personagens que participam da “última boa luta”, fica claro que o filme foi feito quase que exclusivamente para homens.

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